Edição 219 | 14 Mai 2007

“A questão da discussão do aborto é urgente”

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José Roberto Goldim, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, acredita que “é equivocado tratar do aborto descontextualizando o tema de suas múltiplas interfaces. A visão do tema, dentro de uma perspectiva de uma sociedade pluralista, é bastante desafiadora. Temos que buscar encontrar alguns consensos possíveis, e não uma resolução completa do tema”.

Goldim concluiu o doutorado em Medicina (Clínica Médica) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1999. Atualmente, é biólogo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, professor convidado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professor adjunto da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, professor convidado da Universidade do Porto e da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, biólogo do Conselho Regional de Biologia 3ª Região, membro do Conselho Consultivo da Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, membro de Comitê do Hospital Moinhos de Vento e sócio fundador da Sociedade Rio-grandense de Bioética. Possui 10 livros publicados, entre eles Aspectos éticos e legais dos transplantes de órgãos (2. ed. Porto Alegre: HCPA, 1996); Pesquisa em saúde: leis, normas e diretrizes (3. ed. Porto Alegre: HCPA, 1997); e Consentimento Informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000).

Goldim concedeu uma entrevista na edição número 205 da IHU On-Line, de 20 de novembro de 2006, sobre o filme O jardineiro fiel, exibido no dia 21 de novembro de 2006 durante o Ciclo Cinema e Saúde Coletiva, promovido pelo IHU. A seguir, a íntegra da entrevista que ele concedeu por e-mail sobre o tema do aborto:

IHU On-Line – Como se formula a questão do estatuto do embrião, considerando sua implicação na questão do aborto?
Jose Roberto Goldim -
A questão do estatuto do embrião deve ser discutida e refletida pelo conjunto da sociedade em todas as suas possíveis implicações e não apenas em relação à questão do aborto. Os embriões e fetos passaram a fazer parte do conjunto de seres morais que merecem uma ampla reflexão em relação aos limites de ações que podem ser feitas com eles. Trata-se de uma questão muito nova, que é uma continuidade da discussão sobre o estatuto da mulher, da criança, das minorias.
 
IHU On-Line – Em que consiste a abordagem ética do aborto (bioética hermenêutica) que não se reduz à abordagem jurídica ou sociológica (bioética casuística)?  
Jose Roberto Goldim -
A reflexão bioética, no sentido hermenêutico, como preconizado pelo professor José Roque Junges, é uma ampla abordagem dos aspectos teóricos, envolvendo as diferentes escolas éticas e bioéticas a respeito do tema. Na visão Principialista, o tema fundamental é caracterizar se o embrião pode ser merecedor do princípio do Respeito à Pessoa. Caso o seja, a questão da privacidade corporal passa a fazer parte da pauta das discussões. Da mesma forma, a questão da Beneficência, entendida no seu sentido mais amplo de fazer o Bem e evitar o Mal, também entra nesta abordagem. Por fim, o princípio da Justiça pode debruçar-se sobre o dever de todos nós perante o embrião. Se a abordagem muda para a Teoria dos Direitos Humanos, a principal questão passa a ser o reconhecimento do embrião como detentor de direitos, a começar pelo direito à vida. Na visão da Ética das Virtudes , poderiam ser feitas considerações de quais virtudes, isto é, traços de caráter adequados, nós precisamos ter frente a um embrião. Por exemplo, podemos ter compaixão e misericórdia por um embrião? O embrião já é capaz de ser amado? Por fim, uma última escola que poderia ser utilizada é a da Alteridade. O embrião pode ser considerado como um outro que me gera responsabilidades e que me permite reconhecer a mim próprio?

Estas seriam algumas poucas questões dentre outras tantas que poderiam ser pensadas.
 
IHU On-Line – O aborto é um problema para o qual é necessário encontrar uma solução ou é uma solução para outra questão não formulada?
Jose Roberto Goldim -
A questão da discussão do aborto é urgente. É fundamental discutir este tema, que é um dos mais delicados e difíceis de serem abordados. É equivocado, no entanto, tratar do aborto descontextualizando o tema de suas múltiplas interfaces. A visão do tema, dentro de uma perspectiva de uma sociedade pluralista, é bastante desafiadora. Temos que buscar encontrar alguns consensos possíveis, e não uma resolução completa do tema.
 
IHU On-Line – O problema do aborto poderia ter uma outra solução do que uma lei a favor ou essa é a única resposta?
Jose Roberto Goldim
- A solução legal é uma dentre tantas. Pode resolver ou aprofundar ainda mais a distância entre a prática e o ideal jurídico proposto. Mais importante do que propor uma lei é acatá-la. É discutir uma proposta de lei capaz de refletir um consenso da sociedade sobre o tema, quando então a lei que dele emerge se torna uma resposta a esta questão e não um desafio ou uma ameaça.
 
IHU On-Line – Em que medida se pode relacionar o fenômeno do aborto com a mentalidade abortista que banaliza a questão?
Jose Roberto Goldim -
Todos os temas têm diferentes questões e pontos de vista. Qualquer assunto nos mobiliza, nos faz pensar em um posicionamento. As intuições morais e as escolhas morais fazem parte do nosso dia-a-dia. O importante é reconhecer o que é crença ou desejo associado a uma discussão. O importante é trazer para o plano racional de deliberação o tema proposto, reconhecendo que as pessoas têm crenças e podem ser totalmente antagônicas, mas, mesmo assim, devem ser respeitadas e discutidas. Desta discussão pode emergir algo novo que permita construir uma solução e não a perpetuação do conflito.
 
IHU On-Line – É possível conjugar a defesa e a autonomia da mulher com a defesa do embrião?
Jose Roberto Goldim -
A questão do aborto não pode ser reduzida ao enfrentamento entre a autonomia da mulher a defesa do embrião. Se formos discutir esta questão de forma mais conseqüente, devemos pensar na questão do reconhecimento do embrião como pessoa ou não. Se desqualificarmos o embrião como pessoa, a questão se resolve facilmente. Se for aceito o critério de pessoa, deve-se cotejá-lo frente ao novo conflito que emerge, ou seja, um conflito entre autonomias da mulher e do embrião. Porém, não se pode reduzir uma questão tão complexa quanto esta ao simples choque entre duas autonomias pessoais. A discussão vai muito além, aprofundando-se de maneira impressionante.
 
IHU On-Line – O aborto pode ser considerado um método de controle da natalidade?
Jose Roberto Goldim -
De acordo com o estatuto conferido ao embrião, esta resposta pode ser sim ou não. O importante é não simplificar a questão. Toda simplificação implica em perda de complexidade, a qual gera mais incerteza pela perda de informações que o próprio processo de simplificação acarretou. Volto a repetir: o importante, nesta e em outras questões polêmicas, é manter o diálogo, permitindo que as diferentes correntes compartilhem suas ansiedades, desejos e crenças associados ao tema. A estruturação adequada do referencial e da experiência já acumulada sobre o tema permitirão chegar a alguns consensos, talvez não a uma solução ampla e final, mas a uma possível, dentro das circunstâncias atuais.

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