Edição 345 | 27 Setembro 2010

Preservar o Pantanal é mais barato do que utilizá-lo

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Patrícia Fachin

IHU On-Line - É possível o manejo sustentável do gado no Pantanal?

Andre Steffens Moraes –


IHU On-Line - Qual é a filosofia do ecoturismo no Pantanal? Tal prática é viável?

Andre Steffens Moraes –
O ecoturismo no Pantanal não pode ser encarado apenas como uma forma de aproveitar uma oportunidade do mercado, pois corre o risco de vir a ser uma atividade desordenada e sem credibilidade. Para que possa se desenvolver regionalmente deve ser planejado e gerenciado como uma atividade econômica produtiva que de fato é. No Pantanal as possibilidades são excelentes, pois várias características regionais são promotoras do ecoturismo: grande visibilidade de uma rica e variada fauna, inúmeras opções em termos de turismo de pesca, variedade de ambientes com belas paisagens, possibilidade de isolamento e distanciamento das facilidades e atribulações da civilização, cultura rica em crenças e tradições, culinária típica também rica e variada, e outros. Dessa forma, o ecoturismo no Pantanal, desde que desenvolvido com responsabilidade e dentro de seus princípios conceituais, poderá vir a ser um instrumento capaz de gerar renda, empregos, contribuir para manter a qualidade do ambiente e valorizar a cultura e as tradições locais.


IHU On-Line - Na sua tese, o senhor desenvolveu a valoração econômica de recursos naturais, atribuindo um valor econômico aos recursos naturais e serviços ambientais. Como fica essa equação de benefício privado e custo ambiental a partir do desenvolvimento da pecuária?

Andre Steffens Moraes –
Quando uma área do Pantanal é desmatada, degradada ou convertida para outros usos (por exemplo, para introdução de pastagens cultivadas), se perdem valores importantes, às vezes irreversivelmente. Assim, os custos desta opção de uso devem incluir, além dos custos diretos da conversão (por exemplo, limpeza e queima), os custos dos demais valores perdidos devido à conversão. Esses custos incluem o valor das funções ambientais perdidas (como proteção de bacias hidrográficas, manutenção de microclima e biodiversidade) e o valor dos recursos naturais perdidos (como madeira, produtos não madeireiros e vida selvagem). Quando a conversão é feita, esses benefícios coletivos são perdidos. Na avaliação privada, essas perdas não representam custos diretos, mas sob a ótica da sociedade essas perdas representam custos ambientais: os benefícios do desmatamento são privados, mas os custos são sociais. Quando os custos ambientais da pecuária recaem principalmente sobre outras pessoas, existe uma forte razão para a aplicação de impostos e taxas para fazer recair estes custos sobre o sistema de produção. Assim, por exemplo, se a poluição da água pelo gado aumentar os custos do tratamento da água, então os custos deste tratamento devem ser recuperados junto aos produtores do gado.

Por outro lado, o pecuarista que optar por não converter as áreas florestadas para pasto cultivado deve ser compensado, já que as áreas preservadas proporcionam benefícios para terceiros (para a sociedade), na forma de serviços ambientais. Até mesmo o produtor que pretenda implantar pasto cultivado pode ser induzido a mudar de ideia, desde que a compensação monetária seja pelo menos equivalente àquela que seria recebida pela pecuária em pasto cultivado. Incentivos econômicos bem desenhados (tais como programas de compensação) podem assegurar que parcelas significativas do setor privado se comportem de acordo com objetivos sociais (a conservação).

Uma vez que tais benefícios podem ter diferentes abrangências – privados ou públicos e locais, regionais ou globais -, contribuições ou transferências monetárias de outras regiões brasileiras ou de outras partes do mundo podem ser justificadas como forma de assegurar que o desmatamento seja efetivamente eliminado ou reduzido, garantindo a continuidade do fluxo de benefícios proporcionado pelos bens e serviços do ecossistema Pantanal.


IHU On-Line - Quanto vale um hectare no Pantanal em termos de serviços naturais? É possível também estimar o valor econômico total do ecossistema?

