Edição 371 | 29 Agosto 2011

Por uma ética do cuidado e da responsabilidade

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Márcia Junges

Autonomia deve fundamentar o agir humano frente aos poderes ilimitados que a ciência confere à humanidade, adverte Lourenço Zancanaro. Entretanto, Hans Jonas não se opõe à tecnologia, mas propõe uma ética que atente para a antecipação dos riscos e o cuidado

A constatação da vulnerabilidade do mundo, da natureza e da vida humana compõe o grande legado de Hans Jonas, aponta o filósofo Lourenço Zancanaro na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Frente a essa fragilidade, “a única saída é o cuidado, a responsabilidade. Ao cuidarmos das gerações presentes, também estaremos cuidando das futuras”. Assim como Kant, Jonas também aposta na autonomia como norte para o agir: “Somos autônomos para buscar o melhor e este deve ser sempre mais desejável que o pior. A autonomia é tomar posse da realidade como algo que precisa ser cuidado diante do excesso de poderes que a ciência nos dá. Somos chamados a deliberar sobre os novos podes que a tecnologia nos fornece”. Zancanaro esclarece que Jonas não se contrapõe à tecnologia ou à ética: “Uma boa ética pode fazer uma boa ciência e isto está no âmbito da deliberação em relação ao nosso poder”. A ética jonasiana é baseada nos limites, no cuidado, renúncia, previsão, prevenção e antecipação dos riscos “ante a possibilidade dos efeitos tecnológicos conduzirem o planeta a consequências imprevisíveis”.

Lourenço Zancanaro é graduado pelas Faculdades Associadas do Ipiranga, especialista em Estudos Brasileiros pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Filosofia Brasileira pela Universidade Estadual de Londrina – UEL e mestre em Filosofia Social pela Pontifícia Univrersidade Católica de Campinas – PUC-Campinas. Cursou doutorado em Educação na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, com a tese O conceito de responsabilidade em Hans Jonas. Autor de Bioética – estudos e reflexões 3 (Londrina: CEFIL, 2002), leciona na UEL.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Como analisa a importância do legado filosófico de Hans Jonas?

Lourenço Zancanaro – Hans Jonas é um filósofo que pensa a ética a partir das exigências do nosso tempo. Não critica a ética tradicional, apenas mostra que esta não deixou, nem poderia ter deixado, regras para as modalidades inteiramente novas do poder tecnológico, já que sempre analisou a ação humana voltada para o “agir próximo”. Sua preocupação se limitava à discussão da “qualidade do ato moral momentâneo” e não da previsão ou do tempo das gerações futuras agora ameaçadas pelo progresso técnico.
É uma reflexão sobre a ética dos limites, do cuidado, da renúncia, da previsão, da prevenção, da antecipação dos riscos, ante a possibilidade dos efeitos tecnológicos conduzirem o planeta a consequências imprevisíveis. A obra “The imperative of responsibility” – In search of an ethics for the technological age é básica para a compreensão do tema da responsabilidade.

Influências e “fenômeno da vida”

Sua trajetória filosófica recebe influência heideggeriana, além do liame entre os estudos históricos, especialmente a gnose, em seguida a filosofia da biologia e, finalmente, a ética de responsabilidade. O objeto de análise será a magnitude das consequências dos processos tecnológicos potencializados que afetam o agir. Parte da constatação de que “se a natureza do agir mudou, também deverá haver mudanças na ética”. Portanto, o empreendimento objetiva a investigação do conceito de responsabilidade, seu significado para as tarefas atuais da humanidade, cada vez mais influenciadas pelas transformações tecnológicas que criam dioturnamente novos “espaços de ação”. Chama a atenção para os exageros do poder ilimitado da moderna tecnologia, defende a existência de uma eticidade para o mundo da natureza e declara que o fenômeno da vida necessita ser colocado novamente no seu lugar de honra.
O novo princípio de responsabilidade terá como objeto concreto de entendimento a possibilidade de perpetuação indefinida da humanidade no futuro que poderá estar comprometida pela degradação do meio ambiente, pelos perigos da energia nuclear, pelos avanços e possibilidades da engenharia genética e da biotecnologia. A humanidade encontra-se diante da “ameaça” dos novos poderes que ultrapassam a legislação e as prescrições morais. É esse vácuo que necessita ser preenchido pela reflexão, um vazio ético que é, para Jonas, “o vazio do atual relativismo dos valores”.
O excesso de poder da tecnologia se converteu em ameaça e perigo porquanto sua consistência está associada à ideia de “promessa, utopia, sucesso e bem-estar”. A utopia acompanha a técnica porque ela revela poder, onipotência e dominação. Os êxitos e os grandes avanços “afetaram a própria natureza humana” onde o “medo” e o “perigo” levantam a possibilidade de uma catástrofe. Portanto, se o homem tem “poder” e se este foi possível pelo avanço do conhecimento científico, a ética fundada na doutrina do ser abre espaço para dizer “não” ao “não ser” e isto significa “sim à vida”. Jonas deixou-nos um legado importante: o mundo é vulnerável, a natureza é vulnerável assim como a vida humana. Diante da vulnerabilidade a única saída é o cuidado, a responsabilidade. Ao cuidarmos das gerações presentes, também estaremos cuidado das futuras.

IHU On-Line – Quais são as suas maiores contribuições para o campo da educação?

Lourenço Zancanaro – No campo da educação, a teoria da responsabilidade ajudará a levantar questões que poderão contribuir para a filosofia da educação. Não obstante, não poderá referir-se à escola como a única responsável pelo sucesso ou fracasso da vida em sociedade. A educação perfaz a totalidade das ações, desde aquelas veiculadas pelos meios de comunicação, das ações públicas dos legisladores, do respeito intersubjetivo dentro do espaço público e da responsabilidade paterna como arquétipo de toda a responsabilidade.
Posto que a tarefa da educação no seu sentido amplo é dar uma formação global de conhecimentos que auxiliam a gestão da vida no mundo, a ética de responsabilidade poderá ser um bom instrumento na valorização da vida, do meio ambiente e de tudo que deve existir. Nesse sentido, as “obrigações” partem exatamente deste contexto e da análise das ações presentes. A responsabilidade para com o futuro terá como causa o apelo da situação presente. Se tivermos um “poder” de qualquer tipo, deste originar-se-á uma “obrigação” com o futuro. Não podemos comprometer o futuro, dando prioridade ao “pior” sobre o “melhor”, ao mais “ínfimo” sobre o mais “elevado”.

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