Edição 216 | 23 Abril 2007

Perfil Popular - Leonel Luis da Rosa

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Neste espaço IHU On-Line descreve o perfil popular de alguém que, mesmo não vivendo no mundo acadêmico, sempre tem o que ensinar. Contamos aqui a história de vida e a visão de mundo de pessoas que lutam pela sobrevivência e pela dignidade e que, apesar das dificuldades, têm sonhos e anseios de uma vida melhor.

A edição dessa semana conta a história de vida de Leonel Luis da Rosa, 44, natural da cidade de Palmitinho, norte do estado do Rio Grande do Sul. Há 22 anos, ele e a esposa Leontina da Silva da Rosa residem no município de Sapiranga, localizado no Vale dos Sinos, a 137 quilômetros de Porto Alegre. Casado e pai de dois filhos, de 15 e 5 anos, Leonel está desempregado e, enquanto aguarda ser chamado em alguma empresa de calçado, sobrevive fazendo alguns biscates. As Notícias Diárias publicaram uma matéria sobre as demissões na região de Campo Bom no dia 1-3-2007, que pode ser conferida no sítio do IHU – www.unisinos.br/ihu.

Antes de migrar para a cidade das rosas, Leonel trabalhava na roça, onde ele e a família sobreviviam do plantio de feijão, soja e milho. Em junho de 1985, com 22 anos, ele casou e um ano depois saiu da cidade.  “Eu vim embora por questões financeiras. Casei e não tinha nem onde morar e fui obrigado a vir embora”, conta.

Dificuldades da infância - Único filho homem da família, Leonel tem 10 irmãs e conta que teve uma infância bastante complicada. Ele estudou até a 4ª série e diz que para cursar o próximo ano enfrentou bastantes dificuldades, pois a escola era longe e na época a família, que vivia no interior, não tinha muitos recursos financeiros.  “Pra fazer a 5ª série, meu pai me colocou estudar na cidade, mas não passei. Rodei. Eu trabalhava até às 11horas, chegava em casa, tomava banho e ia pro estudo.” Nessa rotina, Leonel lembra que percorria seis quilômetros para ir à escola e seis para voltar. “Eu ia a pé, de pé no chão nas estradas de cascalho. Não tinha tênis, então eu ia com o chinelo na mão até perto do colégio e lá eu calçava e quando saia do colégio, pegava o chinelo de volta pra não gastar”, descreve. Perguntado sobre se ele não machucava seus pés, ele afirma: “não machucava, porque na colônia engrossava o pé e tinha que acostumar”.

Nesse ano em que estudou na cidade, ele conta que o único material escolar de que dispunha era um caderno de 12 folhas e um pedaço de lápis. “Em 80% dos dias em que eu ia estudar, eu levava um pedacinho de lápis no bolso. Quase todo dia eu pedia uma folha emprestada pros colegas ou pra professora. Eu copiava, só que um dia eu perdia a folha, outro dia molhava, outro dia rasgava. Então eu não tinha como. Chegou o fim do ano e eu tive que parar. Tinha muita vontade de estudar, mas não deu”, lamenta.

Leonel confessa que até hoje pensa em voltar a estudar, mas diz que os anos foram passando e ele sempre adiou o retorno à escola. “Já estou com 44 e não fiz nada ainda pra tentar estudar. Vontade eu sempre tive, mas o tempo foi passando.”

Angústias na terra desconhecida - Quando chegou a Sapiranga, Leonel e a esposa foram morar com uma tia no bairro Vila Irmã, onde por trinta dias dividiram um sofá para dormir.  “A tia deu lugar pra nós construir uma varandinha do lado da casa dela. Eu e a mulher fomos pra dentro daquela varandinha sem nada, só nós dois. Dormia no chão, no assoalho puro”, lembra. Leonel conta que ganhou uma capa de colchão da tia e que pediu na fábrica onde trabalhava umas espumas e assim ele montou o primeiro colchão, até conseguir comprar um, com o primeiro salário. Ele disse que não trouxe pertences quando veio para o Vale dos Sinos, apenas a roupa do corpo. “Eu vim com a roupa do casamento. Tive que trabalhar quatro meses no Jussara  com a calça e a camisa do casamento. Terminei com a roupa do casamento trabalhando. Lavava de noite pra usar no outro dia”, recorda.