Andre Steffens Moraes –
Numerosos estudos têm buscado estimar o valor econômico dos ecossistemas, e o conceito de valor econômico total (VET) se tornou uma abordagem amplamente usada para avaliar o valor utilitário da natureza. A maioria dos métodos de valoração, entretanto, não pretende medir o valor econômico total, mas apenas parte dele. Por exemplo, muitos estudos avaliam apenas os valores de uso direto, como o turismo, a oferta de alimentos e os recursos florestais não madeireiros. Outros estimam apenas os valores de uso indireto, que são os bens e serviços ambientais oriundos das funções do ecossistema, como a manutenção da diversidade genética, o controle de erosão e a ciclagem de nutrientes. E há, ainda, outros valores, como aqueles decorrentes da opção de uso no futuro e os não associados a qualquer uso, seja atual ou futuro (valor de existência).

Não é nada confortável para um pesquisador determinar um valor monetário para um bem ou serviço ambiental, por várias razões. Primeiro, pela dificuldade em medir tais valores, já que muitos deles não são transacionados no mercado (não tem preço de mercado) e seu uso, muitas vezes gera, efeitos externos (positivos e negativos) sobre outros setores da economia e da sociedade, de modo que medidas precisas podem ser difíceis de obter e gerar controvérsias. Segundo, muitos estudiosos afirmam que não é um ato ético atribuir valor monetário à natureza e que os métodos utilizados para inferir valores monetários dos bens e serviços ambientais não são válidos nem confiáveis. Argumentam que o valor que as pessoas atribuem à natureza não se baseia em valores utilitários (“de mercado”) e que não se pode colocar valor em coisas “intangíveis” como a vida. Também é preciso lembrar que nem sempre as funções e serviços podem coexistir: ecoturismo não combina com extração de madeira e a conservação impede a utilização para outros usos. E se o serviço está subexplorado (como o turismo no Pantanal), seu valor não será corretamente refletido no valor econômico total do ecossistema. Considere-se, ainda, que cada método apresenta limitações em sua cobertura de valores, a qual, em geral, está associada ao grau de sofisticação metodológica e de dados exigida, às hipóteses sobre o comportamento do consumidor e aos efeitos do uso do ambiente sobre os recursos e em outros setores da economia. Os valores estimados também podem depender de fatores contextuais do ecossistema em estudo (densidade de população, níveis de renda, etc.), e podem estar baseados na utilização total da área ou não. Enfim, é difícil que as estimativas não sejam subestimativas ou superestimativas do verdadeiro valor do ecossistema.

Por isso, os valores econômicos resultantes dos estudos de valoração devem ser vistos como ordens de magnitude, não representando necessariamente valores absolutos. Mesmo porque a maioria dos estudos expressa os valores em termos de valor médio por hectare, dando ideia de que cada hectare é igualmente produtivo ou valioso, o que, evidentemente, não é o caso. (Calcular valores por hectare para o Pantanal implica que toda a vasta extensão da região tem uma “qualidade” uniforme.) Não obstante, a demanda por estimativas do valor dos bens e serviços ambientais é crescente, por sua utilidade em oferecer aos tomadores de decisão (políticos, gestores de programas etc.) a informação sobre os custos e benefícios de usos alternativos, que, do contrário, não seriam considerados nas decisões sobre a utilização de um determinado ecossistema.
Feitas essas ressalvas, passemos aos valores. Os dados que utilizamos para estimar o valor econômico total do Pantanal (VET) foram obtidos de trabalhos em sua quase totalidade realizados para o Pantanal, em diferentes anos, por diferentes pesquisadores, utilizando diferentes métodos de valoração. Para alguns poucos serviços para os quais não havia estimativas para o Pantanal, foram utilizados resultados médios de outras regiões (transferência de benefícios). Todos os resultados foram padronizados para uma base comum, em dólares estadunidenses por hectare por ano, a preços constantes de 2007 (corrigidos pela inflação). Por se tratar de uma estimativa de valor total, todos os tipos de valores foram incluídos: valor de uso direto e indireto, valor de opção e valor de existência. Em função das hipóteses dos estudos considerados e das incertezas envolvidas, procedimentos alternativos de cálculo foram realizados. Considerando a alternativa de cálculo com os valores máximos, o valor econômico total do Pantanal foi estimado em US$ 17.477/ha/ano (a preços de 2007).

