Edição 339 | 16 Agosto 2010

Limitar a propriedade da terra, uma “insanidade”

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Márcia Junges

 

IHU On-Line – Como vê o debate no Brasil sobre essa limitação da propriedade da terra?

Zander Navarro – Por que não afirmar mais claramente as motivações existentes? Quem realmente defende a limitação da escala da atividade produtiva agropecuária no Brasil? São apenas dois agrupamentos sociais, claramente identificáveis. Primeiramente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST), PSOL, PSTU e outros), além de seus aliados sociais, especialmente setores de estudantes universitários e uma parte (cada vez menor) do campo petista. Representam uma visão, atualmente muito circunscrita e periférica, de um “campo de esquerda” que vai sendo reduzido com o passar do tempo. Não apenas porque não tem alternativas sociais e econômicas inteligíveis para oferecer, mas porque são setores que tem sido incapazes de rediscutir sem dogmatismo o significado e o lugar social da esquerda em nossos dias, o que é uma agenda relevante, porém escapa ao assunto principal desta entrevista. Em segundo lugar, há outro segmento, este sociologicamente mais curioso, formado pelos aderentes de um catolicismo relativamente radicalizado, que ainda evoca ideias da Teologia da Libertação , os quais se associam à utopia de um comunitarismo cristão, sonhador de coletivos rurais “não integrados aos mercados”, produzindo para a autossubsistência e voltados especialmente à sua própria coesão social. São ideias curiosas porque defendidas particularmente por segmentos sociais urbanos que pouco conhecem sobre o meio rural, mas são noções que se tornam bizarras por que essas situações sociais de relativa autonomia e autarquia, em regiões rurais, não existem mais, e suas chances de ressurgirem, é claro, igualmente inexistem. Ou seja, são noções absolutamente fantasiosas, tão presentes em determinados âmbitos urbanos e católicos.

IHU On-Line – Como percebe o avanço do capital estrangeiro sobre as terras em nosso país?

Zander Navarro – Existe claramente uma tendência à “estrangeirização” no uso das terras para fins produtivos, em diversos países, e não apenas no Brasil. Há uma aposta por parte de investidores na elevação do preço dos alimentos (tendência que não parece ser provável), e esses pretendem apenas recolher os lucros correspondentes. Outros, em associação com seus respectivos governos, objetivam garantir a segurança alimentar futura de seus países, sobretudo em face das mudanças climáticas. Para tanto, procuram acordos com governos de países onde existe ainda alguma abundância de terras (países, por exemplo, como Madagascar ou Moçambique, entre outros), no sentido de iniciar atividades de produção agrícola de forma mais intensiva naqueles locais. O Brasil, em face de seu tamanho continental e a excepcional possibilidade de expandir a sua fronteira agrícola, é um alvo preferencial. Mas existem obstáculos previstos em lei e, desta forma, a entrada de capitais externos na produção agrícola, na atualidade, somente pode ocorrer na forma de associação com brasileiros. Provavelmente, em algumas situações, “laranjas” têm sido utilizados para tal finalidade, mas certamente em casos isolados, sem representativa estatística. Ou seja, dependerá do Estado brasileiro o controle de tais situações, pois a ele cabe a fiscalização deste movimento.

IHU On-Line – Deve haver um mecanismo para limitar a internacionalização de terras brasileiras? Por quê?

Zander Navarro – Depende da perspectiva de cada um sobre a natureza e os caminhos da economia brasileira. Para aqueles que entendem que o país faz parte de um mundo globalizado, no qual poderá ter um papel crescentemente relevante, a limitação, não apenas do tamanho da propriedade, mas do papel do capital externo nas atividades agrícolas, jamais deveria existir. Neste caso, prevalece especialmente uma ótica econômico-financeira visando à dinamização capitalista da agricultura. Para outros, existem imperativos ambientais (já citados) ou sociais (por exemplo, os baixíssimos salários pagos aos assalariados rurais) e, para esses, ou se mantém a atual legislação, que restringe a presença daqueles capitais, ou até mesmo se proíbe totalmente que esses investimentos ocorram, reservando-os apenas aos cidadãos brasileiros. E, finalmente, existem as correntes neoutópicas e ultranacionalistas, que não apenas querem o total afastamento de capitais de origem externa, como almejam mudanças mais radicais, como o limite ao tamanho da propriedade e uma “recampesinização” do mundo rural brasileiro. Esta última visão é impossível de prosperar e não merece sequer ser discutida, enquanto que a primeira é relativamente irresponsável em relação ao futuro do Brasil, movendo-se apenas pelo interesse de curto prazo. Creio que a segunda via é a que mais atende aos nossos interesses como nação: o capital estrangeiro seria bem-vindo, em associação com capitais nacionais, para dinamizar a economia rural, mantidos certos controles legais, como os imperativos ambientais e sociais acima referidos – mas não o limite de propriedade.

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