Edição 377 | 24 Outubro 2011

Agronegócio, transgênicos, agrotóxicos e a alternativa da agroecologia

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Thamiris Magalhães



IHU On-Line – É possível existir uma alimentação saudável tendo como base o agronegócio, o latifúndio e a produção baseada no mercado e no lucro?

Daniel Tygel – A resposta é curta e direta: não, de forma nenhuma. Já está mais do que comprovado, não só no Brasil mas em todo o mundo, que o mercado e o foco no lucro não melhoram a qualidade de vida nem a saúde da vasta maioria da população, com exceção dos acionistas e ricos proprietários, que são menos de 1% da população mundial. A produção e comercialização em base agroecológica e da economia solidária já implicam naturalmente e de forma indissociada na promoção da alimentação saudável, da preservação ambiental, da saúde, do desenvolvimento territorial sustentável e da justiça social.

IHU On-Line – Como podemos definir a soberania alimentar?

Daniel Tygel – Vejo a soberania alimentar como sendo a garantia de alimentação saudável e adequada à população nos territórios, sem depender dos humores do mercado financeiro e dos royalties. Significa garantir que boa parte da produção agrícola seja voltada diretamente para a alimentação saudável e adequada, e não voltada simplesmente para as empresas de ração e outros produtos industrializados causadores de câncer, obesidade e outros problemas de saúde. Significa garantir o direito à biodiversidade, em especial às sementes crioulas, e a não dependência de agrotóxicos, insumos químicos e sementes industriais e transgênicas produzidas por algumas poucas megacorporações agroalimentares. Significa garantir que os territórios sejam suficientemente autônomos na produção agrícola local e na independência de insumos externos. Significa a valorização dos saberes, tradição, cultura e culinária populares, da sazonalidade e do modo de ser de quem vive na região. Por isso, ao falarmos de soberania alimentar, estamos falando de autonomia, autodeterminação dos povos e qualidade de vida sobre todos os aspectos, inclusive do acesso à terra e à água. O sistema agroalimentar nas mãos das empresas e redes capitalistas de distribuição implica numa dependência econômica de um território a alguns poucos grupos, que certamente não têm interesse para além da maximização do lucro. E a maximização do lucro não implica, comprovadamente, em emancipação, promover qualidade de vida e alimentação saudável.

IHU On-Line – Desejas acrescentar algo?

Daniel Tygel – Gostaria de partilhar aqui os principais resultados do seminário Agroecologia, Economia Solidária e Soberania Alimentar e Nutricional durante o Encontro de Diálogos e Convergências, que foi bastante rico. Foram identificados mais nove campos de convergência, que devem se desdobrar em agendas e lutas comuns entre as redes e movimentos. São eles:
a legislação e inspeção sanitárias e tributárias; as compras institucionais governamentais; os canais, redes e circuitos de produção e comercialização solidários; o consumo consciente, responsável e solidário; a certificação, em especial os sistemas participativos de garantia orgânico e do comércio justo e solidário; a construção do conhecimento em suas diferentes dimensões; as práticas e lógicas produtivas, de mercado e econômicas dos povos e comunidades tradicionais; o estudo e enfrentamento das grandes empresas agroalimentares e o controle social das políticas públicas relacionadas direta ou indiretamente à economia solidária, à agroecologia e à segurança e soberania alimentar e nutricional.

A partir desses temas centrais, o seminário propôs algumas ações concretas de convergência, dentre os quais eu destacaria os seguintes: priorização da questão da legislação e inspeção sanitárias: fazer um estudo dos principais bloqueios existentes ao acesso da agroecologia e da economia solidária a políticas públicas, e traçar estratégias e táticas comuns de ação para visibilizar e lutar contra estes bloqueios, além de fomentar a troca de experiências bem sucedidas e boas práticas em superá-los; formação comum: convidar sempre integrantes das demais redes nos processos de formação específicos a cada rede e movimento e buscar construir alguns processos formativos políticos em conjunto; realização de uma incidência articulada em Conselhos e Conferências, a começar pela Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em novembro; articulação de campanhas existentes e convergentes, como as da economia solidária, de agrotóxicos, de alimentação saudável, de reforma agrária, a da luta contra alteração do Código Florestal, entre outras, além de realizar conjuntamente uma Campanha Nacional pelo Consumo Consciente, Responsável e Solidário, com uso de metodologias e de comunicação populares.

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