Com relação aos serviços do ecossistema (valores de uso indireto), foram considerados 17 diferentes serviços. A contribuição relativa desses serviços para o valor total do Pantanal foi de US$ 7.628/ha/ano (a preços de 2007), representando, portanto, 44% do valor total.


IHU On-Line - De acordo com sua pesquisa, quanto a sociedade perde, em valor monetário, quando desmata o Pantanal?

Andre Steffens Moraes –
Como os benefícios ambientais possuem abrangências diferentes, os valores econômicos de um hectare de Pantanal foram classificados em benefícios privados locais, benefícios públicos locais e benefícios globais. Esta classificação é útil porque cada tipo de benefício pode ser visto como correspondendo a diferentes beneficiários: o pecuarista, o governo (ou a nação brasileira) e o planejador social mundial, todos, por hipótese, buscando maximizar a utilidade do uso da terra do Pantanal. Esta classificação também é útil para dar uma ideia do tipo de transferência de benefícios que potencialmente pode ocorrer, no caso de se pretender estabelecer compensações ambientais.

Em nosso estudo, os benefícios privados locais potenciais derivados de um hectare de área de Pantanal consistem das receitas oriundas da extração sustentável de madeira e de produtos florestais não madeireiros, mais as receitas geradas pelo ecoturismo e pela pecuária em pasto nativo, totalizando US$ 273/ha/ano. O ecossistema Pantanal também fornece serviços ecológicos a nível local e regional, como oferta de água e controle de erosão, que se constituem em benefícios públicos locais, cujo valor total por hectare alcança US$ 7.127/ano. Já os benefícios globais incluem valores de uso direto (recreação), indireto (como regulação de gases e do clima), assim como os valores de opção e de existência, alcançando quase US$ 10.100/ha/ano. Como referência, os benefícios do desmatamento para o pecuarista foram estimados em US$ 28,2/ha.
Do ponto de vista do governo brasileiro, a melhor opção de desenvolvimento é desestimular a conversão de áreas florestadas em pastagens e estimular sua conservação, já que os custos do desmatamento (benefícios locais privados e públicos perdidos) são de US$ 7.387/ha, enquanto que os benefícios são de apenas US$ 28,2/ha. O que se deixa de produzir, potencialmente, em função da preservação dessas áreas, isto é, o custo de oportunidade de manter as áreas preservadas, é irrisório em comparação com os benefícios potenciais. Assim, os benefícios da preservação compensam o custo de oportunidade de privar a terra do desenvolvimento (isto é, de fazer a conversão para pastos cultivados). Os benefícios locais privados potenciais são inteiramente perdidos com o desmatamento. Quanto aos benefícios públicos locais, talvez fosse mais adequado falar em redução de benefícios, uma vez que alguns dos serviços ambientais que geram esses benefícios podem não perder totalmente suas funções.
Em nível global, os benefícios externos do Pantanal alcançam US$ 10.062/ha/ano, a diferença entre os benefícios de conservar e de converter um hectare de área florestada do Pantanal. Assim, um planejador global (isto é, a comunidade internacional) deve oferecer incentivos para que o Brasil preserve o remanescente do Pantanal, e transferências acima desse valor serão necessárias para assegurar que o desmatamento seja efetivamente eliminado ou reduzido. Esta contribuição se justifica como uma compensação pelos benefícios que o resto do mundo assegura da continuidade da existência da fauna, da flora e dos habitats no Pantanal. Caso isso não aconteça, o desmatamento, em tese, deverá continuar até que seja lucrativo preservar as áreas florestadas a nível privado.


IHU On-Line - Qual é a capacidade de suporte do Pantanal para o desenvolvimento da pecuária?

Andre Steffens Moraes –
Em termos de taxa de lotação, há variação entre regiões e mesmo entre propriedades. Mas na pecuária extensiva tradicional a capacidade de suporte fica ao redor de quatro ha/cabeça.



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Mais informações, visite o sítio: http://www.cpap.embrapa.br. Publicações eletrônicas grátis sobre o tema estão disponíveis em: http://www.cpap.embrapa.br/publicacoes/index.php.

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