Edição 347 | 18 Outubro 2010

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Patrícia Fachin

Aos 59 anos, o economista e professor da PUC-SP, Ladislau Dowbor, já conheceu as diversas facetas do Planeta: a riqueza da Suíça, a pobreza da África, e as dificuldades dos países emergentes. Ele nasceu na Europa, no auge da Segunda Guerra Mundial, e mudou para o Brasil com a família, ainda criança. Na Ditadura Militar, foi preso, torturado e exilado na Argélia. Formado em Economia Política pela Université de Lausanne (Suíça), Dowbor já prestou consultoria na área de assuntos políticos, econômicos e sociais para diversas agências das Nações Unidas, e hoje se dedica ao estudo da realidade econômica, social e política do Brasil. Quando esteve na Unisinos, no último dia 05-10-2010, participando do Ciclo de Palestras Perspectivas socioambientais e econômicas do Brasil 2010-2015, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, o economista conversou com a IHU On-Line e contou alguns aspectos da sua vida. Confira.

Origens - Com a invasão alemã, meus pais fugiram para a França e eu nasci, em 1941, na fronteira espanhola, nos Pirineus. Moramos na França até 1951, ano em que viemos para o Brasil. Havia uma convicção muito ampla, na Europa, de que haveria uma terceira guerra mundial entre EUA e Rússia. Como a população já havia sofrido a guerra de 1870, a de 1914-1918 e a de 1939-1945, meus pais estavam convencidos de que a dimensão histérica da sociedade geraria um massacre a cada geração. Meu pai era engenheiro metalúrgico e recebeu duas propostas de trabalho: uma para o Canadá e outra para o Brasil. Reuniu a família e a opção foi pelo Brasil.

Vida no Brasil – Quando chegamos ao Brasil, meu pai foi trabalhar em uma siderúrgica, enquanto isso, minha mãe, que era médica, cuidava dos filhos. Passei o primeiro ano sem ir à escola, apenas estudando para aprender o português. No segundo ano vivendo no Brasil, mudamos para a cidade de Belo Horizonte e iniciei os estudos no Colégio Loyola . Lembro que participei de um concurso de Língua Portuguesa na escola e ganhei o primeiro lugar porque eu tinha de estudar muito para aprender as regras, enquanto meus colegas aprendiam na rua.
Em 1954, minha família mudou para São Paulo e eu vivo lá até hoje.

Juventude – Tive uma grande paixão: uma moça judia chamada Paula. O nosso relacionamento, para os pais dela, era um desastre. Então, meio que na marra, eles a enviaram para Israel. Eu trabalhei um ano para juntar 250 dólares e conseguir atravessar o Atlântico. Acabei indo para Israel, mas não pude ficar no país porque não era judeu e, lá, os casamentos são religiosos justamente para impedir que católicos se casem com judeus - eles são tão fanáticos quanto os palestinos. Paulinha não podia sair do país porque os pais mandaram retirar seus documentos. Então, fugimos e fomos trabalhar, clandestinamente, numa região ao sul do Mar Morto, onde fazia cerca de 50ºC. Depois, conseguimos “trambicar” os documentos e fugir para a Europa, onde iniciamos a faculdade: eu estudei Economia e ela estudou Ciências da Educação e Psicologia com Piaget . Eu assisti o último curso de Piaget, uma retrospectiva metodológica científica sobre as descobertas dele. Foi um semestre genial.

Ditadura Militar - Voltei para o Brasil no período da Ditadura Militar, enquanto Paulinha permaneceu na Europa, concluindo a faculdade. Eu tinha estudado russo, em Recife, porque gosto de idiomas – falo sete línguas -, e a lista dos estudantes foi utilizada, logo depois do golpe, para mostrar a invasão Russa no Brasil. Então, na ocasião, meu nome apareceu nos jornais como procurado. Fui preso, apanhei e participei do movimento de luta contra a Ditadura. Fui preso outra vez e libertado, mais tarde, em função do sequestro do Embaixador Alemão; fiquei exilado na Argélia. Lá, encontrei a Paulinha. Tivemos a informação de que um grupo que estava no Recife seria preso. Então, ela veio para o Brasil avisar as pessoas. Quando chegou, a armadilha já estava armada e ela morreu sob tortura.
Fiquei confuso com esses acontecimentos e resolvi ir para a Polônia porque minha mãe havia voltado para a Europa. Estudei lá e encontrei a minha segunda mulher, a Fátima, filha do Paulo Freire ; ele também estava exilado.

