Edição 372 | 05 Setembro 2011

Não há lógica na redução dos juros para 12% ao ano, agora

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Graziela Wolfart

José Luís Oreiro defende que a combinação de política fiscal expansionista mais política monetária expansionista é algo que não funciona e que gera tendência à aceleração da taxa de inflação e apreciação da taxa de câmbio

Para o economista José Luis Oreiro, “reduzir a taxa de juros é algo que, num regime de metas de inflação só deveria ser feito caso a pressão inflacionária tivesse cessado e isso até o momento não aconteceu. Levando em conta a restrição externa da economia, acho prudente uma certa desaceleração do crescimento, a fim de evitar que tenhamos de imediato uma crise de balanço de pagamentos”. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Oreiro argumenta que “a combinação de uma inflação alta em 2011, com a perspectiva da continuidade dessa inflação alta em 2012 em função da política de valorização do salário mínimo, somado com um quadro doméstico que não aponta claramente para uma desaceleração do nível de atividade, faz com que seja muito difícil entender a decisão do Banco Central de redução da taxa de juros em 0,5 ponto percentual”.

José Luis Oreiro é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, possui mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Organizou Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços (São Paulo: Monole, 2003) e Sistema financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro (Rio de Janeiro: Campus, 2007). Leciona no Departamento de Economia da Universidade de Brasília – UnB.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Pode explicar por que o senhor defende uma expansão monetária na Europa como alternativa de solução à crise financeira atual?

José Luís Oreiro – Defendo essa posição por exclusão de todas as outras possibilidades. O que está sendo proposto para lidar com a crise é a contração fiscal nos países que estão sendo mais afetados, que no caso são Itália, Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda. Esses países foram profundamente afetados pela crise de 2008 e continuam com taxas de desemprego muito elevadas. Na Espanha, por exemplo, a taxa de desemprego é de 22% da força de trabalho. Portanto, uma contração fiscal, neste momento, irá piorar as coisas, aumentará ainda mais a taxa de desemprego. Acredito que uma contração fiscal no tamanho necessário para acalmar os mercados é inviável do ponto de vista político. Então, temos que procurar outra saída. O não pagamento das dívidas também não é uma solução, porque as dívidas que os governos da Espanha, Itália e Grécia têm são com bancos dentro da União Europeia, na Alemanha e na França. Se aqueles países não pagarem as suas dívidas, os bancos na Alemanha e na França quebram, os governos desses países terão que socorrer esses bancos e vamos apenas transferir a crise soberana do sul da Europa para o centro da Europa. A reestruturação, como é chamada essa alternativa, não resolve o problema. A única alternativa remanescente é a expansão monetária. O Banco Central Europeu, que é o emissor oficial de moeda dentro da área monetária, poderia recomprar uma parte significativa dos títulos da dívida pública da Espanha, Itália, Grécia, Irlanda, Portugal e compraria a proporção necessária para fazer com que a relação juros/PIB de cada um desses países convergisse para 2%. Ao fazer isso já se melhorariam bastante as contas públicas desses países, seja porque se eliminou uma parte considerável do estoque, seja porque se reduziu de maneira considerável o pagamento de juros sobre esse estoque. Além disso, essa alternativa teria a vantagem de resolver o problema dos bancos franceses e alemães. Eles estão carregando títulos soberanos da Itália, da Espanha, da Grécia, Portugal e Irlanda que têm um alto risco de inadimplência. Se esses títulos não forem honrados esses bancos quebram. Vender esses títulos para o Banco Central Europeu seria a melhor maneira de livrar os bancos da Alemanha e da França desse problema. Assim, se resolveriam dois problemas numa tacada só: reduzir-se-ia rapidamente os spreads que Espanha e Itália estão pagando aos títulos da dívida pública alemã, que são decorrência da expectativa de insolvência; mas, a partir do momento em que o Banco Central Europeu começar a comprar esses títulos, a demanda sobe, o preço também sobe, e suas taxas de juros tendem a cair. Haveria uma redução dos spreads na Espanha e na Itália e reverteria a expectativa de insolvência desses países. Resolver-se-ia a crise de confiança que os mercados têm na insolvência da Espanha e da Itália. Além disso, se retiraria dos balanços dos bancos franceses e alemães os ativos podres. Ao retirar os ativos podres dos balanços desses bancos, estes estariam novamente em condições de retomar suas atividades normais de empréstimo, ou seja, aumentando suas linhas de crédito, o que é importante para a Europa sair dessa situação de semiestagnação econômica. Seria a saída fundamental para a área do euro, sem contar que, com expansão monetária dessa magnitude, teríamos a depreciação da taxa de câmbio, o euro se desvalorizaria frente ao dólar, frente ao yuan e outras moedas do mundo e, consequentemente, as exportações e os países europeus ganhariam competitividade e, com isso, também poderíamos ter uma retomada do crescimento via exportações.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a decisão do Banco Central de baixar a taxa básica de juro em 0,5%? Quais os prós e contras dessa medida em contexto de crise financeira internacional?