Na primeira empresa em que trabalhou, ficou três meses e pediu demissão. “Eu não conseguia comprar uma muda de roupa e disse: “Vou embora, o que é que eu estou fazendo aqui?”. Mas incentivado pelos primos, ele decidiu permanecer na cidade e desde então já trabalhou em aproximadamente sete fábricas de calçados. Há dez meses, Leonel está desempregado, vivendo de trabalhos temporários. A última empresa em que trabalhou foi a Paquetá . “Antes de ir pra Paquetá, fiquei um tempo fora do calçado. Fui procurar outras coisas enquanto não engrenava.” Depois de trabalhar quatro anos e meio na empresa, ele diz que tem vontade de voltar. “Quero me aposentar na Paquetá. Já queria ter voltado, mas ainda não me chamaram. Enquanto não me chamam, vou fazendo uns biscates.”

Dia-a-dia - Enquanto procura emprego, Leonel diz que ajuda nas atividades da casa. “O dia que eu não tenho biscate pra fazer fora, eu levanto às 7h da manhã, faço um chimarrão, tomo um chimarrão. Mas só o dia que eu estou em casa! Se eu vou trabalhar, eu não tomo chimarrão. Depois procuro as roupas pra lavar. Lavo todas as roupas que tem. Depois vou pra pia, lavo as louças e já vou providenciar o almoço pras crianças. Faço o almoço pra eles. Se não temos nada pra fazer, eu e o guri deitamos ao meio dia. Tiramos um cochilo. Daí levanto, lavo a louça e geralmente vou ali na mãe, um pouquinho. Daí volto pra casa e já vou esperar a “nega véia” com o chimarrão. Meu dia-a-dia é assim.”

Emprego - Leonel se diz preocupado com a situação dos empregos na cidade. “Eu tenho medo de não conseguir voltar para fábrica de calçado. Eu penso que se eles não me chamam mais no calçado, aonde eu vou? O que eu vou fazer? Continuar de biscate? Como eu vou viver? Não tem como viver de biscate hoje em dia porque depois se tu precisa de uma aposentadoria, tu não tem.” Mesmo com medo do futuro, ele diz que se considera um homem muito feliz. “Quanto mais dificuldade mais feliz eu sou. Quanto menos dinheiro eu tenho, mais contente eu fico. Porque não adianta. Tu tem que ter fé em Deus. Hoje eu não tenho dinheiro, mas de repente amanhã eu tenho. A minha esperança é sempre no amanhã, no amanhã”.

Momentos difíceis - Leonel já passou por várias dificuldades, mas conta que a maior foi com o pai, quando este sofreu um acidente no trabalho e foi para o hospital de Passo Fundo. “A gente ficou 19 dias sem saber nada, nenhuma notícia. Aquele foi um momento terrível. A gente era pequeno, abraçava na mãe e chorava muito. Ninguém tinha noção de onde era Passo Fundo e nem se ele tava vivo ou morto. A gente achava que ele não voltava mais. Passamos 19 dias sem comida, praticamente vegetando em casa”, recorda.

Outra dificuldade foi quando o pai ficou doente novamente. Leonel diz que na época trabalhava como servente de pedreiro durante o dia e à noite cuidava do pai que estava internado em Porto Alegre. “Daí eu tive que largar tudo: minha mulher, minha filha, para atender ele. Eu ia todo dia pra Porto Alegre sem saber nada e às vezes com os centavos contados pra ir e pra voltar. Eu passava o dia sem comer, sem beber. Tomava água só no hospital. Parou a minha vida. Minha filha com seis anos, minha mulher desempregada, e eu acabei perdendo o serviço. Aí eu acabei afundando junto. Ele faleceu, e aí eu perdi o rumo mesmo.” A falta do pai ainda é bastante constante em sua vida. “Meu pai não era só meu pai. Era amigo mesmo. Entre nós dois era amizade. Não tinha segredo nem nada. Se eu tinha um real no bolso ele sabia, se eu não tinha ele sabia também. Abalou bastante. Foi acumulando.”

Família - Sobre a vida de casado, Leonel diz que é muito boa. “Em 21 anos de casado, nunca passou de uma emburradinha, né, mas isso é normal”, comenta. Ele disse que a vida melhorou muito depois do nascimento dos filhos. “Tudo que eu faço hoje é em prol dos meus filhos. Jamais eu vou pensar em mim depois que eles nasceram. Eu nunca saio pensando que eu vou comprar uma bicicleta pra mim. Saio pra comprar uma roupa pra eles, um tênis, principalmente o feijão e o arroz trazer pra casa.”

Fé - Católico, Leonel diz que acha importante a família ter uma religião, mas atribui à esposa o incentivo aos filhos. “Ela é mais devota do que eu. Eu sou um pouco mais relaxado.” Para ele, a fé é um meio de não perder a esperança. “Hoje a situação é gritante, então é fundamental se apegar com Deus para ver se mundo não piora”, explica.

Casa nova - Antes de construir a casa nova, Leonel diz que morava num chalé, o qual desmanchou para construir outra casa. “Fui obrigado a desmanchar, não dava mais.” Enquanto finaliza a construção, ele diz: “eu tô acampado na garagem”, construída na esperança de um dia adquirir um automóvel. Para ele, a grande preocupação em terminar a casa nova é para dar um lugar melhor para os filhos morarem. “Agora eu dei uma segurada porque eu não tô empregado e não posso fazer prestação. Tenho que pensar nos meus “barrigudinhos”. Mas assim que eu começar a trabalhar, quero ver se dou uma pegada. Esse é o objetivo de um homem: pelo menos uma casa tentar dar. Eu tô tentando ainda. Tenho esperança de conseguir. Não digo aprontar 100%, mas se eu conseguir fazer um quarto para cada um deles, já está bom. Tô fazendo essa casa pra eles ter um quarto decente que nunca tiveram.” 

Política - Leonel tem uma visão positiva do governo Lula. “O governo não tá sendo um governo ruim. Tá razoável. Pra mim isso é uma bola de neve. Cada ano vai aumentando”, conclui. Mas ao mesmo tempo ele acredita que falta interesse para ocorrer melhorias no país. “Acho que precisa de mais pulso filme, colocar umas leis mais severas, mais rígido.”

Sonhos - Quando questionado sobre o futuro, Leonel diz que ficaria feliz se dois dos seus sonhos se realizassem. O primeiro, é em relação à casa que está em construção. “Eu conseguindo terminar a minha casa, pra mim é um grande passo.” E o segundo é o sonho de todos os pais: “Eu queria ver meu filho e minha filha encaminhados na vida. Queria durar até lá”. E imagina uma profissão ideal para a filha de 15 anos: “Eu queria que ela fosse professora, porque é uma profissão que tu tá ensinando e aprendendo ao mesmo tempo”. Quando criança, Leonel diz que queria seguir a carreira de militar para ajudar o país. “Eu sempre tive, desde guri, vontade de engajar no exército. Todo dia que passa as propagandas da marinha eu digo pro meu guri: ali tá o lugar de um homem.” Ele atribui à falta de estudos, as dificuldades que enfrenta no cotidiano. “Se eu tivesse estudo eu teria conseguido coisas melhores. Mas não tenho estudo então tenho que me contentar com uma fábrica de calçado, como servente de pedreiro.” E desabafa: “O estudo me judiou bastante, porque eu sempre tive vontade de não ser só o que eu sou hoje. Infelizmente não deu, então eu vou me contentando com essa vidinha mesmo”.

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