Edição 366 | 20 Junho 2011

Carlos Roberto Velho Cirne-Lima

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Márcia Junges



Estudos
Em 1939 comecei o Primário no Colégio Anchieta. Em 1945 terminei o Ginásio. Em 1946, estive em Salvador do Sul para estudar latim. De 1947 a 1949, estive no Pareci Novo fazendo noviciado e juniorado, além de estudar grego e latim. Então, de 1947 em diante, fui jesuíta e uma continuação do meu pai. Aquilo que os jesuítas tinham feito em 1880 meu pai continuou exacerbado e eu continuei mais exacerbado ainda.
Na continuação desse processo, como eu era bom aluno, em outubro de 1949 os jesuítas me enviaram para cursar Filosofia na Alemanha, numa época em que o país estava destruído pela guerra. Ainda havia fome por lá, e distribuíam aqueles selos de racionamento, porque não havia comida suficiente. Passei três anos no Pullach, com os melhores professores de filosofia que os jesuítas tinham no mundo: De Vries, Lotz, Brugger, autor do famoso dicionário de filosofia.

Aluno de Rahner, colega de Ratzinger
Formei-me filósofo e passei meio ano no Brasil. Dei aulas no Colégio Cristo Rei, em São Leopoldo, e voltei à Alemanha em 1949. Em 1950 e 1951 estudo Filosofia. Em 1952 inicio o curso de Teologia. Volto aí a Frankfurt. Lá, os jesuítas tinham começado um curso nessa área, mas não me dei bem com os professores novos. Por isso, fiquei apenas um ano. Em 1953, saí desse colégio de Frankfurt, instalando-me no Colégio de Innsbruck, onde passei três anos. Lá, fui aluno de Karl Rahner , certamente o maior teólogo católico do século XX, e até hoje o é. Por três anos fui seu aluno em praticamente todos os semestres, três horas por semana, no mínimo, além de cursar um seminário de tarde inteira, semanal. Essa convivência com Rahner foi muito boa e amistosa.
Foi nessa época em que conheci Joseph Ratzinger , como colega. Ratzinger entrou um ou dois anos antes de mim. Ele se formou e eu ainda continuei. Logo, passa a ser bispo em um lugar pequeno na Alemanha. De lá, ele volta todas as semanas para Innsbruck a fim de participar do seminário semanal com Rahner. Então, no início, participava como teólogo e depois como jovem bispo.

Discordâncias teológicas
Já naquele tempo, Rahner e eu começamos a discordar teologicamente um do outro. O motivo era o conceito de Deus. O conceito de Deus que os jesuítas tinham naquela época remontava à Idade Média, e era de um Deus transcendente. Então, o mundo estaria aqui, no plano físico, e fora dele havia Deus. Assim, Deus não estava dentro do mundo, e o mundo não era Deus. Rahner e outros começam a dizer teologicamente que esse Deus, além de transcendente, era imanente, e estava aqui, conosco. Essa concepção será muito importante porque todo o Concílio Vaticano II  irá girar em torno disso, numa luta de mostrar que a igreja é o Deus imanente. Então, Deus é transcendente mas imanente também, portanto a igreja é o Deus imanente. Só que aí as opiniões começaram a divergir. Comecei a me afastar das concepções de Rahner. Eu pensava que não era possível ser imanente e transcendente ao mesmo tempo. Rahner debatia comigo e eu insistia em minha opinião. No Concílio, Ratzinger tomou outra posição, acentuando ainda mais a imanência contra a transcendência.

Saída da Companhia de Jesus
A partir dessa discussão, saio da ordem porque não concordo com esse conceito de Deus. Em 1956 peço demissão aos jesuítas. E o motivo que me fez tomar essa atitude é que Rahner e os jesuítas tinham um conceito de Deus que era, ao mesmo tempo, transcendente e imanente, o que para mim era algo contraditório. E se era só transcendente, estava errado. A imanência é a totalidade, mas não é algo que é contrário à transcendência. Há uma diferença entre uma totalidade e o conteúdo de uma totalidade, mas trata-se de uma diferença muito pequena porque não pode haver uma totalidade sem conteúdo. Então, naquela época eu discordava dizendo que o mundo era uma totalidade, Deus era uma totalidade e esse Deus era o mundo. Sustentava que não era possível separar as coisas. Respondiam-me que eu estava perdendo o Deus transcendente, porque se dizia que Deus é a totalidade, tudo é Deus, então Deus desapareceu. Essa foi a grande discussão que tive com Rahner e Ratzinger e que me fez sair da Ordem. Passei um semestre no Brasil avaliando minha decisão e saí oficialmente em agosto de 1959. Decidi ter a minha religião, o meu Deus. Não tinha compromisso nem com Ratzinger, nem posteriormente com o Concílio Vaticano II. Rahner e Ratzinger continuaram com o Concílio. Rahner disse-me que era preciso fazer concessões, pois, caso contrário, seria impossível aprovar algo no Concílio. Eu respondi-lhe que não se podia fazer concessões erradas sobre coisas tão importantes. Assim, Rahner e eu brigamos. Depois de anos, ambos nos arrependemos, mas não nos encontramos mais. Soube através de Leonardo Boff , que foi seu aluno, que ele perguntava por mim e pedia notícias minhas.

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