Edição 338 | 11 Agosto 2010

Apesar da desindustrialização, economia brasileira cresce

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Patrícia Fachin

Na avaliação do economista Júlio Gomes de Almeida, a economia brasileira continuará crescendo de forma sustentável motivada pelo dinamismo do mercado interno. Mas falta, no processo de desenvolvimento, exportar mais e internacionalizar empresas

“O desenvolvimento não existia como perspectiva real do Brasil há muito tempo. Todo mundo via potencialidade como o país do futuro, mas não via capacidade de transformar isso em processo concreto. Hoje, isso existe.” A avaliação é de Júlio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial - IEDI. Em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line, ele diz que, no país, “a base do processo de desenvolvimento está se formando”. Apesar de apostar no crescimento continuo da economia brasileira nos próximos anos, o professor da Universidade de Campinas - Unicamp reforça a tese da desindustrialização e diz que a indústria perdeu peso nas três últimas décadas. “Isso não é exatamente um fato ruim”, menciona, mas trouxe consequências para o Brasil e “fez com que a economia crescesse menos do que poderia”. Para Almeida, o potencial de industrialização da economia nacional está diretamente atrelado à exportação de commodities. “Temos de olhar a exportação de commodities brasileira como um bem. Isso permite que o Brasil garanta exportação, saldo comercial, uma situação cambial mais tranquila e, portanto, tenha condições de financiar o processo de industrialização”.
Júlio Gomes de Almeida é doutor em Economia pela Unicamp.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Segundo análise do IEDI, a desindustrialização no Brasil avançou nas últimas três décadas. Que fatores indicam tal processo?

Júlio Gomes de Almeida - O grande fator que indica a desindustrialização é a queda da participação da indústria na economia, a qual caiu muito nestas três últimas décadas, ou seja, a economia cada vez menos utilizou o “motor” da indústria para o seu crescimento. Isso não é exatamente um fato ruim. A pergunta relevante é: O Brasil ainda precisava de industrialização nesse período? Nós achamos que sim, quer dizer, ter deixado de ter a indústria como um “motor” de seu crescimento, fez com que a economia brasileira crescesse menos do que poderia. Isso significa menos empregos, menos qualidade de vida da população. Entretanto, não houve uma desindustrialização no sentido absoluto, ou seja, perda de setores inteiros da indústria, ou mesmo retrocessos no setor industrial como um todo.

IHU On-Line - Qual é, hoje, a influência da indústria no crescimento econômico do país?

Júlio Gomes de Almeida - Hoje, o “peso” da indústria na economia é de 20% - me refiro à indústria de transformação -, mas já foi cerca de 30%, nos anos 70. Esses números demonstram que a participação da indústria encolheu. Observei que, em si, esse processo não é mal, depende do estágio em que a economia se encontra. Em países desenvolvidos é normal que a indústria retroceda como participação no PIB e que o setor de serviços ganhe uma dimensão maior. Mas isso ocorre quando o nível de renda está muito alto. Nesse contexto, a população diversifica seus gastos, compra mais serviços e a indústria deixa de ser um “motor” tão forte de impulso para a economia. Não é esse o caso do Brasil, que nos últimos 30 anos, sempre teve – e ainda tem – uma renda per capita relativamente pequena.

IHU On-Line – A criação de gigantes nacionais é uma política econômica do BNDES ou uma tendência mundial?

Júlio Gomes de Almeida - Reforço a ideia de que a crise, no país e no exterior, criou muitas oportunidades, permitindo que as empresas brasileiras tivessem um porte maior. Vejamos os exemplos na área de alimentos, celulose, carne e vários outros setores. As operações de fusão e união de empresas no Brasil estão crescendo extraordinariamente. O BNDES ganha dinheiro em operações de participação em outras empresas como na Petrobras, na Vale do Rio Doce por que foram feitas apostas no passado. Hoje, o banco está apostando em grandes empresas de vários setores, em processos de aquisição e fusão, também, eventualmente, para gerar, lá na frente, um grande crescimento na sua lucratividade. O BNDES é um banco de desenvolvimento e, que, enquanto tal, não tem, nas suas operações corriqueiras, uma grande rentabilidade, mas pode aumentá-la se tiver operações bem feitas, evidentemente, nessa área. De qualquer modo, é importante dar uma orientação de política industrial e também apoiar processos desse tipo, mesmo que nasçam do próprio mercado e tenham capacidade de gerar retorno lá na frente.

IHU On-Line - A criação de multinacionais, transnacionais indica que postura em relação à industrialização do país?

Júlio Gomes de Almeida - O Brasil precisa ter grandes empresas. Não diria que isso está sendo gerado, hoje, em função do BNDES e, sim, por questões de mercado; é um processo que nasceu no setor privado. No entanto, o BNDES não se furtou, analisando as operações e achando que elas tinham retorno, a financiar processos de fusão entre instituições. Não vamos esquecer que o Brasil não tem um mercado de capitais e crédito de longo prazo desenvolvidos. O BNDES tem cumprido o papel que o mercado de capitais ainda não cumpre e que o banco não cumpria antes. Então, caso tenha uma operação que permita o engrandecimento das empresas brasileiras no país ou no exterior, ele financia. Se aparece mais operações ou oportunidades no setor x ou y, é uma questão de mercado.
As empresas nacionais engrandeceram e aumentaram seu porte. A criação de empresas maiores se deu por que uma delas quebrou, como é o caso da Sadia X Perdigão, o caso do Grupo Votorantim etc. Por outro lado, foram criadas diversas oportunidades para que empresas brasileiras aumentassem seu porte, inclusive, comprando instituições internacionais. Independente do setor, vejo tudo isso de forma positiva.
No entanto, é preciso trabalhar os dois pólos: grandes empresas de um lado e, de outro, empresas de menor porte, dinâmicas em cadeias de produção, que unifiquem e deem margem à atuação dos dois blocos.

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