Edição 337 | 09 Agosto 2010

Viver na fronteira dos pobres, nas praças dos descrentes, na fronteira dos últimos

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Graziela Wolfart

Pedro Lamet entende o trabalho na fronteira como arriscado, porque há que ter um pé em cada lado para tornar possível o diálogo. “Essa dupla pertença, a Deus e ao mundo, pode nos tornar eficazes, mas, ao mesmo tempo, pode nos fazer sucumbir”, explica

"Os verdadeiros desafios para a Igreja hoje são os de sempre: parecer-se com Jesus, encarnar sua palavra e fazer-se inteligível para nossa cultura e nosso século. Especialmente entre os jovens. A Igreja tem que sair dos ‘castelos de inverno’ e viver na fronteira dos pobres, nas praças dos descrentes, na fronteira dos últimos, dos esquecidos. Isto lhe devolverá a credibilidade”. A reflexão é do padre jesuíta espanhol Pedro Miguel Lamet, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ele percebe que “hoje mais do que nunca fazem falta homens de estudo que analisem em profundidade os sinais dos tempos. Não para se fechar neste pensamento único que nos devora e nos desnaturaliza, mas para fazer o mundo despertar de seu sonho tecnológico e de sua obsessão economicista. Hoje, mais do que nunca, fazem falta mestres espirituais que nos façam tomar consciência de que a vida verdadeira não está nos bancos, nas multinacionais e na bolsa de valores. Que há outra vida nas pessoas e na rua, que há no interior do homem um manancial que busca a vida eterna. O Vaticano II, longe de ser esquecido, deve ser potencializado, sobretudo em seus acentos no povo de Deus, no diálogo com outras religiões, na sociedade e na cultura”. Lamet fala ainda de Pedro Arrupe, que, para ele, “foi um homem santo e alegre, simples e próximo, provado pela dor e pela incompreensão, um homem humilde e iluminado, outro Santo Inácio de Loyola, considerando as distâncias, para o mundo de hoje”.

Pedro Miguel Lamet, poeta, escritor e jornalista ingressou na Companhia de Jesus, em 1958. É licenciado em Filosofia, Teologia e Ciências da Informação e formado em Cinematografia. Posteriormente, foi professor de Estética e Teoria do Cinema nas Universidades de Valladolid, Deusto e Caracas, sem nunca abandonar a crítica literária e cinematográfica. Como escritor, publicou poesia, ensaio, biografias, crítica literária e cinematográfica. Lamet escreveu vários livros entre os quais: Arrupe, una explosión en la Iglesia (Madri: Editora Temas de Hoy, 1989). A nona edição foi publicada com o título: Arrupe, un profeta para el siglo XXI (Madri: Editora Temas de Hoy, 2001); Juan Pablo II, Hombre y Papa (1995-2005); Un jesuita sin papeles (2005), sobre José María Díez-Alegría. Também publicou a novela histórica El caballero de las dos banderas: Ignacio de Loyola (2000).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais os principais desafios para a Igreja hoje? Por exemplo, como enfrentar a questão da pedofilia?

Pedro Lamet - O principal desafio da Igreja de hoje não é a pedofilia. A pedofilia é um pecado, que por desgraça, como os outros pecados (ambição de poder e dinheiro, orgulho, inveja, corrupção, violência), sempre estiveram presentes na Igreja. O que acontece é que essa questão se destaca porque ela se converteu em um escândalo maiúsculo, por sua excitação midiática, e acabou se tornando um negócio para vítimas e, sobretudo, para os advogados. Por exemplo, a pederastia no seio das famílias (pais e tios) é muito mais grave e frequente e não “vaza” tanto para a opinião pública. Eu penso que isso pode ter um lado bom, como uma forma de purificação de nosso orgulho clerical de seres sagrados e intocáveis. Somos apenas pobres homens, nada mais, como os demais em busca de Deus, mas com algumas obrigações maiores de dar exemplo e ser guias dos demais. Os verdadeiros desafios para a Igreja hoje são os de sempre: parecer-se com Jesus, encarnar sua palavra e fazer-se inteligível para nossa cultura e nosso século. Especialmente entre os jovens. A Igreja tem que sair dos “castelos de inverno” e viver na fronteira dos pobres, nas praças dos descrentes, na fronteira dos últimos, dos esquecidos. Isto lhe devolverá a credibilidade.

IHU On-Line - Como os missionários jesuítas podem contribuir para avançar na caminhada da Igreja a partir da missão da Companhia de Jesus e das discussões propostas no Concílio Vaticano II?

Pedro Lamet - A Companhia de Jesus tem uma brilhante história no caminho da inculturação, de Ricci e Nobile e a pastoral educativa e intelectual, à Ratio Studiorum  e inclusive São Francisco Xavier. Hoje mais do que nunca fazem falta homens de estudo que analisem em profundidade os sinais dos tempos. Não para se fechar neste pensamento único que nos devora e nos desnaturaliza, mas para fazer o mundo despertar de seu sonho tecnológico e de sua obsessão economicista. Hoje, mais do que nunca, fazem falta mestres espirituais que nos façam tomar consciência de que a vida verdadeira não está nos bancos, nas multinacionais e na bolsa de valores. Que há outra vida nas pessoas e na rua, que há no interior do homem um manancial que busca a vida eterna. O Vaticano II, longe de ser esquecido, deve ser potencializado, sobretudo em seus acentos no povo de Deus, no diálogo com outras religiões, na sociedade e na cultura.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a questão dos Legionários de Cristo? Que relação pode ser estabelecida entre eles e os jesuítas?

Pedro Lamet - Não consigo compreender essa história tremenda de Maciel , como foi ocultada durante o pontificado anterior e inclusive potencializado os legionários como um "movimento modelo". Estes reivindicavam o “inacianismo” autêntico já que seu fundador se formou na Universidade Pontifícia de Comillas, em Madrid. Mas se centravam na parte mais conservadora de nossa tradição e criticavam nossa atualização depois do Concilio. É estremecedor que João Paulo II abraçou e louvou Maciel e desautorizou o padre Arrupe, quando este último lhe obedeceu até o final e morreu mártir de suas incompreensões, enquanto Maciel fazia “das suas”, abusando até de seus filhos naturais. Espero que as medidas de Bento XVI com esta congregação gerem seus frutos e possam endereçar essa árvore para o bem deles e também da Igreja. Quando eu dirigia a revista semanal Vida Nueva, alguns bispos me criticavam por contar algumas coisas que aconteciam na Igreja. A longo prazo, é bom que se saiba dos fatos, para que sejam limpos. Talvez por isso Pio XII  defendeu a necessidade de uma opinião pública na Igreja.

IHU On-Line - Qual a principal herança do Pe. Pedro Arrupe para a missão social dos jesuítas no mundo? 

Pedro Lamet - Arrupe estendeu uma ponte entre Oriente e Ocidente; injetou ânimo e alegria em seus companheiros; convenceu-nos de que a promoção da justiça é uma clara consequência de nossa fé. Acreditava no homem, nos jovens, estava convencido de que um cristão "deve levar o futuro nas entranhas" e que "não pode deixar de ser otimista porque crê em Deus". E de que "Deus talvez nunca esteve tão perto de nós porque nunca estivemos tão inseguros". Adiantou-se profeticamente em temas como a libertação integral do homem, a promoção da mulher, das ONGs, a luta pela justiça, pelos deportados, o diálogo com as culturas. Creio que Arrupe continua vivo em centenas de jesuítas e cristãos de hoje.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição