Edição 339 | 16 Agosto 2010

Limitar a propriedade da terra, uma “insanidade”

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Márcia Junges

 

IHU On-Line – Como os estrangeiros estão usando a terra aqui no Brasil?

Zander Navarro – Não se sabe, a não ser superficialmente, pois sequer o Incra oferece uma informação mais precisa e esclarecedora. Existem diversas informações assistemáticas sobre algumas situações específicas. Um levantamento parcial com especialistas em mercados de terras, nas regiões mais dinâmicas da agricultura brasileira, indica que a presença de capitais externos é ainda muito marginal, em relação ao total, usualmente associado a empresários rurais brasileiros. Na realidade, a pujança econômica deste setor, que cresceu notavelmente nos últimos vinte anos pelas mãos dos empreendedores nacionais, de certa forma bloqueia a presença destacada de capitais externos. Ou seja, o “instinto de lucro” que move os empresários brasileiros deste setor contribui fortemente para obstruir, senão impedir, as chances dos empreendedores externos. Lembrando, igualmente, que a atividade agropecuária, a não ser em momentos excepcionais de demanda (como ocorreu durante alguns anos da presente década), raramente é lucrativa o suficiente, se comparada relativamente aos investimentos realizados em outros setores econômicos. Desta forma, momentos de grande liquidez internacional não significam, necessariamente, que investimentos na agricultura brasileira poderão ser atraentes para ampliar a presença estrangeira neste setor. 

IHU On-Line – Em que aspectos o Novo Código Florestal brasileiro poderá causar impactos no tamanho das propriedades?

Zander Navarro – É impossível, no momento, asseverar tal relação, se esta existir. Existe um Código atualmente vigente que impõe um conjunto de restrições e, além disto, acarretará diversas consequências, quando a moratória assinada pelo atual governo deixar de existir, o que penalizará, inclusive, um enorme número de pequenos produtores rurais. E existe a proposta de revisar o Código, o chamado “substitutivo Aldo Rebelo” , que foi tornado público em junho. O Congresso Nacional, provavelmente, discutirá as mudanças somente no próximo ano, quando for renovado o Legislativo e, assim, desenvolvida sob outra conjuntura política.
Seria irresponsável, portanto, indicar mais firmemente o que poderá ocorrer. Este debate tem sido marcado por polaridades indesejáveis, seja pelo fundamentalismo ambiental desejoso de manter o atual Código a qualquer preço, ignorando que não existe mais o Brasil que viu a assinatura deste documento, em 1965, como, igualmente, pelos esforços de setores econômicos que desconsideram os imperativos dos tempos atuais e pretendem revogar a maioria dos preceitos ambientais, atualmente tão necessários. O substitutivo, se lido mais friamente, pretende, em especial, regularizar as situações de indefinição existentes e modernizar o Código, inclusive sugerindo o desenvolvimento de um “mercado ambiental”. Este poderá representar um mecanismo (entre outros) que não promova mais devastação e que regularize a situação daqueles que poderão se ver como criminosos ambientais; isto quando a moratória citada for levantada – a vasta maioria, saliente-se, é formada de pequenos produtores. É evidente que o substitutivo poderá ser aperfeiçoado, sendo o que se espera quando for discutido nos próximos meses, prevalecendo a sensatez equidistante daqueles dois extremos referidos. 

IHU On-Line – Percebe relações entre a limitação da propriedade da terra com uma tentativa de implementação da reforma agrária? Por quê?

Zander Navarro – Como antes mencionado, a sugestão de limitar o tamanho da propriedade da terra é oriunda de setores sociais que têm motivações políticas bastante nítidas, os quais se situam em locus do espectro político que é atualmente bastante marginal, em termos de sua influência. É, sem dúvida, mais uma tentativa de relançar um tema que vai morrendo no Brasil, o da reforma agrária, pois se trata de uma política governamental que deixou de ter qualquer essencialidade, sob qualquer ângulo (inclusive o social) no Brasil de nossos dias. Como já escrevi em diversos outros textos, não existe mais demanda social relevante pela reforma agrária em nosso país, hoje restrita a pequenos bolsões e, desta forma, o futuro agrário brasileiro deve manter uma singular dualidade estrutural, se comparado com outros países de desenvolvimento econômico capitalista mais avançado (onde, com a exceção única da Austrália, predomina uma agricultura de farmers). No Brasil, manteremos, cada vez mais, uma agricultura capitalista empresarial de larga escala, especialmente no Centro-Oeste (ou outras regiões agrícolas bem delimitadas, como a zona canavieira paulista) e uma agricultura de pequenos estabelecimentos sob gestão familiar, este segmento sendo mais forte especialmente nos três estados do Sul. Será impossível evitar esta dualidade e sobre ela é que precisamos discutir o futuro rural do Brasil.

Leia mais...
Confira outra entrevista concedida por Zander Navarro ao sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU:
* ''Faz sentido ainda uma política de Reforma Agrária regional. O que não faz sentido é a política de Reforma Agrária nacional'', publicada nas Notícias do Dia 21-04-2009.

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