Edição 348 | 25 Outubro 2010

Guerra cambial: Brasil está “tateando no escuro”

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Patrícia Fachin

Brasil adota políticas tímidas diante da guerra cambial internacional e mantém relação política e econômica equivocadas com a China, aponta o economista José Luis Oreiro. Segundo ele, a guerra cambial pode causar desindustrialização e um déficit em conta-corrente da ordem de 7% do PIB, em 2014

“Essa ‘guerra cambial’ é uma repercussão da crise de 2008”, menciona José Luis Oreiro, à IHU On-Line. Em entrevista concedida por telefone, ele explica que o desaceleramento e a lenta recuperação da economia norte-americana são os fatores responsáveis pela desvalorização do dólar, que vem atrapalhando a competitividade de outras economias.

Na avaliação de Oreiro, três grupos fazem parte da guerra mundial: “EUA tenta desvalorizar o dólar frente às demais moedas, visando aumentar a competitividade das exportações americanas para, com isso, tentar sair da crise por intermédio de um aumento da demanda externa de seus produtos. Um segundo grupo de países: China, Suíça, Tailândia e outros tentam se defender dessa política norte-americana, adotando medidas no sentido de impedir ou reduzir a valorização de suas moedas frente ao dólar; e um terceiro grupo, incluindo os países da América Latina - inclusive o Brasil – e países africanos, têm sido passivos frente à desvalorização do dólar”.

Para o economista, o Brasil deve adotar políticas radicais diante dessa conjuntura e desvalorizar a moeda nacional “para voltar a uma situação de mais competitividade da economia brasileira”. Entre as medidas, propõe o controle na entrada de todos os capitais estrangeiros e a redução das taxas de juros. “O Brasil não pode, neste contexto internacional, ter uma taxa de juros que é até oito vezes maior do que o é que prevalecente no restante do mundo”.

José Luis Oreiro é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, possui mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia também pela UFRJ. Atualmente é professor nos cursos de graduação e pós-graduação em economia da FACE/UNB. Organizou Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços (São Paulo: Monole, 2003) e Sistema financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro (Rio de Janeiro: Campus, 2007).

Confira a entrevista.



IHU On-Line - Pode explicar o que é e o que significa a “guerra cambial”? Como países emergentes e desenvolvidos estão se comportando?

José Luis Oreiro –
Essa “guerra cambial” é uma repercussão da crise de 2008. Os EUA, no ano passado, estavam apresentando uma trajetória bastante razoável de recuperação da crise. Aparentemente, a economia americana, entre os países desenvolvidos, seria a primeira a sair da recessão e teria, no ano de 2010, uma trajetória de crescimento razoável. O problema é que essas expectativas se frustraram e, este ano, o ritmo de crescimento da economia americana está desacelerando. Esperava-se que ela fechasse o ano com um crescimento de 4%, mas é provável que feche com um crescimento de 1,3%, basicamente por conta da contribuição negativa do setor externo. O fato é que o déficit comercial americano continua aumentando e isso tem reduzido a demanda por produtos norte-americanos e atrapalhado a velocidade de recuperação da economia.
Em função desse cenário de recuperação lenta da economia dos EUA, o Federal Reserve System - FED teve que continuar a política de relaxamento quantitativo. Essa é uma política na qual o Banco Central dos EUA adquire títulos públicos e privados por intermédio da emissão de moeda; é uma política monetária não-convencional. A política monetária convencional consiste em utilizar as chamadas operações de mercado aberto, em que se reduz a taxa de juros com o objetivo de estimular a economia. O problema é que a taxa de juros básica da economia americana se encontra no seu mínimo, próxima de 0%; não é possível reduzi-la ainda mais. Então, o FED está imprimindo dinheiro para comprar títulos públicos e privados.

O que está acontecendo nos EUA, nos últimos meses, é um aumento gigantesco da quantidade de moeda em circulação. Esse dólar não é absorvido pelos bancos porque eles estão emprestando dinheiro; os bancos norte-americanos têm bastante reserva, ou seja, estão “sentados” numa montanha de liquidez. Esse dinheiro não tem aplicação rentável dentro dos EUA e sai para outras partes do mundo na busca de maior rentabilidade.

É aí que começa a guerra cambial: alguns países como China, Suíça, Tailândia têm adotado medidas fortes no sentido de impedir a valorização de suas moedas frente ao dólar porque esses países sabem que, caso as suas moedas se valorizarem, eles perderão competitividade nas exportações e, portanto, o desemprego americano será exportado para seus próprios países. A Suíça tem comprado bastante reservas; a China tem mantido a sua moeda atrelada à moeda americana. Os países estão tentando se defender da valorização do dólar frente às  suas moedas. Outro grupo de países, entre os quais se inclui o Brasil, têm aplicado medidas tímidas. Eles têm arcado com o custo de uma valorização maior frente ao dólar.

Resumindo, a situação é a seguinte: EUA tenta desvalorizar o dólar frente às demais moedas, visando aumentar a competitividade das exportações americanas e, com isso, tentar sair da crise por intermédio de um aumento da demanda externa de seus produtos. Um segundo grupo de países: China, Suíça, Tailândia e outros tentam se defender dessa política norte-americana, adotando medidas no sentido de impedir ou reduzir a valorização de suas moedas frente ao dólar; e um terceiro grupo de países, incluindo os da América Latina, Brasil, e países africanos, têm sido passivos frente à desvalorização do dólar.


IHU On-Line – Como o Brasil deve se posicionar diante desta guerra cambial?

José Luis Oreiro –
O Brasil tem de se posicionar de uma forma muito agressiva. O governo brasileiro tem optado por uma estratégia gradualista: primeiro aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras – IOF de 2 para 4%, nas operações de renda física, depois elevou novamente. A estratégia brasileira tem sido de “tatear no escuro”, ou seja, aumentar gradualmente os controles de capitais para ver em que ponto se consegue deter a valorização do real frente ao dólar. Essa medida é equivocada por uma série de motivos. Em primeiro lugar porque não se trata apenas, no caso brasileiro, de acabar com a valorização do real frente ao dólar; precisa fazer uma desvalorização do real. Alguns estudos, entre os quais o que eu fiz com a professora Eliane Araujo , cujos resultados publicamos no jornal Valor Econômico, em 18-10-2010, mostra que o real encontra-se sobrevalorizado em 20% com respeito a outras moedas. A questão não é simplesmente impedir novas valorizações do real, mas desvalorizá-lo para voltar a uma situação de mais competitividade da economia brasileira e, portanto, de mais tranquilidade do ponto de vista das contas externas. 

Há uma segunda razão pela qual penso que essa estratégia é equivocada: os controles de capitais são importantes, mas quando se tem diferencial de juros grande, tal como ocorre no Brasil hoje, ou seja, taxa de juro básica brasileira a 10,65% ao ano – nos países desenvolvidos ela é menos de 2% -, o incentivo que se cria para os investidores internacionais burlarem os controles de capitais é gigantesco. A legislação brasileira ainda permite isso. Por exemplo, embora o ministro Mantega tenha aumentado o IOF sob as aplicações de renda fixa, não aumentou o imposto para as aplicações de renda variável. Isso é um erro porque o sistema financeiro pode descobrir formas criativas de disfarçar aplicações em renda fixa como se fossem aplicações da bolsa de valores.

Por isso, o governo deve, rapidamente, instituir um controle de capitais abrangente e simplificado, ou seja, o mesmo tipo de controle para toda e qualquer entrada de capitais na economia brasileira. A segunda medida absolutamente necessária é reduzir o diferencial de taxas de juros, isto é, o Brasil não pode, neste contexto internacional, ter uma taxa de juros que é até oito vezes maior do que a média prevalecente no restante do mundo.

HU On-Line – Então é possível controlar o câmbio?

José Luis Oreiro –
É possível controlar o câmbio, mas é necessário fazer mudanças significativas: política de controle de capitais, de juros e na política fiscal para que se possa operacionalizar o fundo soberano. A política de atuação de reservas é cara porque nossa taxa de juros é mais alta do que a taxa de juros que prevalece no resto do mundo. Então, para que o fundo soberano possa comprar reservas sem comprometer a solvência das contas do governo, é necessário aprofundar o ajuste fiscal para sinalizar claramente que a política de intervenção na taxa de câmbio é sustentável.

IHU On-Line – Quais as implicações, para a economia brasileira, da valorização e da desvalorização da moeda chinesa? Para o Brasil é mais vantajoso o yuan valorizado ou desvalorizado?

José Luis Oreiro –
Para a economia brasileira seria melhor se a moeda chinesa estivesse valorizada. O Brasil já está perdendo muitos mercados no exterior para a China, além do que, o mercado interno nacional está sendo invadido – há algum tempo - por produtos chineses.

Se observarmos a atitude recente do governo chinês, não podemos esperar que medidas de valorização cambial sejam feitas de forma voluntária.
Apoiar a desvalorização da moeda chinesa é o mesmo que dar um tiro no pé. Seria bom para o Brasil que a China valorizasse a sua moeda em relação ao dólar, porque isso implicaria em uma valorização do yuan frente ao real e, com isso, aumentaria a competitividade das exportações brasileiras frente à China.

IHU On-Line - Brasil e China articulam a possibilidade de desenvolver um sistema de câmbio direto entre real e yuan, sem passar pelas cotações do dólar e do euro. É vantajoso para o Brasil?

José Luis Oreiro –
Essa é uma maneira de economizar custos de transação, ou seja, custos no uso de moeda norte-americana. Sinceramente, não vejo nenhum ganho significativo para o Brasil porque a valorização do real frente ao dólar não se deve a razões de balança comercial. Pelo contrário, os dados da balança comercial brasileira estão se deteriorando rapidamente. A valorização do real frente ao dólar e outras moedas deve-se ao fato de que está entrando muito dinheiro no Brasil. Então, esse tipo de mudança de tecnologia de transação não ajuda o problema cambial brasileiro.

IHU On-Line – Como avalia a relação cambial e o alinhamento político entre Brasil e China?

José Luis Oreiro –
O Brasil cometeu uma série de erros no passado com respeito à China. Um deles foi ter reconhecido o país como economia de mercado. Se isso não tivesse acontecido, hoje o Brasil poderia utilizar uma série de instrumentos, entre os quais, taxas comerciais para reduzir a importação de produtos chineses, dado que, obviamente, a China está manipulando o câmbio no sentido de produzir um câmbio subvalorizado. A política brasileira em relação à China tem sido essencialmente errada.

IHU On-Line – Quais as implicações da guerra cambial para os trabalhadores e para programas sociais brasileiros?

José Luis Oreiro –
A repercussão a curto prazo é favorável porque eles irão constatar aumento salarial e os produtos importados ficarão mais baratos e acessíveis. A médio e longo prazos, a repercussão é negativa porque, caso continue esse processo de valorização do real frente às diversas moedas, em particular ao dólar e o yuan, se terá um movimento crescente de desindustrialização, com isso, um aumento do desemprego no estrato de trabalhadores mais qualificados e uma redução de salários.



 

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