Edição 366 | 20 Junho 2011

"Não podemos associar a mudança de religião a uma questão de classe social"

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Graziela Wolfart

Para a socióloga Silvia Fernandes, as Igrejas que pretendem recuperar os seus fiéis devem estar atentas às demandas desses indivíduos e atuar numa lógica de apoio, solidariedade e presença e menos numa lógica normativa e tradicionalista

Para entender o desafio da Igreja em relação à população da chamada nova classe média, “é importante investigar o que vem mudando em seus hábitos e em suas formas de inserção social. Quero dizer que as Igrejas e outras instituições podem ou não estar contempladas nessa nova dinâmica. Pode ser, por exemplo, que aumente a demanda por lazer e viagens em contraposição às demandas religiosas”. A opinião é da socióloga Sílvia Fernandes, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. No entanto, ela alerta que “não podemos associar de forma radical a mudança de religião ou trânsito religioso somente a uma questão de classe social ou nível de instrução”.

Silvia Fernandes foi pesquisadora do Centro de Estatísticas Religiosas e Investigação Social (Ceris) durante muitos anos. Atualmente, é professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, é mestre e doutora em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Dentre outros livros, é autora de Jovens religiosos e o catolicismo – escolhas, desafios e subjetividades (Rio de Janeiro: Quartet/FAPERJ, 2010); Novas Formas de Crer-católicos, evangélicos e sem religião nas cidades (São Paulo: Promocat, 2009) e organizadora de Mudança de religião no Brasil – desvendando sentidos e motivações (São Paulo: Palavra e Prece, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como a senhora entende o desafio de aproximar a Igreja da nova classe média?

Silvia Fernandes – Primeiramente, quando nos referimos à “nova classe média” é importante conceituá-la. A partir do ponto de vista econômico – que implica renda – estamos nos referindo a cerca de 93 milhões de brasileiros que pertencem às classes C e D. O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA possui levantamentos específicos sobre as famílias brasileiras em que se pode ver, por exemplo, o grau de otimismo em relação ao futuro. Embora esse grau seja alto em famílias de diversas faixas de renda e níveis de instrução, ele é maior entre as que ganham acima de 10 salários mínimos e com nível de instrução superior completa, e menor entre a chamada nova classe média. Alguns analistas entendem que as famílias que migraram de classe são mais exigentes e cuidadosas em relação aos produtos que adquirem porque têm uma certa consciência de que, embora seu orçamento tenha melhorado, elas não podem errar em suas escolhas de consumo, sob pena de ter que ficar com um produto ruim até terem condições de substituí-lo. Obviamente, essa atitude não se aplicará ao campo religioso. As pessoas mudam de religião em busca de bem-estar, conforto, resolução de questões práticas. Precisamos saber se sua nova condição econômica reduzirá seus anseios de realização. Para além de critérios de renda e consumo, pouco sabemos sobre essa nova faixa da população. Por isso, falar de suas novas escolhas religiosas implica em colocar em pauta a premência de se conhecer os hábitos e modos de pensamento desses brasileiros que passam a assumir uma nova posição na sociedade. Para entender o desafio da Igreja em relação a essa população, é importante investigar o que vem mudando em seus hábitos e em suas formas de inserção social. Quero dizer que, as Igrejas e outras instituições podem ou não estar contempladas nessa nova dinâmica. Pode ser, por exemplo, que aumente a demanda por lazer e viagens em contraposição às demandas religiosas.

IHU On-Line – Como a questão da religião nas cidades nos ajuda a entender esse projeto da Igreja Católica de ampliar suas bases na nova classe média?

Silvia Fernandes – As formas de presença da Igreja Católica nos meios urbanos é uma preocupação institucional muito antiga. Tanto é que existe a Pastoral Urbana como um espaço de reflexão e implementação prática do catolicismo nas cidades. Contudo, não se percebe muita mudança na lógica de funcionamento da Igreja Católica nas cidades. A estrutura que contempla uma paróquia e várias capelas, ou comunidades que a ela são vinculadas, tem se mostrado pouco eficiente para garantir que os católicos se mantenham nessa religião ou com essa identidade religiosa. Algumas pesquisas que realizamos mostraram que a territorialidade é um importante elemento para a adesão a uma Igreja. No cenário urbano, o espaço onde se pratica a religião deve ser próximo à casa do fiel. Alguns declaram que mudaram de Igreja para uma outra mais próxima de sua casa ou eventualmente com mais horários de missa ou culto. Embora essa atitude de mudança de templo seja mais frequente entre os evangélicos, no universo católico ela também ocorre denotando um tipo de pragmatismo que se coaduna com a busca de soluções para a esfera emocional e material.

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