Edição 377 | 24 Outubro 2011

Agroecologia por um mundo mais sustentável

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Thamiris Magalhães e Rafaela Kley



IHU On-Line – De que forma a agroecologia pode contribuir significativamente para o enfrentamento da crise climática?

Marcelo Calazans – A agroecologia emite menos; é mais adequada; é uma agricultura que privilegia o mercado local, os circuitos locais de comercialização. Está claro que, comparada ao agronegócio, a agroecologia traz um conjunto de elementos não só agrícolas e agrários, mas também culturais e políticos, que garantem maior resiliência também com as próprias intempéries. O caso, por exemplo, da caatinga, que foi apresentado lá no grupo, trazia a experiência de convívio de uma família, em pleno semiárido, cultivando e criando espécies do próprio semiárido, articuladas a uma série de políticas que foram conquistadas junto ao Estado, como as cisternas e outras políticas da caatinga. Então, demonstra muito claramente que a questão da seca não é pegar o rio São Francisco e distribuí-lo pelo agronegócio no nordeste. Produz-se uma cultura ancestral de convívio do homem com a seca. E o ser humano sempre conviveu com a seca. Então, a convivência com o semiárido é uma forma que demonstra que é possível se viver com menos água. E no semiárido, a água não é um bem facilmente acessível e o homem convive ancestralmente com o semiárido. Conviver dentro ou cercado por uma monocultura de eucalipto é muito mais inseguro para a vida e a sobrevivência dessas pessoas do que em um convívio agroecológico lá no semiárido, um lugar em que a água falta. Então, a agroecologia oferece uma possibilidade de convívio e de adaptação e também mitigação das mudanças climáticas. Trata-se de uma alternativa para alimentar e repensar o campo, além de colocar um mais adequado às mudanças que o clima vem passando. Essa é a maior virtude da agroecologia e, ao mesmo tempo, o maior risco, porque justamente por isso a agroecologia é requisitada pelas grandes corporações e pelo discurso da “economia verde”. Já que a agroecologia garante resiliência, sequestra carbono, ela pode também ser interpretada como um mecanismo de que é preciso investir em agroecologia para fixar carbono e, através disso permitir, a expansão do modelo. Então, justamente por ser uma virtude diante das mudanças climáticas que a agroecologia, tal como as florestas nativas também, é vista como um lugar de compensação. Aí tem um apelo e uma interpelação muito perigosa, porque requisita as florestas e tudo o que a agroecologia construiu, mas para dentro dos mecanismos de mercado. Então, o grande desafio é construir a agroecologia por fora desse mecanismo, como uma estratégia de disputa contra-hegemônica, contra o agronegócio e não buscar outras formas de financiar a transição agroecológica com o mercado de carbono.

IHU On-Line – Por que o senhor critica como vem sendo trabalhado o conceito de economia verde?

Marcelo Calazans – Na verdade, é um momento do capitalismo em que o verde passa a ser um nicho de mercado. Quando se fala em economia verde, não se está falando em um novo modelo de desenvolvimento, em um novo padrão de produção e consumo. Quando se fala em economia verde, na verdade, está-se falando em novos nichos e novas fronteiras de investimento, porque o capitalismo precisa não apenas reproduzir o investimento, mas necessita se expandir. Sem alguma garantia e certeza de que o investimento gerará um retorno maior, sem isso, o capitalismo não se move. E está difícil inserir dinheiro hoje no capitalismo, porque há a crise financeira internacional, de commodities, crise por toda a parte. Então, há que se gerar novos mercados. Estamos em um momento assim. E quais são os novos mercados? Não tem mais uma América, um novo continente a ser explorado; não tem mais uma África ou um Oriente, como nas cruzadas. Hoje, onde estão os novos continentes? Eles estão na biodiversidade, nos mercados futuros e também no mercado de carbono. Essa é a nova fronteira.

Quando se fala em economia verde, fala-se que “temos novos mercados para serem explorados e construídos”. Então, são novas mercadorias. O carbono, por exemplo, é uma mercadoria; a biodiversidade é uma mercadoria; até os entes espirituais também passam a ser mercadorias, porque tudo passa a ser comercializável. A economia verde é, na verdade, um momento em que as grandes corporações estão querendo novos nichos de mercado. Por trás delas estão, certamente, as corporações mais responsáveis pelo próprio aquecimento global. Então, a economia verde vem com um discurso de disputa do território, das nossas florestas, da nossa biodiversidade, e por trás dela estão as grandes empresas do mundo, corporações que dominam a tecnologia, a biologia química, a engenharia da nanotecnologia, que é onde o capital está vendo as suas novas fronteiras de expansão. E a economia verde é esse argumento discursivo que soa muito bem. Para uma sociedade que está mais de 80% nas cidades e que as novas gerações tiveram pouquíssimo contato, por exemplo, com a Mata Atlântica, o discurso que “a Copa do Mundo será carbono neutro”, ou “vamos proteger as florestas”, ou ainda “vamos deixar a árvore em pé” soa muito bem. Tudo isso soa como algo ambiental, jovem, como uma preocupação. Mas, na verdade, por trás disso está justamente todo um glossário de definições e toda uma gramática de comercialização das florestas e da própria biodiversidade.

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