José Luís Oreiro – A medida em si foi boa, porque o Banco Central está preocupado em não cometer o mesmo erro em 2011 que cometeu em 2008, quando a crise chegou no Brasil com o país aumentando a taxa de juros. Isso certamente agravou o impacto da crise sobre o Brasil. O que me preocupa não é tanto o caso da política monetária, mas é o caso da política macroeconômica brasileira, que não é consistente. Há dois dias, a ministra Ideli Salvatti havia anunciado que o salário mínimo terá, de fato, um aumento significativo em 2012 e irá para 613,00 reais aproximadamente. Então, teremos em 2012 um impacto significativo pelo aumento do salário mínimo, o que irá gerar pressão inflacionária, basicamente por conta do preço dos serviços. Temos uma política de valorização do salário mínimo que, em função do seu exagero por querer valorizar muito rapidamente o salário, concedendo ganhos que estão muito acima de qualquer previsão possível de crescimento da atividade, tem impacto inflacionário. Ao mesmo tempo, reduzir a taxa de juros é algo que, num regime de metas de inflação só deveria ser feito caso a pressão inflacionária tivesse cessado e isso até o momento não aconteceu. O Brasil deve fechar este ano com a taxa de inflação próxima do teto da meta de 6,5%; a economia brasileira está com uma taxa de desemprego muito baixa, ou seja, com o nível mais baixo da série histórica, então não existem sinais claros de que a economia brasileira possa estar apresentando uma desaceleração significativa do seu ritmo de crescimento. A combinação de uma inflação alta em 2011, com a perspectiva da continuidade dessa inflação alta em 2012 em função da política de valorização do salário mínimo, somado com um quadro doméstico que não aponta claramente para uma desaceleração do nível de atividade, faz com que seja muito difícil entender a decisão do Banco Central de redução da taxa de juros em 0,5 ponto percentual. Particularmente, eu preferiria que na sua decisão o Banco Central tivesse mantido a taxa e esperado para a próxima reunião do Copom, para fazer uma avaliação do quadro econômico internacional e ver em que medida a crise econômica internacional vai se agravar ou não. O que temos até agora é um quadro de desaceleração do crescimento dos EUA e da União Europeia, mas nada parecido com a crise de 2008. Se não vai se repetir a crise de 2008, realmente reduzir taxa de juros no Brasil com inflação ameaçando estourar o teto da meta em 2011, com pressão inflacionária em 2012 devido à elevação forte do salário mínimo, mais um nível de desemprego historicamente baixo e nenhum sinal claro de forte desaceleração do nível de atividade econômica do Brasil, realmente é algo que não dá para entender no contexto do regime de metas de inflação. Pode ser que a presidente da República esteja querendo acabar com o regime de metas, mas se é isto ela deve dizer claramente para a sociedade: que o regime de metas de inflação morreu.

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