Edição 345 | 27 Setembro 2010

Preservar o Pantanal é mais barato do que utilizá-lo

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Patrícia Fachin

Para o pesquisador do Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal, André Steffens Moraes, a contribuição global para preservação do Pantanal se justifica pelos benefícios que o resto do mundo assegura em troca da continuidade da existência da fauna, da flora e dos habitats no Pantanal

Autor de um estudo que estima o valor econômico total do Pantanal, o pesquisador André Steffens Moraes diz que é mais rentável para a sociedade preservar o ecossistema do que utilizá-lo para fins econômicos. Segundo ele, os benefícios ambientais possuem abrangências diferentes, por isso “os valores econômicos de um hectare de Pantanal foram classificados em benefícios privados, públicos e locais e benefícios globais. Esta classificação é útil porque cada tipo de benefício pode ser visto como correspondendo a diferentes beneficiários: o pecuarista, o governo (ou a nação brasileira) e o planejador social mundial, todos, por hipótese, buscando maximizar a utilidade do uso da terra do Pantanal”.

Na entrevista que segue, concedida por e-mail à IHU On-Line, Moraes explica os benefícios da conservação do ecossistema e ressalta que o Pantanal fornece serviços ecológicos locais e regionais, como a oferta de água e o controle de erosão. Em função desses benefícios públicos, ele argumenta que o governo brasileiro deveria “desestimular a conversão de áreas florestadas em pastagens e estimular sua conservação, já que os custos do desmatamento (benefícios locais privados e públicos perdidos) são de US$ 7.387/ha, enquanto que os benefícios são de apenas US$ 28,2/ha”.

Os benefícios globais “incluem valores de uso direto (recreação), indireto (como regulação de gases e do clima), assim como os valores de opção e de existência, alcançando quase US$ 10.100/ha/ano. Como referência, os benefícios do desmatamento para o pecuarista foram estimados em US$ 28,2/há”. Nesse sentido, ressalta, “os benefícios externos do Pantanal alcançam US$ 10.062/ha/ano, a diferença entre os benefícios de conservar e de converter um hectare de área florestada do Pantanal. Assim, um planejador global (isto é, a comunidade internacional) deve oferecer incentivos para que o Brasil preserve o remanescente do Pantanal, e transferências acima desse valor serão necessárias para assegurar que o desmatamento seja efetivamente eliminado ou reduzido”.

André Steffens Moraes possui graduação em Oceanografia Biológica pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG, especialização em Administração Rural pela Universidade Federal de Lavras, mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, doutorado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, aperfeiçoamento em Valoração Econômica de Recursos Ambientais pelo Center For Social And Economic Research On The Global Environment, aperfeiçoamento em Aplicação de Técnicas em Economia Ecológica pela South Florida Water Management District. Atualmente é pesquisador do Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Emprapa.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Há quantos anos a pecuária é desenvolvida no Pantanal? Como, ao longo do tempo, ela transformou o cenário pantaneiro?

Andre Steffens Moraes –
Vários historiadores consideram que os primeiros bovinos chegaram à antiga Capitania de Mato Grosso após 1730, com a abertura do caminho entre Goiás e Cuiabá. Os bovinos sempre acompanharam os modelos de movimentação dos diferentes povos, o mesmo ocorrendo no processo de ocupação do Pantanal. No início da colonização, homem e bovino alargaram as fronteiras e lutaram para adaptarem-se às condições da região. Durante cerca de 300 anos a base da economia do Pantanal foi o bovino Pantaneiro (também denominado Tucura). No início do século passado, entretanto, esta raça nativa foi gradativamente sendo substituída por raças zebuínas, que atualmente predominam amplamente. Ao longo do tempo, a pecuária pouco transformou o cenário pantaneiro, pois vem sendo desenvolvida de forma extensiva, com baixa densidade de bovinos e tendo os pastos nativos como principal fonte para alimentação dos animais. Somente com a introdução de pastos cultivados, a partir dos anos 1970, é que houve maior interferência humana na paisagem, mas sem modificar o fato – amplamente reconhecido – de que a pecuária extensiva é uma alternativa produtiva que contribui para a conservação do Pantanal. A pecuária é hoje, como foi no passado, a principal atividade econômica da região.


IHU On-Line - Alguns pesquisadores são contra a criação de gado na região pantaneira e outros alegam que o manejo de gado é sustentável. Como o senhor descreve a atual situação da pecuária no Pantanal? Quais são os prós e contras desse desenvolvimento?

