Edição 343 | 13 Setembro 2010

A exceção jurídica na biopolítica moderna

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Márcia Junges

Contradições graves aparecem no estado de exceção: a primeira delas é negar a ordem para defendê-la, assinala Castor Ruiz. Para os excluídos, a exceção é seu modo de vida cotidiano

“A exceção é a figura jurídico-política que defende a ordem suspendendo-a; defende a vida (de alguns) ameaçando a vida (de outros)”. A afirmação é do filósofo espanhol, radicado no Brasil, Castor Ruiz, na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line, adiantando aspectos que irá abordar em seu minicurso A exceção jurídica na biopolítica moderna, em 16 de setembro, dentro da programação do XI Simpósio Internacional IHU: o (des) governo biopolítico da vida humana, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. De acordo com ele, “no estado de exceção aparecem algumas contradições graves que devem ser analisadas criticamente. A primeira é que para defender a ordem tem que, primeiramente, negá-la”. E continua: “ao suspender a ordem e o direito, em seu lugar se coloca a arbitrariedade da vontade daquele que a suspende”. Ruiz aponta o paradoxo da existência do estado de direito concomitante à escravidão moderna, e pontua que, ao decretar o estado de exceção, “o objetivo é oferecer poderes plenos, ou absolutos, a alguém que possa controlar de forma eficiente a vida daqueles considerados perigosos para o status quo”. No caso dos excluídos, a exceção se constitui em sua forma normal de vida. No Brasil, afirma, as condições das prisões “beiram, quando não já ultrapassaram, o limite de qualquer forma de exceção”.

Castor é graduado em Filosofia pela Universidade de Comillas, na Espanha, mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutor em Filosofia pela Universidade de Deusto, Espanha. É pós-doutor pelo Conselho Superior de Investigações Científicas. Professor nos cursos de graduação e pós-graduação em Filosofia da Unisinos, escreveu inúmeras obras, das quais destacamos: As encruzilhadas do humanismo. A subjetividade e alteridade ante os dilemas do poder ético (Petrópolis: Vozes, 2006); Propiedad o alteridad, un dilema de los derechos humanos (Bilbao: Universidad de Deusto, 2006); Os Labirintos do Poder. O poder (do) simbólico e os modos de subjetivação (Porto Alegre: Escritos, 2004) e Os Paradoxos do imaginário (São Leopoldo: Unisinos, 2003).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que é a exceção jurídica e o estado de exceção?

Castor Ruiz – Podemos definir a exceção jurídica como a suspensão da lei em casos excepcionais. A exceção é a figura jurídico-política que defende a ordem suspendendo-a; defende a vida (de alguns) ameaçando a vida (de outros). Esta técnica política do direito adquire uma especial relevância quando aplicada ao próprio estado de direito, ou seja, à suspensão, total ou parcial, da ordem vigente por motivos considerados graves. Neste caso se origina o chamado estado de exceção. O estado de exceção foi criação do estado de direito para defender o direito de quaisquer ameaças grave que pudesse subverter a ordem.
No estado de exceção aparecem algumas contradições graves que devem ser analisadas criticamente. A primeira é que, para defender a ordem, tem que, primeiramente, negá-la. A seguir, aquele que tem o poder de decretar o estado de exceção tem que estar fora da ordem, ou seja fora da lei. Em terceiro lugar, se alguém tem o poder de se posicionar com legitimidade fora da ordem e acima da lei para suspender a ordem e a lei, seja quem for, atua como um soberano. Em quarto lugar, cabe perguntar quem é que decide quando há ou não uma condição grave para decretar a suspensão da lei? Quem tem o poder de decidir é, uma vez mais, uma vontade soberana que está acima da lei e fora da ordem.

O estado de exceção não existia como figura jurídica ou política na ordem pré-moderna porque o poder absoluto do soberano identificava sua vontade com a lei, tendo o direito arbitrário de poder suspender a lei como parte de sua vontade soberana. O paradoxal é que o estado de direito foi instituído para negar qualquer vontade soberana acima da lei. Contudo, o próprio estado de direito criou a figura política da exceção jurídica para defender a ordem instituída contra quaisquer ameaças graves que venham a pretender transformá-la radicalmente. Isso significa que o estado de direito mantém na sua sombra a figura política do soberano que aparecerá de forma implacável quando alguém com poder considere que há motivo grave e decida suspender a ordem. O soberano não foi abolido pelo estado de direito, senão que está recolhido na sombra para defender a ordem em caso de necessidade.

IHU On-Line – Qual é a sua relação com a biopolítica moderna?

Castor Ruiz – Cabe enfatizar que, ao suspender a ordem e o direito, em seu lugar se coloca a arbitrariedade da vontade daquele que a suspende. Na exceção a arbitrariedade é a norma e a normalidade é constituída pela vontade soberana daquele que tem o poder de suspender o direito. O poder soberano que impõe a exceção põe no lugar do direito sua vontade, no espaço vazio do direito vigora a arbitrariedade do soberano. A exceção que suspende a ordem, de forma total ou parcial, torna a vida humana de todos aqueles que caem sob a exceção objeto da vontade soberana. A vida humana no estado de exceção é uma vida que lhe foi retirado o direito, é uma vida exposta ao arbítrio do poder soberano. A exceção jurídica é uma figura política que tem como alvo principal o controle da vida humana.
Ao decretar o estado de exceção, a vida das pessoas que caem no campo da excepcionalidade se torna vulnerável ao extremo. É uma vida que, privada do direito, é reduzida a mera vida biológica ou vida natural (o que Agamben denominou de vida nua). Objetivada como mera vida biológica, fica exposta a quaisquer violações como parte da normalidade de sua condição de vida excepcional. Dependendo do grau de excepcionalidade decretada, a vida humana pode regredir ao extremo de ser equiparada a mera vida animal, biológica. Neste ponto a vida humana se torna uma vida “matável” sem que sua morte seja imputável. Qualquer um poderia agredir, violentar e até matar sem imputabilidade a uma vida humana, que só existe enquanto mera vida biológica e não se a reconhece nenhuma dignidade ou direito.
A exceção jurídica se constitui numa tecnologia biopolítica de controle social muito eficiente, quando consegue ser aplicada com abrangência.  A biopolítica se caracteriza pelo governo da vida humana como um recurso útil. No caso da exceção jurídica, se aplica como técnica biopolítica para poder controlar a vida daquelas pessoas consideras perigosas para a ordem social. Ao decretar o estado de exceção, o objetivo é oferecer poderes plenos, ou absolutos, a alguém que possa controlar de forma eficiente a vida daqueles considerados perigosos para o status quo.

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