Edição 428 | 30 Setembro 2013

Manifestações expõem fragilidades e limites do projeto constitucional-republicano de democracia

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Redação

“Transitamos por toda a passeata sem realmente achar um ambiente próprio às nossas reivindicações”

Camila Falconi é moradora do Rio de Janeiro, graduanda em Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense – UFF onde também é estagiária, além disso, trabalha na Galeria de Arte Patrícia Costa.

Confira o depoimento.

 

Participei de duas manifestações no Rio de Janeiro, ambas durante o mês de junho, em um momento crucial do processo de reivindicações: a do dia 17 de junho, que teve seu desfecho na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), e a de 20 de junho, que seguiu à Prefeitura. É preciso ressaltar que, apesar de estar em grande grupo, depositava minha confiança no senso do meu namorado, já que compartilhamos a decisão de não irmos até o fim – no sentido de não nos envolvermos naquele ponto da passeata em que a linha tênue entre violação de direitos humanos e o exercício cidadão de expressão desaparece. Estive em ambas as passeatas desde o início, sempre combinando o encontro por volta de 17h.

Nos ambientes que frequentei, nos arredores do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da UFRJ, havia em suspenso uma certa tensão. Contudo, apesar do preparo para qualquer tipo de situação, incluindo máscaras, vinagre, capas de chuva, ninguém planejou uma reação mais específica e direta, uma retaliação mais agressiva. Na primeira manifestação, percorremos a avenida Rio Branco sem grandes alardes. Chegamos a descansar um pouco próximo à avenida Nilo Peçanha, mas sem de modo algum conseguir avistar o fim da carreata fervorosa que passava. Até que soubemos que o fim não seria mais na Cinelândia, que o front da manifestação queria ir até a Alerj. Claro que é aí que toca a sirene... Mas meu intento era de não dispersar tão cedo, pois é quando estamos em grupos pequenos que os policiais militares atacam e ganham força. Mesmo assim, andei com meu namorado a passos bem menos ansiosos que meus amigos, deixando uma boa distância dessa galera que queria muito ir à Alerj.

Ouvi o primeiro estouro, e logo muitos se desesperaram. Conseguimos manter a calma da galera apesar desse primeiro susto, pois o pânico poderia acarretar incidentes diversos. Sentamos no chão gritando “calma” a todos, e aderiram – quando cheguei em casa naquele dia soube que esse primeiro estouro era a invasão da Alerj, o primeiro molotov. Chegamos mais perto de nossos amigos, mas notamos que não havia mais jeito: vimos fogo e ouvimos alguns tiros. Olhei para o meu namorado e entendemos que era para ir embora. Em alguns momentos corremos por vir uma multidão desesperada em nossa direção, mas conseguimos desviar pelas ruas ou acalmar os que passavam. Pegamos o metrô para escapar do problema. Percebemos que saímos na hora certa, pois cerca de cinco minutos depois um menino com ferimentos de bala de borracha entrava carregado na estação. 

Na segunda manifestação, os três dias que a separaram do primeiro manifesto pareciam semanas, meses. A galera era completamente outra. Tínhamos então o nosso núcleo, com dez cabeças, mais ou menos, mas nos sentíamos sós. Transitamos por toda a passeata, por toda a avenida Presidente Vargas, sem realmente achar um ambiente próprio às nossas reivindicações. Alguns grupos mais nacionalistas, ou ufanistas, seja como for, eram compostos de meninos e meninas muito jovens, o que me deixava muito apreensiva. Jovens adolescentes que provavelmente nunca foram em uma passeata e já participavam de uma manifestação de um milhão de pessoas, preenchendo todo o centro do Rio de Janeiro. Estavam muito prosas no começo, mas poderiam facilmente entrar em desespero.

Outro grupo presente era o dos anarquistas, muito preparados ao combate aberto com a polícia, por toda a sua vestimenta e palavras de ordem. Não me senti muito segura ali justamente por serem um grande alvo para ataques repressores. Tinha também muitos carros elétricos, trios elétricos, tentando abafar qualquer grito do povo, para que seus alto-falantes fizessem ouvir o discurso dos respectivos partidos. Ainda havia aqueles que perseguiam pessoas com algum sinal de ter um partido, de ser comunista ou mesmo de ser homossexual. Um amigo meu, com uma camisa do Che Guevara e com um broche da Juventude do PT, foi encurralado por esse grupo quando já havíamos saído, conseguindo escapar com a ajuda de outros.

Com a presença de setores intolerantes na passeata, ficamos receosos com a panela de pressão formada em torno da Prefeitura, em especial porque aquela região não tem muitas vias de escape nem muito acesso a transportes. Quando vimos a segunda bomba de gás lacrimogêneo, e jogada muito próximo de nós, seguimos ao metrô. Foi um sufoco. Muito exprimidos por todo o trajeto e sem muitas saídas caso um grande grupo entrasse em pânico, sempre entoávamos palavras de calma aos jovens que logo saíam correndo assim que ouviam um estouro. Conseguimos pegar a estação de metrô aberta (ela foi bloqueada pouco depois de entrarmos) e seguimos para casa. Chegamos exatamente a poucos minutos de tudo virar um caos, como tinha sido prometido e planejado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, que dispersou toda a multidão. Diversos amigos nossos ficaram presos na faculdade, ameaçados com os boatos de que os policiais estavam parando qualquer transeunte e o prendendo por vandalismo. Felizmente todos chegaram bem em casa, após algumas horas de confinamento madrugada adentro.

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