Edição 367 | 27 Junho 2011

As raízes do riso e a ética emocional brasileira

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Márcia Junges



IHU On-Line – Em que medida rir é uma transgressão política? Nesse sentido, como podemos compreender o papel das charges e, recentemente, daquelas feitas saudando a morte de Bin Laden?

Elias Thomé Saliba – A esfera política sempre foi motivo de chacota porque as pessoas que participam da vida pública são iguais a todas as outras no plano individual. Esta diferença suscita ambiguidades que constituem o motor do riso e da piada. Hoje, a esfera política é mais sujeita à chacota e ao riso cínico talvez porque os grandes projetos políticos de transformação social mostraram-se utópicos e falharam. Numa época de crise de utopias, as sociedades regridem emocionalmente à sátira, à derrisão e ao humor. As pessoas riem das desgraças alheias, mas também das próprias desgraças. A produção humorística é ambígua. É o “doa a quem doer”. Não é inocente, é um espelho da sociedade, embora distorcido.
No caso brasileiro tudo isso é muito mais forte porque o que caracteriza a história brasileira é a eterna confusão entre as esferas pública e privada e nossa vocação – que, gradativamente, temos esperança de superar – para tratar tudo emocionalmente, reduzindo as distâncias sociais. Chamamos esta vocação de síndrome de Santa Terezinha. A santa francesa Thereza de Lisieux , transforma-se aqui em Terezinha – ou seja, até os santos partilham de nossa vida privada, tornando-se mais próximos de nós. Usamos de diminutivos para quebrar hierarquias e tornar tudo próximo, porque temos horror das distâncias sociais, que são enormes. Não conseguimos ver o mundo sem emoção, distinguir o público do privado. Queremos transformar o público numa coisa nossa, pessoal. Vem das nossas raízes ibéricas. O brasileiro não resiste muito à seriedade. Quanto Ayrton Senna morreu, em menos de 24 horas já circulavam anedotas.
Por outro lado, o humor, por mais agressivo que seja, incentiva a sociabilidade, sublima a agressão, administra o cinismo e, em alguns casos, estiliza a violência, dissolvendo-a no riso. “Fiquem tranquilos: nenhum humorista atira para matar”, diz Millôr Fernandes .

Um efeito libertador

Mas o riso também é a arma social dos impotentes. No decorrer da história, o próprio riso popular permitiu que se criasse, cada vez mais, uma cultura da divergência, ativa e oculta, mostrando como o humor se tornou uma arma política importante contra os regimes repressivos. Se não se pode mudar a história real, muda o sentido dela. O riso, a piada é essencialmente alteração de sentido, reversão de significado.
No caso brasileiro, humor e riso compensam também a falta de identidade. Uma sociedade mal costurada, que sempre praticou a exclusão. Brasileiros só se sentem brasileiros em momentos emocionais, rápidos e circunstanciais – quando toca o Hino Nacional, tem jogo da Seleção. O humor funciona como o Carnaval e o futebol para o brasileiro ter este momento de identidade.
Para os indivíduos, a disposição de rir das tolices da humanidade sempre foi considerada pela medicina como um meio de preservar a saúde (aliviar o excesso de bílis ou de adrenalina que, em excesso, produz a melancolia e as doenças). Talvez isto funcione para a sociedade brasileira também. É o rir para não chorar. Porque as pessoas que riem das piadas guardam resíduos de emoções que lhes vão permitir rir das maldades, dos preconceitos e das falcatruas reais. Quando as pessoas não riem é pior, pois os ressentimentos são recalcados, o que talvez explique porque o humor, sob quaisquer de suas formas – pela graça ou pela inteligência –, tenha um efeito libertador.

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