Edição 343 | 13 Setembro 2010

A exceção jurídica na biopolítica moderna

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Márcia Junges

 

IHU On-Line – Poderia traçar um paralelo entre as formas antigas e atuais de se aplicar o estado de exceção?

Castor Ruiz – Como indicava anteriormente, a importância de manter uma expectativa crítica sobre o estado de exceção deriva de sua potencial aplicabilidade a cada momento dependendo das circunstâncias. Ele constitui-se uma técnica biopolítica muito eficiente para o controle de populações consideradas perigosas ou indesejadas. Dada a versatilidade possível desta figura jurídico-política, provavelmente estaremos constantemente expostos a enfrentar ou sofrer novas versões da mesma técnica, a exceção.

Um exemplo da versatilidade da formas de exceção como controle biopolítico de populações indesejadas o encontramos nas técnicas jurídico-políticas aplicadas sobre as massas de migrantes ao longo de todo o mundo. É sabido que a migração se tornou um caminho alternativo dos excluídos do mundo para tentar sair de sua condição de exclusão perene. Emigrar é resistir a permanecer na vida indigna. A maioria dos migrantes é obrigada a deixar sua terra, povo e cultura. Eles são bem recebidos quando se necessita de mão de obra barata para aumentar os benefícios do capital. Neste caso, o Estado incentiva a emigração. Porém os próprios Estados querem ter o controle das populações de migrantes, colocando quotas, impedindo entradas, expulsando quando não são mais necessários, etc. O capitalismo é um sistema que planeja de forma estratégica a produção, o benefício e a exclusão. Os excluídos são parte da engenharia do mercado.

Vidas frágeis

A migração é uma forma de resistir à negação dos direitos básicos da vida digna a que estão submetidos os excluídos nos seus respectivos países. Para controlar estas populações consideradas perigosas, criou-se uma rede de armadilhas legais, sistemas policiais e centros administrativos de retenção que, em seu conjunto, configuram, a depender de cada país, um modelo de aplicabilidade da exceção dos direitos de cidadania aos estrangeiros quando eles não são úteis. Despojados dos direitos da cidadania plena, perambulam num estado laxo de exceção em que lhes são reconhecidos alguns direitos básicos de respeito à sua dignidade, embora lhes sejam negados os direitos necessários para consegui-la. Em muitos casos permanecem retidos durante meses sem cargos, sem sentença, sem acusação, esperando uma deportação a um lugar que também não é definido. Os centros administrativos de retençãose constituem em novas figuras jurídico-políticas de campos, onde a vontade arbitrária dos administradores governa a vida dos que ali residem, isso ainda dentro do Estado de direito. A vida dos migrantes retidos ou sem papeis é uma vida que perambula no espaço da exceção jurídica. É uma vida frágil, exposta à vulnerabilidade, muitos poderão dela se aproveitar e até abusar sem maiores consequências.

Outro exemplo muito próximo de exceção jurídica encontramos nas condições de vida dos campos de refugiados. O refugiado é alguém que teve que abandonar seu país ou região à força. Retidos em campos, os refugiados se expandem ao longo do planeta, vivendo uma condição de exceção, pois, no país onde habitam, não são reconhecidos como cidadãos de pleno direito, ao seu não podem retornar e também não lhes reconhece os direitos de cidadania. Refugiados em campos, eles estão expostos permanentemente ao abuso e à violência. Um estado de exceção permanente se abate sobre suas vidas. Lembremos os acampamentos de refugiados palestinos, saharauis, Chad, Sudão, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Birmânia, Filipinas, etc. Uma condição similar aos refugiados acomete aos “desplaçados” por conflitos dentro da Colômbia. Cabe também uma menção especial à situação da população palestina de Gaza, cercada por terra, mar e ar, submetida a todos os controles possíveis até deixar viver no limite do minimamente digno; eis um caso paradigmático de controle biopolítico pela imposição da exceção e seu cercamento num campo.

Exceção como norma

Ainda outro exemplo contemporâneo de estado de exceção jurídica o encontramos no Ato Patriótico decretado pelo presidente Bush quando dos atentados do 11 de setembro. Nele se suspendiam uma parte importante dos direitos da cidadania (privacidade, correspondência, etc.) para que os serviços de inteligência do Estado tivessem mais poder e em contrapartida oferecer mais segurança. Decretou-se que quaisquer estrangeiros suspeitos de terrorismo poderiam ser detidos sem provas, sem acusação, até decisão em contrário. Esta é a versão mais nítida em que a exceção se tornou o controle biopolítico dos suspeitos. A vontade soberana toma o lugar do direito, e o arbítrio dos serviços de inteligência, dos militares ou dos políticos se torna lei soberana. Guantánamo é, até hoje, o triste exemplo do campo onde a exceção é a norma, o arbítrio do soberano que governa o campo substitui o direito. Também se teve conhecimento de campos secretos de internamento de suspeitos de terrorismo na Europa, no Iraque e até em barcos em águas internacionais.
Nos últimos tempos tivemos conhecimento de que métodos truculentos de perseguição, tortura e extermínio de civis ou suspeitos colaboradores do inimigo, continuam se utilizando de forma sistemática no Afeganistão e no Paquistão pelos exércitos dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, como parte da estratégica do Estado de direito para se proteger contra os que o ameaçam desde aquelas latitudes.
Se olharmos nossa realidade brasileira, poderemos perceber que as condições de vida das prisões beiram, quando não já ultrapassaram, o limite de qualquer forma de exceção. De outro lado, bairros e favelas inteiras de algumas de nossas cidades vivem sob o arbítrio dos traficantes, e a exceção vigora de outra forma. São territórios onde a vida humana se encontra exposta à violência porque dela foi suspenso o direito para viver numa forma de exceção.

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