Edição 377 | 24 Outubro 2011

Agroecologia por um mundo mais sustentável

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Thamiris Magalhães e Rafaela Kley

Na avaliação do sociólogo Marcelo Calazans, a alternativa agroecológica é um projeto de cultura que de alguma forma recusa a sociedade de consumo

“A alternativa agroecológica implica uma disputa dos territórios, e nos territórios contra o agronegócio, contra a expansão de um modelo químico”, explica o coordenador do Programa Regional da FASE no Espírito Santo. Para ele, é evidente que a agroecologia emite menos e, além de ser mais adequada, é uma agricultura que privilegia o mercado local, os circuitos locais de comercialização. “Está claro que, comparada ao agronegócio, a agroecologia traz um conjunto de elementos não só agrícolas e agrários, mas também culturais e políticos, que garantem maior resiliência também com as próprias intempéries.”
Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Calazans critica o atual modelo de desenvolvimento, oferecendo alternativas como a agroecologia.

Marcelo Calazans é sociólogo, coordenador do Programa Regional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE no Espírito Santo, membro da Rede Deserto Verde e da Rede Latino-Americana contra Monocultivo de Árvores.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais foram os principais assuntos debatidos pelo Seminário de Mudanças Climáticas: impactos, mecanismos de mercado e a agroecologia como alternativa, durante o I Encontro Nacional de Diálogos e Convergências?

Marcelo Calazans – Trata-se de um encontro de várias redes. Havia a de economia solidária, rede de justiça ambiental, articulação nacional de agroecologia. A ideia era escolher quatro casos no território brasileiro e quatro fatos de relação entre esses territórios e o debate das mudanças climáticas. Selecionamos dois casos: um na caatinga da Paraíba, que narrava uma experiência de convivência com o semiárido; outro era o caso na Mata Atlântica do sul, que narrava experiências de modelo de sistema agroflorestais, em Mata Atlântica e também em caatinga. Além disso, selecionamos outros dois casos que seriam de mercado de carbono; o do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL , que é o “Plantar”, de uma siderurgia em Minas Gerais, que vende créditos de carbono para uma petroleira na Escócia; e outro, que seria um fato de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação – REDD , é o caso de uma ONG do Paraná, que tem um projeto de REDD no estado e tem conflito com populações locais que tinham acesso à Mata Atlântica. Uma vez construído o projeto de REDD, este mercado de depósito de carbono, bem como as populações, perderam o acesso à Mata Atlântica.

Então, seriam quatro casos; alguns deles são específicos de dois instrumentos do mercado de carbono, então um MDL e um REDD; e dois de adaptação a mudanças climáticas, o caso do semiárido, e também de resiliência e formas de como a agroecologia se coloca como alternativa às mudanças climáticas, além de apontar quais os limites da agroecologia como alternativa.
Foi um grupo complexo, partindo de casos territoriais e do debate das mudanças climáticas, não a partir de convenções e protocolos, mas das experiências locais em vários biomas do território nacional. Então, a ideia do grupo era dialogar sobre as mudanças climáticas e como cada território estava avaliando as políticas que estão sendo negociadas em nível internacional, bem como estas políticas atingem os territórios.
A ideia era construir um diálogo, porque há uma enorme fragmentação e desinformação, não tanto pela falta, mas pelo excesso de informação sobre mudanças climáticas, além de existir toda uma interpretação da crise climática como uma oportunidade mercadológica, de fazer mais negócios e todo o discurso da economia verde que vem sendo construído, principalmente pelas grandes corporações e os estados nacionais, ou mesmo nas conferências dos três protocolos assinados em 1992.

No Brasil, são muitos os casos de projetos de MDL. Brasil, China e Índia são os recordistas mundiais em compensações das emissões do Norte. O Norte, em vez de reduzir, financia plantios de cana, grandes hidrelétricas, monoculturas de eucalipto , como uma forma de mitigar. Estas alternativas deixam marcas terríveis no Sul.

O Brasil é um caso, já que vem surgindo muitos projetos de MDL, e também estes projetos de REDD, que ainda não estão sequer definidos na conferência das partes, a conferência internacional, mas mesmo assim vêm sendo experimentados por uma série de corporações, principalmente petroleiras, financiando a conservação de florestas. Então, essa é uma questão grave que vem atingindo os territórios no que diz respeito à sua soberania, porque uma vez determinado um projeto de REDD, por exemplo, o acesso ao território fica interditado. E REDDs ou MDLs são alternativas que acabam gerando mais embates, interditando acessos e, ao mesmo tempo, não resolvem o problema do clima. São alternativas que estão servindo mais para as corporações.

O grupo ainda tentou avaliar como o mercado de carbono interpela a agroecologia e o que ele oferece para a alternativa agroecológica. De fato, a ideia das grandes corporações é fazer das florestas, da agricultura como um todo, mecanismos de compensação para um modelo global claramente insustentável, mas ainda em expansão. 2010 foi o ano recordista de emissões de carbono, isso 20 anos após ter ocorrido a Rio-92 e anos depois de Kyoto. Mas 2010, segundo a Agência Internacional de Energia, foi o ano que o planeta mais emitiu. Está claro que o modelo não quer frear. Ao contrário, ele tem que se expandir, e o clima não será um obstáculo. O clima será pensado desde a própria expansão do modelo. Para mitigar, eles irão financiar grandes hidrelétricas. Para manter o modelo, irão financiar as próprias corporações.
Seria uma enorme contradição financiar a agroecologia, ou financiar a agricultura camponesa e a agricultura tradicional, financiar transição agroecológica, a partir do mercado de carbono. Este não é uma fonte segura. Ao contrário, é uma fonte contrária. Ele reproduz o modelo, ao mesmo tempo em que interpela os territórios para esta reprodução. Buscar fundos estatais, públicos, disputar as políticas de estado, os mercados locais, são caminhos que garantem uma autonomia, uma independência diante do modelo e é por aí que a transição agroecológica deveria construir o seu processo de disputa contra o agronegócio e contra o modelo do agronegócio no campo. Este é um impacto importante: perceber que o mercado de carbono colocaria a agroecologia e a agricultura camponesa e tradicional em um modelo global, em que as florestas serviriam como sumidouros para justificar e permitir a expansão deste modelo norte-sul. Este foi um ponto interessante, de certa forma comum, da posição do Grupo de Belém que lançou uma carta, divulgada no encontro, criticando o mercado de carbono e estas soluções falsas que ele oferece para resolver a questão do clima.

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