Trabalho no exterior - Moramos na Polônia porque não podíamos sair do país; quando a embaixada soube que Fátima estava comigo, mandaram retirar seu passaporte. Ou seja, quando ela precisou renovar, não concederam a renovação. Nosso primeiro filho nasceu na Polônia e três anos depois, concederam o passaporte para ela.

Quando aconteceu a Revolução dos Cravos, em Portugal, recebi um convite para lecionar na Universidade de Coimbra porque eu havia feito mestrado e doutorado na Polônia. Moramos um tempo em Portugal, depois recebemos um convite para ir à Guiné-Bissau, na África. Passamos quatro anos simpáticos lá, onde montei o Ministério do Planejamento. Depois, o pessoal de Nova Iorque me convidou para atuar no secretariado geral da ONU. Eu tinha o perfil por conhecer os problemas profundos de desenvolvimento e de ter um bom doutorado em planejamento, além falar vários idiomas. Quando Reagan  assumiu, colocou uma fanática representando os EUA na ONU, a qual achava que quem trabalhava na ONU era terrorista. Fui um dos primeiros a ser eliminado. Demitiram-me, justificando que eu havia forjado meus diplomas, além de me acusarem com informações que Flecha e Lima  passou para os EUA. Movi um processo contra eles e ganhei, por isso, continuo trabalhando para a ONU, só que em outros países. Montei um sistema de planejamento na Nicarágua, na Guiné Equatorial. Em 1981, retornei para o Brasil.

Filhos - Meu segundo filho nasceu nos EUA, e os dois últimos nasceram no Brasil. Cada um deles é completamente diferente. O Alexandre mora no Canadá, trabalha com arquitetura da informação, é casado e tem um filho de oito anos, o Thomas; o André mora em Santos; Bruno e Sofia ainda moram em casa comigo.

Pais - Minha mãe faleceu aos 76 anos; ela fumava muito. Meu pai viveu até os 92 anos. Ele mudou para o Maranhão e lá passou seus últimos 28 anos de vida, numa vilinha na beira do Rio Tocantins, sem luz, sem autoridades civis, militares e eclesiásticas. Está enterrado em Imperatriz, no Maranhão. Ele se deu conta de que lá as pessoas morriam por qualquer motivo e se inventou de médico. Escreveu para amigos da Europa, que enviavam remédios e aí parou de morrer tanta gente lá. Ele virou um tipo de assistente geral.

Lazer – Gosto de cuidar do jardim. No meu jardim vêm muitos pássaros: bem-te-vi, sabiá, periquito... Planto roseiras e todas as ervas que conheço. Meu segundo hobby é a boa cozinha: compro um belo pão italiano, faço uma boa ricota com sal grosso e ervas. Enfim, tenho uma vida pacífica. Estou escrevendo muito, gosto de dar palestra e continuo lecionando na PUC-SP. Aliás, a PUC me recebeu, ainda em fases difíceis. Essa era a política de Dom Paulo Evaristo Arns , uma das pessoas mais corajosas do Brasil.

Opção religiosa – Eu vi tantas religiões no período em que vivi pelo mundo: os judeus ficam de pé, se balançam e dizem que todos os outros estão errados; os islâmicos ficam de cócoras, se dobram e dizem que os outros estão errados; os católicos rezam para estatuetas e dizem que os outros estão errados; os protestantes criticam as estatuetas e dizem o mesmo.
Conheci diversas religiões na África, na Ásia e, gradualmente, comecei a entender que o sentimento religioso é legal, mas a estrutura religiosa de poder, em que se diz que uns estão certos e outros estão errados e que isso justifica qualquer coisa, é patológica. Temos de ter bom senso, respeitar as diferentes religiões, mas o fanatismo faz mal para a saúde e não ajuda ninguém.

Um economista – Keynes , sem dúvida. Hazel Henderson , hoje.

Uma obra – O futuro das ideias, de Lawrence Lessig.


Leia mais...

>> Ladislau Dowbor já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira:

* ''Distribuir renda é uma política inteligente''. Entrevista publicada na edição 246, de 04.10.2010
* Um dia sem carro e seus impactos ambientais e socioeconômicos. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU de 22-09-2010
* De um capitalismo selvagem para um capitalismo decente: a evolução brasileira. Entrevista publicada na IHU On-Line número 322, de 22-03-2010
* “A construção do conhecimento é um processo colaborativo”. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 27-11-2009
* A crise financeira e o impacto ambiental. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 6-11-2008
* Catástrofe em câmara lenta. Voltar ao bom senso. Eis o desafio! Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 18-5-2008
* A inclusão produtiva como alternativa para o Brasil. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 8-7-2006

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