Edição 343 | 13 Setembro 2010

Biopoder e o instante eterno

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Márcia Junges | Tradução Benno Dischinger

 

IHU On-Line - De que forma o conceito do tempo messiânico ajuda a compreender esse cenário e estabelecer um contraponto?

José Antonio Zamora - O conceito de tempo messiânico, ao menos tal como o define Walter Benjamin, se entende como uma réplica aos esquemas temporais dominantes na cultura ocidental, o do progresso e do eterno retorno do mesmo ou do fim da história. Estes dois esquemas, aparentemente contrapostos, são na realidade as duas faces da mesma moeda. A concepção do progresso como sequência linear e contínua de mudanças de um tempo que transcorre de forma completamente homogênea produz paradoxalmente a impressão de um completo vazio do curso do tempo e não põe o acento na definição qualitativa do novo, senão que converte o processo histórico num movimento automático que confere ao novo uma significação meramente temporal. Esta desqualificação do novo, seu esvaziamento de conteúdo material e sua redução a um esquema abstrato é registrada e sancionada pela ideia de um eterno retorno.

Neste sentido, o Reino de Deus não é a meta da dinâmica histórica, senão seu final. Pensar a história dirigida pela astúcia darazão em direção a um estado de plenitude havia sido a obra da filosofia moderna da história, tanto em suas versões burguesas como socialdemocratas. Porém esta compreensão, inseparável de uma teodiceia justificadora do sofrimento e da injustiça como preço do avanço em direção à meta, representa a visão dos vencedores, à qual, segundo o Benjamin das Teses, as vítimas hão de opor-se com todas as suas forças, pois compartilhá-la significa verem-se a si mesmas com o olhar de quem os oprime e aniquila e perder quase toda a capacidade de combater.

Um traço fundamental da práxis messiânica, segundo Benjamin, tem a ver com a maneira em que dita práxis se insere no devir histórico e com a rememoração do passado. A recordação no momento do perigo, enquanto memória de um futuro já pretérito, do futuro não acontecido, do subtraído às vítimas, não estabelece um contínuo histórico, senão que antes faz valer o caráter não cerrado nem liquidado do sofrimento passado e as esperanças pendentes das vítimas da história. Só a partir deste futuro já pretérito é possível pensar que o futuro atual tenha uma oportunidade de ser algo mais do que o prolongamento da catástrofe. Para Walter Benjamin, “não existe instante que não leve em si uma oportunidade revolucionária”. Mas, a materialização desta oportunidade depende da interrupção do curso catastrófico da história. O resgate ao qual está chamado o ato revolucionário não se produz segundo a lógica das “leis históricas da evolução”, senão contra elas: acendendo-se frente a elas como seu contrário, resistindo a elas e nessa resistência conformando sua própria identidade e, portanto, mais que se tornando segundo a lógica da evolução, quebrando seu curso. O kairós messiânico-revolucionário designa aquela situação histórica na qual presente e passado se desvincularam do contínuo histórico e formaram uma constelação que possibilita uma nova perceptibilidade e uma nova práxis. Nesta correspondência se unem a vontade de uma restituição e um saneamento do aniquilado e a força para realizá-lo na interrupção do curso catastrófico da história.

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>> Confira outras entrevistas concedidas por José Antonio Zamora à IHU On-Line.

* O império do instante e a memória. Notícias do Dia 01-11-2009.

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