Andre Steffens Moraes –
Desconheço os argumentos específicos daqueles que são contra a criação de gado bovino no Pantanal. Possivelmente tais argumentos são gerais e mais relacionados à forma como a pecuária vem sendo desenvolvida em outras regiões, em sistemas de produção diferentes e certamente mais intensivos em relação aos sistemas em uso no Pantanal. Isso porque o sistema de produção de gado extensivo praticado no Pantanal é desenvolvido em equilíbrio com a natureza, muito próximo de um sistema sustentável. Tanto é que a maioria dos impactos ambientais negativos comumente atribuídos à pecuária bovina não se aplica ou tem baixa intensidade no Pantanal. É o caso, por exemplo, da eliminação e/ou redução da fauna e flora nativas em decorrência do desmatamento de áreas para implantação de pastos cultivados, de menor importância no Pantanal em relação a outras regiões, já que 87% da vegetação nativa desse ecossistema se mantém intacta ainda hoje. Ou então, da perda de nutrientes e aumento da degradação e compactação dos solos decorrentes do pisoteio intensivo do gado ou do superpastejo, já que as densidades animais são baixas no Pantanal. E ainda, da contaminação pelo uso de agrotóxicos e fertilizantes, uma vez que tais substâncias, como regra, não são e não foram empregadas no sistema de produção.

Por outro lado, o termo sustentável deve se aplicar a todos os aspectos da atividade humana - sociais, econômicos, culturais, éticos, e não somente aos ambientais. Nesse sentido, é possível que o manejo tradicional do gado no Pantanal esteja em vias de não mais ser economicamente sustentável, pois a relativa baixa produtividade do sistema extensivo implica em baixa rentabilidade. E a perda de sustentabilidade econômica pode trazer consigo a perda da sustentabilidade de todo o sistema (ecológica, social, cultural, etc.). Muitos pecuaristas tradicionais da região veem uma solução na intensificação da pecuária; outros nem essa opção têm, precisando vender suas propriedades. Certamente nenhuma dessas soluções é adequada. As desvantagens da intensificação são evidentes, principalmente as ambientais, pois intensificar a produção usualmente implica o uso de pastos cultivados, mais (e novos) insumos e mais energia para esse sistema funcionar. E os novos proprietários, usualmente de fora do Pantanal, além de buscar maior intensificação do sistema de produção, normalmente são pouco comprometidos com a cultura e os costumes regionais. Sem falar que a perda da posse da terra representa uma condição extrema para famílias de pecuaristas que muitas vezes estavam estabelecidas há décadas no Pantanal, e em muitos casos, mais tempo ainda. Assim, um modelo de produção verdadeiramente sustentável deve buscar alternativas que atendam simultaneamente ao aumento da rentabilidade e à manutenção da diversidade biológica. Dado que o modo tradicional de produção da pecuária pantaneira já está próximo ao de uma pecuária sustentável, e que as novas demandas da sociedade sinalizam que a sustentabilidade é importante, há necessidade de ajustar o sistema tradicional para atender a essas demandas. E, de fato, muitos pecuaristas já estão avançando nessa direção.
Assim, a pecuária pantaneira está em um processo de transição, ou talvez mais propriamente, de adaptação de seu sistema tradicional para um sistema ainda mais voltado ao equilíbrio entre suas partes componentes. Um sistema que busca produzir de forma social e ambientalmente responsável; um sistema menos intensivo no uso de insumos e energia e livre de produtos nocivos à saúde humana, capaz de oferecer e garantir um produto de qualidade; e, certamente, um sistema que não descuide do importante aspecto da rentabilidade econômica. Enfim, um sistema verdadeiramente sustentável.
A pecuária orgânica é outro exemplo das mudanças pelas quais vem passando a pecuária regional. Criada em 2001, por pecuaristas do Pantanal, que identificaram a pecuária orgânica certificada como uma atividade promissora do ponto de vista econômico, ambiental e social, a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica - ABPO, reúne atualmente 20 propriedades do Pantanal, ocupando uma área com mais de 110 mil hectares e um rebanho estimado em 55 mil cabeças de gado.

É essa a atual situação da pecuária pantaneira, em franca evolução para novas formas de produzir.


IHU On-Line - Em que áreas da região pantaneira se concentra o desenvolvimento da pecuária?

