Edição 377 | 24 Outubro 2011

Agroecologia por um mundo mais sustentável

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Thamiris Magalhães e Rafaela Kley



IHU On-Line – O que propõe a abordagem agroecológica? Trata-se de uma proposta alternativa ecologicamente sustentável?

Marcelo Calazans – A agroecologia não é apenas um conjunto de técnicas, alternativas de agricultura. Ela implica um modelo mais complexo e que agrega todas as partes, não somente a técnica agronômica, mas uma forma de viver. A agroecologia é um projeto de cultura que de alguma forma recusa a sociedade do consumismo. A alternativa agroecológica implica uma disputa dos territórios, e nos territórios contra o agronegócio, contra a expansão de um modelo químico. Com o mercado de carbono não há perspectiva de convivência agroecológica. Seria uma contradição. Não teria sentido uma convergência que permitisse esse tipo de situação.

IHU On-Line – Que mudanças efetivas devem ser realizadas pela sociedade em termos globais, principalmente nos países desenvolvidos, para minimizar o aumento das mudanças climáticas?

Marcelo Calazans – O fundamental é reduzir emissões. Isso já está muito claro. Há um ciclo natural do carbono e de todos os outros elementos da tabela periódica, que se transformam em gases em algum momento. Há um ciclo natural do carbono, que é floresta, oceanos e atmosfera, um ciclo de bilhões de anos, quatro ou cinco bilhões de anos do planeta. Então, existe uma temporalidade que não é humana. É um tempo de bilhões de anos. Imaginemos que o homem chegou a centena de milhar. Estamos falando de um tempo de bilhões, que é um tempo de fossilização do petróleo, do carvão e dos combustíveis fósseis. E, aos 45 do segundo tempo, uma civilização dos últimos 200 anos, talvez 150, pega esse ciclo de bilhões de anos de fossilização e extrai do subsolo essa fossilização e lança na atmosfera tudo isso que foi lançado desde as revoluções industriais. Então, não tem jeito. A redução das emissões foi prometida no Protocolo do Clima de 92 e não cumprida, reafirmada em Kyoto e também não exercida, prolongada em todas as negociações internacionais e pouco construída na prática. Então, tem que reduzir as emissões. Não há possibilidade de substituir o petróleo e o carvão como base energética de uma nova sociedade que mantém esse modelo. A energia nuclear traz enorme risco; a energia hidrelétrica oferece enormes conflitos. Tem que se pensar, de fato, em sociedades com menos consumo de energia. E isso é uma enorme complexidade. O Norte não quer reduzir as emissões, sendo que 80% das emissões estão lá. E eles querem trazer para o Sul a responsabilidade pelos projetos do mercado de carbono. É no Sul que querem plantar milhões e milhões de hectares de cana, de eucalipto, de soja? É no Sul que querem construir as maiores hidrelétricas? Quer dizer, a culpa fica para o Sul, de uma dívida climática e histórica que é do Norte. Então, não há solução. Tem que se reduzir as emissões. O Painel Internacional do Clima já em 1990 publicou um dos primeiros relatórios, mostrando que deveria haver uma redução na base de 68% das emissões de 1990. Bem, Kyoto reduz de 68% para 5%. Quer dizer, 63% joga de lado e nesses 5% que deveriam reduzir, eles ainda poderiam reduzir 3 ou 2% e compensar isso em mecanismos de mercado no Sul, como nos MDL. É o caso da Plantar, por exemplo, em Minas Geais. Em vez de a Escócia reduzir 5%, ela reduz quatro e alguma coisa, e a diferença ela compensa plantando eucalipto em São José do Buriti, no cerrado mineiro.

Então, está claro que não tem solução. Não haverá uma saída que substitua o petróleo e o carvão para a manutenção do atual modelo de sociedade. Pode-se plantar o planeta inteiro de cana; pode-se pensar o eucalipto nas energias de segunda geração; pode-se pensar mesmo a energia solar. Ela, por enquanto, precisa de muitos elementos que vêm do próprio petróleo para ser uma base energética e ainda é cara. Boa parte dos aparelhos e dos instrumentos necessitam do petróleo, como uma base para formar os instrumentos de captação. Enfim, não há substituto do petróleo que vá permitir a manutenção de uma sociedade consumista e do automóvel. Qualquer solução que pretenda resolver o problema do clima mantendo esse modelo de sociedade é míope, de curto prazo. Ou mais, é uma solução projetada para fracassar mesmo; é projetada para que fracasse, porque ao fracassar gera um processo e um nicho de mercado para empresas, certificadores, validadores, para uma série de corporações interessadas em fazer negócios com a crise climática. Então, a saída para a crise climática é reduzir radicalmente as emissões, não só no Norte, mas no Sul também. E no Sul isso é mais complexo ainda. Países como Índia, China ou Brasil, sempre estiveram fora do eixo hegemônico do planeta; as sociedades nunca tiveram direitos garantidos e nunca se construiu um estado do bem-estar de direito nesses países que agora estão emergentes. E dizer para essas sociedades que agora, justamente no momento em que as novas classes médias crescem, é a hora de redução de consumo, é uma contradição profunda! Então, deve-se chegar a acordos internacionais. Mas, esses acordos têm que ser construídos a partir dos territórios, e não dos Estados, corporações e grandes grupos, muitas vezes até chamados de ambientalistas, porém, muitas vezes construtores do próprio mercado de carbono e das condições que não estão garantindo um planeta de fato mais sustentável.

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