Edição 342 | 06 Setembro 2010

Grandes grupos industriais são donos do Rio Uruguai

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Graziela Wolfart

 

IHU On-Line - Quais as possíveis consequências de uma alteração na sensibilidade ambiental do clima gaúcho em função das hidrelétricas?

Lucia Ortiz e Bruna Engel - A mudança no clima pode ocorrer em escala regional, o lago pode aumentar a umidade relativa e alterar o regime de chuvas da região. O conjunto de lagos pode também tornar-se um corredor de ventos fortes e aumentar a vulnerabilidade regional a eventos climáticos extremos, como tornados e vendavais. Os rios sofrem alterações no fluxo onde a consequência pode ser desde o assoreamento até diminuição da fertilização das margens, afetando diretamente a agricultura tradicional. Estudos da Secretaria Estadual de Saúde demonstram também o aumento de vetores de doenças, como a proliferação de ratos e mosquito, devido às alterações climáticas e ambientais locais no entorno das barragens do rio Uruguai.

IHU On-Line - Qual deveria ser a postura do BID e outros bancos em relação ao financiamento dos leilões de construção de hidrelétricas?

Lucia Ortiz e Bruna Engel - Se antes os principais atores financeiros eram bancos internacionais multilaterais como o BID e o BIRD, hoje o BNDES atua como principal banco de fomento e chega a financiar 80% das obras de hidreletricidade para depois entregar todos os lucros ao capital privado. São investimentos de alto risco ambiental e social em expansão no Brasil e fora de forma autoritária para alavancar o país a qualquer preço, mesmo que seja para destruir com a diversidade biológica e social dos territórios. Segundo levantamento da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, de 2004 a 2009, quase 70% dos desembolsos do BNDES para a região Sul do país foram para a construção de hidrelétricas, o equivalente a R$ 4.672.617.910,00 (4,67 bilhões de reais). Ao contrário das instituições internacionais mencionadas, o BNDES não tem uma política de informação sobre seus investimentos públicos no exterior e não apresentou à sociedade sua política de salvaguardas ambientais, enquanto que muitos empreendimentos financiados pelo banco são denunciados na justiça pelo descumprimento das leis ambientais e princípios da administração pública, como é o caso das usinas do rio Madeira e Belo Monte no Xingu, ou da condenação do banco pela propaganda tendenciosa dos financiamentos para o setor de celulose no Rio Grande do Sul. A iniciativa da Plataforma BNDES é que disponibiliza as informações sobre os financiamentos públicos do Banco no Brasil, assim como um mapa onde os casos controversos podem ser denunciados por organizações da sociedade civil.

IHU On-Line - O que é desenvolvimento sustentável para os gaúchos hoje, quando pensamos, por exemplo, na questão das hidrelétricas no estado?

Lucia Ortiz e Bruna Engel - A produção de energia no estado não se sustenta. Uma mega barragem que impede o fluxo natural de um rio, provoca a morte e extinção de espécies, desestabiliza os sistemas sociais e quebra com a economia local não pode ser considerada sustentável. Além do mais, essa energia é produzida principalmente para atender a demanda industrial eletrointensiva extrativa, uma cadeia produtiva altamente concentradora de lucros, comparativamente a outros setores menos geradora de empregos, poluidora e que põe em risco a biodiversidade e a qualidade de vida da população. A hidroeletriciade pode ser considerada sustentável, talvez, se produzida de forma descentralizada, com controle social para atender a demanda local. Deve-se ter muito cuidado ao apoiar iniciativas de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), as quais se reproduzem em projetos de autoprodução das mesmas indústrias que investem nas UHEs, pelo risco de essas usinas minarem a calha de um rio, desviarem as águas, secar trechos à jusante e impedir a reprodução de peixes. O que vemos hoje é a proliferação de PCHs em escada num único rio, inclusive em áreas na bacia do rio Uruguai para onde populações afetadas pelas grandes barragens já foram reassentadas, sendo vendidas como uma solução às grandes hidrelétricas, novamente uma falsa solução. A sustentabilidade de uma sociedade não se encontra apenas na busca de alternativas de fontes de energia para suprir seus modos de vida, mas sim no questionamento das causas e dos valores que levam a sociedade a destruir a natureza da qual faz parte e depende para viver. Este questionamento é o que pode gerar maior criatividade, soluções e mudanças estruturais no caminho da construção de sociedades sustentáveis.

Leia mais...

>> Sobre o tema das hidrelétricas leia também:

* Hidrelétricas no Rio Grande do Sul. Impactos sociais e ambientais. Revista IHU On-Line, número 341, de 30-08-2010; 
* Hidrelétricas no Rio Uruguai: uma floresta inteira extinta. Entrevista com Rafael Cabral Cruz, publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU; 
* Itapiranga: uma luta de mais de 30 anos. Entrevista com Pedro Melchior, publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU;  
* Manifesto de Itapiranga. ''Em defesa da natureza, do povo, pelo desenvolvimento sem barragem'', publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU;

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