Edição 300 | 13 Julho 2009

Dossiê especial Caritas in veritate

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Graziela Wolfart e Patricia Fachin | Tradução de Benno Dischinger

 

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“As medidas sugeridas fazem parte do receituário destinado a fazer a economia capitalista funcionar”, diz Plínio de Arruda Sampaio à IHU On-Line, referindo-se a encíclica Caritas in veritate, publicada pelo Papa Bento XVI na última semana. Crítico ao texto, o economista enfatiza que “nada é dito a respeito da necessidade de superar o modo de produção capitalista, cuja lógica interna é o fator determinante da crise”.

Para ele, a Igreja católica não tem liberdade para fazer os apontamentos descritos na encíclica. E justifica: “Só poderá adquiri-la, quando surgir um Papa capaz de pôr em prática o conselho de Dom Hélder Câmara a Paulo VI: ‘Livre-se do Vaticano, entregue-o para a Unesco e vá morar, como São Pedro, na periferia de Roma.’” O artigo a seguir foi produzido com exclusividade para a IHU On-Line desta semana, e expressa a opinião do economista e do Correio Cidadania, onde atua como diretor.

Plínio de Arruda Sampaio é graduado em Direito, pela Universidade de São Paulo. Participou da Ação Popular, organização católica com orientação de esquerda. Foi relator do projeto de Reforma Agrária, que integrava as Reformas de Base do governo João Goulart. Criou a Comissão Especial de Reforma Agrária e propôs um modelo de reforma que indignou os grandes latifundiários do Brasil. Obteve o título de mestre em Economia Agrícola, nos Estados Unidos, onde se exilou durante a ditadura. Ao retornar ao Brasil, se engajou na campanha pela abertura do regime militar e pela anistia dos condenados políticos. Filiou-se ao PT em 1980, onde foi autor do estatuto do partido. Em 2005, desligou-se do PT e aderiu ao PSOL.

Confira o artigo.

As encíclicas são preparadas pelos assessores do Papa, obviamente, segundo suas instruções. Caritas in veritate, a recente encíclica de Bento XVI não foge a esse modelo. O texto evidencia que os assessores econômicos do Papa não ultrapassaram o “main stream” das análises voltadas para defender o capital nestes tempos de aguda crise econômica mundial.

As medidas sugeridas fazem parte do receituário destinado a fazer a economia capitalista funcionar. Nada é dito a respeito da necessidade de superar o modo de produção capitalista, cuja lógica interna é o fator determinante da crise e, portanto, dos sofrimentos que a Encíclica aponta.

Encíclicas são cartas que o Papa envia aos cristãos e não cristãos de todo o mundo, expondo a doutrina social da Igreja, chamadas de “encíclicas sociais”. Elas fazem parte de um longo processo de reconciliação do Vaticano com o mundo que surgiu da Revolução Francesa. Trata-se de reparar – aos pouquinhos e cautelosamente – os estragos que furibundas encíclicas como Mirari Vos,  Syllabus , Quanta Cura, Pascendi Domini  causaram no relacionamento da Igreja com a república burguesa, com a classe operária e com a sociedade moderna.

Caritas in Veritate é um passinho a mais nessa sequência de encíclicas iniciadas com a Rerum Novarum, em 1891. Porém, não mais do que isso. A linguagem continua prolixa e ambígua; a idéia de “cristandade” subjaz tanto ao diagnóstico como às recomendações.

Mas, pelo menos, contém críticas ao egoísmo das nações desenvolvidas; às leis de proteção da propriedade intelectual; ao abandono das redes de proteção social. E tem também o mérito de não incluir, como as encíclicas precedentes, nenhuma condenação explícita do socialismo e do comunismo.   

Neste sentido, tendo em vista as últimas posições da Igreja vaticana, a encíclica constitui um avanço. Falta, porém, avançar muito mais para libertar essa fala do Papa das limitações impostas pelas “razões de Estado” e, portanto, possibilitar um dizer mais claro, menos prolixo e menos cheio de circunlóquios, a respeito das causas dos males que aponta.

Pobreza, fome, endemias, corte nos direitos trabalhistas, pressões econômicas sobre os países subdesenvolvidos, poluição do meio ambiente – todos esses males são causados pela lógica do sistema do capital e não serão abolidos apenas com apelos à generosidade das pessoas.
A Igreja vaticana não tem liberdade para dizer essa verdade. Só poderá adquiri-la, quando surgir um Papa capaz de pôr em prática o conselho de Dom Hélder Câmara  a Paulo VI:  “Livre-se do Vaticano, entregue-o para a Unesco e vá morar, como São Pedro, na periferia de Roma”.

Leia mais...

>> Plínio de Arruda Sampaio já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Elas estão disponíveis na página eletrônica do IHU (www.unisinos.br/ihu).

Entrevistas:

• Lula e a crise. “Mais perdido do que cego em tiroteio”, publicada em 5-3-2009;

• Movimentos sociais e criminalização: “Quando acende uma luz vermelha é preciso procurar a causa do problema”, publicada em 25-7-2008;

• “Lula capitulou. Não quer nem ouvir falar em alternativas populares”, publicado em 11-2-2008;

• “Lula tem uma possibilidade longínqua de topar um confronto com a direita; Alckmin, não”, publicada em 27-10-2006.

Baú da IHU On-Line

>> O sítio do IHU publicou um amplo material antes e depois da publicação da encíclica Caritas in veritate. Confira algumas notícias.

• A encíclica social que liberta o pensamento. Publicada em 10-7-2009;

• A primeira encíclica social de Bento XVI foi publicada nesta manhã. Publicada em 7-7-2009;

• A encíclica e as sementes do pós-catolicismo. Publicada em 6-7-2009;

• Chaves de leitura da encíclica de Bento XVI. Publicada em 4-7-2009;

• “A economia solidária entra na encíclica do Papa”. Publicada em 2-7-2009;

• A crise muda a encíclica. Publicada em 1-7-2009;

• Ao antecipar nova encíclica, Bento repete discurso sobre ‘ditadura do relativismo’. Publicada em 1-7-2009;

• Papa Bento XVI assina encíclica sobre globalização. Publicada em 30-6-2009;

• A encíclica atrasada: culpa do latim. Publicada em 28-6-2009;

• A crise inspira nova encíclica. Publicada em 26-6-2009;

• Uma encíclica do Papa contra paraísos fiscais. Publicada em 16-6-2009.

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