Edição 217 | 30 Abril 2007

O desafio de traduzir Hegel para o português

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

Para o filósofo Paulo Gaspar de Meneses, SJ, tradutor da obra Fenomenologia do espírito (Petrópolis: Vozes, 1992, 2 vols), “a maior dificuldade foi o entendimento exato do pensamento de Hegel, e em seguida foi vertê-lo para um português acessível e bonito”.

Sobre os pontos mais importantes dessa importante obra, que hoje completa dois séculos de lançamento, Meneses afirma: “O que eu mais destacaria na Fenomenologia, não seriam propriamente “Idéias”, mas a forma de pensar dialeticamente, “por verbos, e não por substantivos”, e menciona que “toda a filosofia posterior nela se inspira”.

Meneses é graduado em Filosofia pela Faculdade Pontifícia de Friburgo (FPF) e doutor em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), onde leciona no departamento de Filosofia. Coordena o Núcleo de Estudos da América Latina (NEAL) da Unicap. De sua autoria, citamos as obras Para ler A Fenomenologia do Espírito (São Paulo: Loyola, 1985) e A teoria da inteligência segundo Tomás de Aquino (São Paulo: Loyola, 1999). Suas traduções de Hegel foram as seguintes: Filosofia do espírito (São Paulo: Loyola, 1995) Lógica (São Paulo: Loyola, 1995) e Filosofia da natureza (São Paulo: Loyola, 1997).

IHU On-Line - O que significa traduzir Hegel para o português? Quais são as maiores dificuldades em traduzir esse pensador e o que se perde nesse processo? O senhor concorda que a linguagem hermética e o jargão hegeliano dificultam a interpretação correta do autor? O que se pode fazer para minorar as incompreensões com relação à sua obra?
Paulo Meneses -
Traduzir Hegel para o português foi uma difícil tarefa, mas necessária para colocar ao alcance dos estudantes e dos estudiosos em geral esse importante texto, já traduzido para tantas línguas, menos a nossa. A maior dificuldade foi o entendimento exato do pensamento de Hegel, e, em seguida, foi vertê-lo para um português acessível e bonito. Certamente, como digo na apresentação, “toda a tradução é por essência imperfeita”, e nesse processo se perde sempre alguma coisa ou nuança da linguagem original. Mas não considero a escrita de Hegel como hermética nem cheia de jargões. Não há grande filósofo fácil (quem busca facilidades pode recorrer a Paulo Coelho), nem Hegel cultiva jargões, mas emprega as palavras correntes de seu idioma, que em geral explica quando lhes dá um sentido específico, como faz, por exemplo, com aufheben.

IHU On-Line - Qual foi a colaboração do Padre Machado na tradução da Filosofia da natureza na Enciclopédia de 1830?
Paulo Meneses -
Foi Pe. Machado que traduziu a Filosofia da natureza porque, na opinião do Pe. Vaz, era a única pessoa no Brasil capaz de fazê-lo (por conhecer tanto a filosofia como as ciências e sua história). Eu colaborei a cada etapa, como ele mesmo reconheceu na sua introdução.

IHU On-Line - Quais são as idéias que o senhor destacaria como mais importantes da Fenomenologia do espírito? E qual é a maior contribuição dessa obra para a filosofia?
Paulo Meneses -
O que eu mais destacaria na Fenomenologia não seriam propriamente “Idéias”, mas a forma de pensar dialeticamente “por verbos, e não por substantivos”, o que foge ao alcance de muitos que tratam de Hegel como se ele fosse um filósofo qualquer, sem ajustarem-se ao ritmo de seu pensamento, como fazem B. Bourgeois  e Pe. Vaz.

IHU On-Line - Como a Fenomenologia do espírito pode auxiliar o sujeito contemporâneo a construir sua autonomia?
Paulo Meneses -
Como o tema central da Fenomenologia é a liberdade (como aliás do resto da obra de Hegel), seu conhecimento verdadeiro muito ajudaria o sujeito contemporâneo a construir sua autonomia.

IHU On-Line - Por que razões alguns totalitarismos adotaram o pensamento hegeliano? Qual é a justificativa filosófica desse equívoco?
Paulo Meneses -
Os totalitaristas não adaptaram o pensamento hegeliano, mas usaram expressões ou frases fora do contexto para justificar seus absurdos, como, por exemplo, Heidegger, querendo remontar seu estado, determinado pela vontade de Führer  ao Estado de Hegel, que era o campo da razão e da liberdade. Segundo Richard Kroner, essa á a “obra mais genial de Hegel e talvez a obra mais genial de toda a história da filosofia” (Hegel Studien, 1991). Toda a filosofia posterior nela se inspira.

IHU On-Line - Como percebe a importância e a profundidade do estudo do Padre Vaz sobre Hegel? Qual é a influência da obra vaziana nos estudos de Hegel em nosso país?
Paulo Meneses –
Pe. Vaz escreveu pouco sobre Hegel, ocupado que estava em fazer textos para seus alunos. Mas o pouco que escreveu se destaca entre tudo o que foi escrito no Brasil sobre Hegel (por exemplo, o senhor e o escravo)  e influenciou a todos que vieram depois. De fato, escrever sobre Hegel não parece ser difícil – haja vista os muitos que hoje escrevem sobre esse autor -, mas entender mesmo, pensar hegeliamente, era coisa para Vaz e sua genialidade inegável.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição