Edição 385 | 19 Dezembro 2011

Maria de Magdala, a grande “Apóstola dos Apóstolos”

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Moisés Sbardelotto

Nem prostituta, nem esposa de Jesus: Maria Madalena foi a principal testemunha da Ressurreição e “uma líder feminina que entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens”. Como a Igreja Oriental, devemos honrá-la como “a Apóstola dos Apóstolos”, defende Chris Schenk

“Não é possível contar a história da Ressurreição sem falar também de ‘Maria, a de Magdala’”. Foi essa mulher que, depois de ir ao túmulo onde Jesus havia sido depositado depois da crucificação, “viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo e saiu correndo”, como relata o Evangelho, para se encontrar os discípulos e lhes contar a grande notícia. Segundo Chris Schenk, CSJ, diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, essa é a grande importância e o legado de Maria Madalena, uma das primeiras místicas do cristianismo que viveu “a experiência da Ressurreição”. Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, Chris busca desmontar por inteiro qualquer referência negativa a Maria Madalena: “Não há nada nas Escrituras que sustente a ideia de que ela era uma prostituta” e, “se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe de seu filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses fatos importantes”. Ao contrário, para a religiosa da congregação das Irmãs de São José, Madalena foi a principal testemunha da Ressurreição e “uma líder feminina que entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens”. “Curiosamente – afirma –, a Igreja Oriental nunca a identificou como uma prostituta, mas honrou-a ao longo da história como ‘a Apóstola dos Apóstolos’”.

Chris Schenk, CSJ, é religiosa da congregação das Irmãs de São José e diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, que atua pela plena participação de todos católicos e católicas em todos os aspectos da vida e do ministério da Igreja. É mestre em Obstetrícia e Teologia e, com a assistência da equipe da FutureChurch, desenvolve e administra programas nacionais de base, incluindo questões como a mulher na liderança da Igreja e no mundo, o futuro do ministério sacerdotal e a situação das paróquias dos EUA. Durante os últimos 15 anos, a FutureChurch tem trabalhado para restaurar a consciência sobre Santa Maria de Magdala como a primeira testemunha da Ressurreição e uma respeitada líder da Igreja primitiva. Em 2011, mais de 340 celebrações de Santa Maria de Magdala foram realizadas, incluindo 36 celebrações internacionais, inclusive no Brasil. Em 2007 e 2008, Schenk coordenou uma ação internacional para “pôr novamente as mulheres no quadro bíblico” no Sínodo sobre a Palavra. Isso resultou no maior número mulheres da história a participar de um sínodo do Vaticano, em um total de seis, que atuaram como consultoras teológicas para os padres sinodais.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que sabemos sobre a vida de Maria Madalena? Quem foi essa mulher que seguiu Jesus, alcunhada com expressões tão díspares quanto “prostituta e esposa de Jesus” e “discípula amada e apóstola dos apóstolos”?

Chris Schenk – Mesmo que Maria de Magdala seja a segunda mulher mais frequentemente nomeada no Novo Testamento depois de Maria, a mãe de Jesus, o que sabemos sobre ela é bastante limitado, estando confinado aos textos dos Evangelhos canônicos e ao que pode ser deduzido de como ela é retratada em uma série de textos canônicos extras. No entanto, é impressionante o quanto os estudiosos bíblicos podem nos dizer sobre ela, mesmo a partir desses dados esparsos. Por exemplo, todos os quatro Evangelhos retratam-na como líder do grupo de mulheres que testemunhou por primeiro os eventos que cercam a Ressurreição. Todos os quatro descrevem-na exatamente com a mesma frase: “Maria, a de Magdala”. Os estudiosos chamam isso de atestado múltiplo, o que significa que há evidências históricas confiáveis de que ela existiu e que não é possível contar a história da Ressurreição sem falar também de “Maria, a de Magdala”.

Em Lucas 8, 1-3 ficamos sabendo que, com Joana, esposa de um alto funcionário de Herodes, Cuza, e Susana, Maria de Magdala “e muitas outras mulheres” acompanhavam Jesus e os discípulos homens pela Galileia e “os ajudavam com seus bens” . Esse pequeno texto nos diz muito mais do que pode parecer, a princípio, para os nossos ouvidos do século XXI, que não entendem os costumes sociais que cercavam as mulheres no judaísmo palestino do primeiro século.

Para começar, as mulheres muito raramente eram nomeadas em textos antigos. Se elas são nomeadas é porque tinham alguma proeminência social e, mesmo assim, na maioria das situações, elas são nomeadas em relação aos homens presentes em suas vidas, tais como seus maridos, pais ou irmãos. As mulheres eram consideradas como parte da família patriarcal, e era raro para elas ter uma identidade separada da de um parente do sexo masculino. Assim, vemos Joana, a esposa do alto funcionário de Herodes, Cuza. Herodes é o rei. Joana faz parte de uma família rica pertencente a Cuza.
Mas quando Maria de Magdala é identificada, ela é nomeada pelo povoado de onde ela veio, não em relação a um parente do sexo masculino. Os estudiosos bíblicos acreditam que isso significa que Maria de Magdala era uma mulher rica de recursos independentes. E, com Joana e Susana (sobre quem, infelizmente, sabemos muito pouco), essas mulheres eram apoiadoras financeiras proeminentes da missão de Jesus na Galileia.
Assim começou uma longa história de patrocínio das mulheres que ajudou o cristianismo a se espalhar de forma relativamente rápida por todo o mundo mediterrâneo. Por exemplo, sabemos que Paulo tinha muitas benfeitoras ricas, como Lídia e Febe, que apoiavam financeiramente o seu ministério e o apresentaram a uma ampla gama de relações sociais no mundo dos gentios que, de outras formas, ele não teria tido acesso.

Inclusão de mulheres

A inclusão de mulheres por parte de Jesus em seu discipulado itinerante pela Galileia não é nada menos do que notável. No judaísmo palestino, os judeus observantes homens não falavam publicamente com as mulheres de fora do seu círculo de parentesco, e muito menos lhes era permitido viajar com eles em público em uma comitiva de gênero misto. Embora a observância dos costumes judaicos fosse provavelmente menos estrita na Galileia do que em Jerusalém, eu acredito que a paixão de Jesus por proclamar o reino de Deus de justiça e de relações justas era tal que transcendia costumes, e ele sabia que a sua missão dada por Deus estava voltada para as mulheres assim como para os homens.

As discípulas de Jesus muitas vezes ultrapassaram seus irmãos discípulos em termos de fidelidade à sua pessoa, particularmente em eventos em torno da paixão e morte dele. Enquanto os Evangelhos nos dizem que os discípulos homens fugiram para a Galileia, as mulheres ficaram do lado de Jesus ao longo da crucificação, morte, sepultamento e Ressurreição. É por isso que todos os quatro Evangelhos mostram as mulheres como as primeiras testemunhas. Elas sabiam onde Jesus havia sido sepultado. E as mulheres foram, então, incumbidas a “ir e a contar aos seus irmãos” a boa notícia da vitória de Jesus sobre a morte.
O fato de a mensagem da Ressurreição ter sido confiada por primeiro às mulheres é considerado pelos estudiosos das Escrituras como uma forte prova da historicidade dos relatos da Ressurreição. Se os relatos da Ressurreição de Jesus tivessem sido fabricados, as mulheres nunca teriam sido escolhidas como testemunhas, já que a lei judaica não reconhecia o testemunho de mulheres.
Escritos cristãos extracanônicos antigos mostram comunidades de fé inteiras crescendo em torno do ministério de Maria de Magdala, nos quais ela é retratada como alguém que compreende a mensagem de Jesus melhor do que Pedro e os discípulos homens. Os estudiosos nos dizem que esses escritos não são sobre as pessoas históricas de Maria e de Pedro, mas refletem, sim, tensões sobre os papeis de liderança das mulheres na Igreja primitiva. Líderes proeminentes como Maria e Pedro foram evocados para justificar pontos de vista opostos.
O que não é contestado é a representação de Maria de Magdala como uma importante mulher líder e testemunha das primeiras igrejas cristãs.

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