Edição 337 | 09 Agosto 2010

Viver na fronteira dos pobres, nas praças dos descrentes, na fronteira dos últimos

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Graziela Wolfart

 

IHU On-Line - Quais as características mais marcantes de Díez Alegría que podem servir de exemplo aos missionários jesuítas no sentido de estar a serviço da fé e de promover a justiça? 

Pedro Lamet - Escrevi uma trilogia biográfica de personagens do século XX, que é como um triângulo, cujos ângulos representam três posturas distintas, mas adjacentes, de homens de Igreja diante do mundo de hoje: a de João Paulo II, que em minha opinião foi um revisionista ou restauracionista do passado eclesial frente ao Vaticano II, em moldes modernos; a de Pedro Arrupe, que representa a explosão eclesial de sua experiência em Hiroshima ao encontro dos grandes desafios do futuro desde a Companhia; e a de José María Díez-Alegría , terceiro ângulo do triângulo, que é a vida de um homem de fronteira, que inclusive se situa fora e grita com bom humor e valentia à instituição suas infidelidades ao Evangelho de Jesus. Os três abarcam um século do que estamos vivendo hoje. Alegría foi um pioneiro, um precursor da Teologia da Libertação . Mas eu fico, sobretudo, com Arrupe, porque, além disso, foi um homem santo e alegre, simples e próximo, provado pela dor e pela incompreensão, um homem humilde e iluminado, outro Santo Inácio de Loyola, considerando as distâncias, para o mundo de hoje.

IHU On-Line - Qual a importância de resgatar o episódio do assassinato dos jesuítas mártires em El Salvador em relação à missão social dos jesuítas no mundo?

Pedro Lamet - Ellacuría  e seus companheiros se converteram em um símbolo de liberdade e fortaleza para a América Latina e para o mundo, vivida desde os princípios evangélicos, frente a um mundo corrompido e uma oligarquia que explora aos pequenos. Por isso os mataram. Sua voz e sua mensagem, proclamada desde um contexto universitário, era uma bofetada a uma situação incrível de injustiça. O contraste e o descaramento continuam hoje vigentes, quando lembramos que os assassinos ainda não foram julgados. A omissão da Igreja em considerá-los mártires é outra faceta de que ainda sua mensagem não foi ouvida. Nisso Díez-Alegría tinha razão, quando dizia que a Igreja traiu Jesus no tema da propriedade privada.

IHU On-Line - De que maneira os jesuítas têm contribuído com a missão de promover o diálogo cultural inter-religioso?

Pedro Lamet – Talvez esta pergunta devesse ser feita ao padre geral da Companhia, que estará mais informado do que eu. Creio que nas últimas décadas nós, jesuítas, temos trabalhado no difícil avançar das fronteiras: a fronteira das descrenças, da injustiça, a fronteira dos avanços científicos, da solidariedade, da cultura criativa, etc. Trabalhar na fronteira é arriscado, porque há que ter um pé em cada lado para tornar possível o diálogo. Essa dupla pertença, a Deus e ao mundo, pode nos tornar eficazes, mas, ao mesmo tempo, pode nos fazer sucumbir. É o que fazia Teilhard de Chardin  ao se auto-definir como "filho do Céu e filho da Terra". Com relação ao diálogo entre as religiões, tenho a sensação de que o caminho do entendimento nunca será a teologia, mas a mística , desde a experiência de Deus mais que desde a reflexão sobre Deus. Há um longo caminho a percorrer e compartilho a tese de Karl Rahner  de que, se o século XX foi o século do homem, o século XXI será o século de Deus. A mística, uma mística da troca, acessível e próxima, começa por novos caminhos a entrar no povo, que encontrará cada dia mais ao alcance de sua mão a experiência direta de Deus.

IHU On-Line - Para o senhor, como jesuíta, qual a importância de manter um blog? Como descreve essa experiência?

Pedro Lamet - Em um primeiro momento tive medo do blog (http://www.pedrolamet.com/). Apesar de minha longa experiência de escritor, com 36 livros publicados, e como jornalista, acostumado ao imediatismo, não me agrada que os blogs, às vezes, se convertam em lixeiras dos baixos instintos: as pessoas insultam, se expressam de maneira vulgar, e se escondem embaixo do anonimato. No entanto, tive a sorte de entrar em um portal sério e de qualidade (http:// www.21rs.es) onde tenho a possibilidade de filtrar o spam e suprimir os posts das pessoas que não se expressam com um mínimo de educação. Desta maneira, está sendo uma maneira nova e valiosa de comunicação. Sem os condicionamentos dos grandes meios, onde nem sempre podes escrever o que queres, aqui assim que quero publico um poema, uma legenda, uma crônica, um comentário ou um pequeno artigo de espiritualidade. E o escritor vive a experiência de receber um feedback, um eco muito interessante do que escreve, o que o enriquece e às vezes inclusive lhe assombra. Trata-se de um modo novo de crescimento humano e inclusive de evangelização e proclamação da palavra muito próximo, livre e direto.  


Leia mais...

>> Pedro Lamet já concedeu outra entrevista à IHU On-Line.

* Francisco Xavier: o aventureiro de Deus. Publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU, em 18-08-2006.

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