Edição 339 | 16 Agosto 2010

Limitar terras é distribuir riquezas

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Márcia Junges

O plebiscito popular deve evidenciar a altíssima concentração fundiária no Brasil, aponta o advogado Fernando Prioste. Limitar a propriedade e cumprir a função social da terra promoverá a distribuição de renda

“Se a terra é meio de produção da riqueza, então a concentração da propriedade desta acarreta na concentração da riqueza e consequente desigualdade social”, reflete o advogado Fernando Gallardo Vieira Prioste, assessor jurídico da Terra de Direitos, Organização de Direitos Humanos sediada em Curitiba, no Paraná. Nesse sentido, o plebiscito do limite da propriedade da terra, a ser realizado na primeira semana de setembro, “tem a especial função de evidenciar a altíssima concentração fundiária no Brasil”. E continua: “De fato, ao se instituir um limite à propriedade da terra, estaremos caminhando rumo à distribuição das parcelas de terras que serão libertadas da maxi-exploração do latifúndio monocultor. Desse modo, realiza-se a reforma agrária, distribuindo a terra para que os trabalhadores rurais produzam no modo de agricultura familiar”. É importante lembrar, ressalta Prioste, que o Brasil é o segundo país com maior concentração de terras no mundo, sendo que 44% das terras disponíveis para agricultura e pecuária são propriedade de apenas 1% do total de proprietários, em extensões superiores a mil hectares. Fica demonstrado que a concentração de terras, “fenômeno histórico no Brasil, é um dos principais elementos de manutenção da brutal e inadmissível desigualdade social no país”. Em sua opinião, conjugar “o limite da propriedade da terra com o efetivo cumprimento de sua função social, entre outros elementos, aporta instrumentos fundamentais para que se concretize a efetiva distribuição das riquezas do país”. A titulação e demarcação de terras quilombolas e indígenas não serão afetadas negativamente pela limitação da propriedade, já que são de naturaza coletiva e promovem a desconcentração fundiária e distribuição justa. As declarações foram feitas à IHU On-Line, por e-mail.

Prioste é graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) com a monografia A Irredutibilidade e a Correção do Valor Real dos Benefícios Previdenciários do Regime Geral da Previdência Social à Luz da Constituição. Com Thiago Hoshino publicou o livro Empresas Transnacionais no Banco dos Réus: Violações de Direitos Humanos e Possibilidades de Responsabilização (Curitiba: Terra de Direitos, 2010).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que aspectos o plebiscito do limite da propriedade da terra representa um avanço em direção à Reforma Agrária? Por quê?
Fernando Gallardo Vieira Prioste –
O plebiscito do limite da propriedade da terra tem a especial função de evidenciar a altíssima concentração fundiária no Brasil, chamando a atenção da sociedade para os problemas enfrentados pelo país em razão da concentração de terras. A questão é que, se a terra é meio de produção da riqueza, então a concentração da propriedade da terra acarreta na concentração da riqueza e consequente desigualdade social. A reflexão sobre a necessidade de implementação de limites para a propriedade da terra também exige um esforço no sentido de se repensar a forma de distribuição dessas terras. Nesse contexto, a reforma agrária pode ser entendida como um instrumento essencial e urgente de democratização do acesso à terra. De fato, ao se instituir um limite à propriedade da terra, estaremos caminhando rumo à distribuição das parcelas de terras que serão libertadas da maxi-exploração do latifúndio monocultor. Desse modo, realiza-se a reforma agrária, distribuindo a terra para que os trabalhadores rurais produzam no modo de agricultura familiar. Assim, distribuir a terra significa, diretamente, distribuir a riqueza, e erradicar a pobreza e desigualdade social, o que é objetivo fundamental da República, e consta do art. 3º da Constituição Cidadã.

IHU On-Line – Se o Brasil aprovar o limite da propriedade da terra, quais seriam os primeiros impactos dessa ação?

Fernando Gallardo Vieira Prioste – Um dos principais objetivos da implementação deste tipo de medida no Brasil, assim como da realização da reforma agrária, seria alcançar a equidade socioespacial por meio da desconcentração fundiária. Nosso país é o segundo onde há maior concentração de terras no mundo, perdendo apenas para o Paraguai, onde, aliás, muitos brasileiros são proprietários.
É importante destacar que 44% das terras disponíveis para agricultura e pecuária no Brasil estão nas mãos de apenas 1% do total de proprietários, cujas áreas têm extensão superior a 1000 hectares. De outro lado, 48 % do total de proprietários de terras são pequenos agricultores, com propriedades de até 10 hectares, os quais são responsáveis pela produção de aproximadamente 50% dos alimentos no Brasil, o que fazem utilizando apenas 2,36% do total das terras disponíveis.

Fenômeno histórico

A concentração da terra, fenômeno histórico no Brasil, é um dos principais elementos de manutenção da brutal e inadmissível desigualdade social no país. Historicamente, desde a época das capitanias hereditárias, passando pela lei de terras de 1850, o Estado brasileiro agiu no sentido de incentivar a concentração de propriedades rurais, excluindo a maior parte do povo da possibilidade de acesso a elas, o que intensifica a miséria. A Constituição Federal de 1988 reconheceu essa questão ao eleger a reforma agrária como política pública central para a erradicação da pobreza e para a concretização da função social da terra.
Igualmente, é preciso destacar a relevância destas políticas para a efetivação dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, para que não se desvirtue a Carta Maior em mera “folha de papel” que se pode rasgar ao sabor de interesses particulares. Assim, a conjugação do limite da propriedade da terra com o efetivo cumprimento de sua função social, entre outros elementos, aporta instrumentos fundamentais para que se concretize a efetiva distribuição das riquezas do país.

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