Andre Steffens Moraes –
O Pantanal pode ser subdividido em diferentes sub-regiões em função de características como regime de inundação, tipo de solo e de vegetação, entre outros. Em termos do rebanho, a pecuária pantaneira se concentra em duas dessas sub-regiões, a Nhecolândia e o Paiaguás, ambas ao leste do Pantanal.


IHU On-Line - Um estudo publicado recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente e por algumas ONGs constata que a vegetação do Pantanal está sendo desmatada. A expansão da pecuária contribuiu para esse fenômeno?

Andre Steffens Moraes –
De fato, o estudo registra que o desmatamento está crescendo no Pantanal, mas a uma taxa muito pequena, de 2,5% no período de 2002 a 2008, a maior parte devido à transformação de áreas nativas em pastagem cultivada. O mesmo estudo mostra que o Pantanal mantém 87% de sua vegetação intacta. Estudo anterior (2002) apresenta resultado semelhante.
Estamos nos referindo ao estudo intitulado “Monitoramento das alterações da cobertura vegetal e uso do solo na Bacia do Alto Paraguai - Porção Brasileira”, realizado por demanda da WWF-Brasil, Ecoa, Avina, SOS Pantanal e Conservação Internacional (a Embrapa Pantanal atuou como consultora técnica).


IHU On-Line - Como a pecuária, principal atividade econômica da região, se insere na vegetação nativa?

Andre Steffens Moraes –
Como o sistema de produção é extensivo, os animais recebem poucos cuidados e são mantidos quase que exclusivamente de pastagens nativas. Essas pastagens em geral têm baixa qualidade nutricional e marcada sazonalidade, mas são a base da nutrição dos rebanhos. Os extensos campos formados por pastagens naturais que a região apresenta são capazes de suportar a produção dos animais.


IHU On-Line - Como a pecuária interfere na fauna e flora nativas? Ela altera os serviços ambientais como o controle de inundações?

Andre Steffens Moraes –
Potencialmente, o principal impacto da pecuária é no sentido de eliminar e/ou reduzir a fauna e a flora nativas em consequência do desmatamento para expansão da atividade, particularmente para implantação de pastagens exóticas. Contudo, no Pantanal, como o crescimento do desmatamento para esta finalidade tem sido pequeno nos anos recentes, a magnitude deste impacto tende a ser pouco significativa na região. O mesmo ocorre com outros impactos adversos, como o pisoteio intensivo e a compactação do solo, o superpastejo da vegetação e o uso do fogo, a utilização de agrotóxicos e fertilizantes, etc. Independente da magnitude dos impactos, o fato é que a implantação de pastagens cultivadas altera o perfil ecológico da área onde essas pastagens são introduzidas, afetando os bens e serviços oferecidos pelas funções do ecossistema e pelos recursos naturais presentes naquela área. Dado que o Pantanal apresenta um conjunto complexo de funções ecológicas, uma variedade ampla de bens e serviços pode ser afetada.


A sustentabilidade dos sistemas de produção tem sido constantemente debatida nas últimas décadas, enfocando a influência dos bovinos sobre o ambiente e a conservação de recursos genéticos animais. O termo sustentabilidade vem sendo usado amplamente, de acordo com os interesses e os sistemas de valores da sociedade. Porém, quando não definido precisamente, perde o seu real significado. Segundo definição da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação - FAO, o manejo sustentável envolve a “conservação de recursos naturais e o repasse de tecnologias, de modo que assegurem o alcance e a satisfação contínua das necessidades humanas para as gerações presentes e futuras. Tal desenvolvimento sustentável não degrada o ambiente, é tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente aceitável”.

Considerando que no Pantanal aproximadamente 87% da vegetação nativa está intacta e que a pecuária bovina de corte é a principal atividade econômica da região, pode-se concluir que o manejo do gado está sendo feito corretamente. Portanto, é possível, sim, o manejo sustentável do gado no Pantanal. Mas talvez o mercado desconheça este fato, sendo, então, importante mostrar que a pecuária pantaneira fornece alimentos seguros, produzidos de forma sustentável. Para tanto, basta estabelecer um conjunto de normas e procedimentos que devem ser obrigatoriamente observados para manter o sistema eficiente e rentável. Esse conjunto de indicadores, ao avaliar alguns parâmetros de saúde, estado nutricional e bem-estar dos animais, do estado de conservação das pastagens nativas e do solo, etc., irá refletir e monitorar a sustentabilidade do sistema de produção.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição