Edição 216 | 23 Abril 2007

A nova realidade do trabalho: cognitivo ou pós-industrial?

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

“Eu me surpreendi porque achei que o serviço seria mais fácil”, afirma cortador de cana O cortador de cana, Gilberto Santos , concedeu depoimento à IHU On-Line por telefone.

Acostumado a trabalhar na lavoura de subsistência desde os oito anos de idade, Gilberto Santos, 23, natural de Tinguiras, Maranhão, há dois anos vive na cidade de Guarariba, São Paulo. Segundo ele, a falta de oportunidades para os jovens no município foi decisiva para a sua partida. “Eu vim para cá em busca de um recurso financeiro para fazer alguns cursos para ver se mudo de função na vida”, conta. Gilberto diz que se surpreendeu quando chegou aos canaviais. “Achei que o serviço seria mais fácil. Mas na verdade é uma batalha difícil. É uma jornada muito grande, geralmente é de sete meses para quem faz só safra e para quem faz parada e safra dá nove meses direto”.

Rotina

De segunda a sábado, Gilberto acorda às três e meia da manhã, prepara a comida que leva dentro de uma marmitex e às 5 horas sai de casa para ir à roça. “A gente leva carne, feijão. A gente varia porque, quando vai lá pelo final da safra, você não quer mais comer quase nenhum tipo de comida, porque já come ela fria”.

O percurso até as lavouras, segundo ele, muda bastante. “Geralmente a ida para o campo leva de 40 minutos até uma hora e vinte, depende da distância. Às vezes, chega até a duas horas de relógio. Você pega o ônibus às 5 horas, para chegar na roça quase oito horas”. Ele conta que o trajeto da cidade até os canaviais está piorando e que as condições do transporte são bastante precárias. “Tem ônibus que vai com 49 pessoas, outros com 50, 52. Às vezes, vem ônibus com a cadeira muito apertada, muito próxima uma da outra e você vai com a perna encolhida o tempo todo. Eles pegam e vão diminuindo o espaço da poltrona e conseguem colocar duas vagas a mais. Daí a gente vai muito apertado. Não é o espaço normal que você tem direito”, revela.

Enquanto corta cana, Gilberto diz que homens supervisionam as atividades e exigem bastante dedicação dos bóias-frias. “A realidade lá no campo é dura. Às vezes, você está fazendo um serviço e aí quem comanda fala que está errado. Geralmente o trabalhador não tem valor. Você nunca é bem visto. Se o serviço está bom, ele nunca elogia. Só fala com você se o serviço está ruim”. Essa cena já se repetiu muitas vezes no cotidiano do jovem que confessa não gostar das reclamações. “Eles falam que o serviço está errado e tem que fazer de novo, se não fizer a gente tem que ficar três dias em casa”.

A renda diária nunca é fixa, depende de quanto cada um trabalha por isso “a produção varia. Tem dias que a gente ganha R$ 20, às vezes R$ 45, às vezes você passa um pouco mais. Mas depende de você”, afirma. No ano passado, como a produção era baixa, Gilberto diz que conseguiu levar para casa cerca de R$ 2500,00. “Com esse dinheiro eu tirei a carteira de habilitação. Era um sonho que eu tinha e eu falei que na hora que eu tivesse oportunidade eu ia fazer. Esse aí eu já consegui”, conta emocionado. Quando terminar a safra da cana, ele não pretende ficar na cidade natal e já planeja o futuro. “Pretendo viajar pra outros estados, ou para São Paulo, capital. Mas não mais para o corte de cana”, garante.

Um dos maiores problemas do trabalho nos canaviais, segundo ele, é a necessidade de ter muita resistência. “Você tem que forçar muito o seu corpo”, diz. Na usina em que eles trabalham uma pessoa já morreu este ano, outras três no ano passado e muitos ficaram adoentados. “Eu mesmo, graças a Deus não fiquei doente. Mas tem pessoas que, de tanto forçar, acabam morrendo. Às vezes, têm outros que são obrigados a ser carregados até o ônibus porque não conseguem andar. No serviço não tem limite para o corpo”, conta.

Além das dificuldades enfrentadas na lavoura, os maranhenses são vitimas de preconceito na região. “Eles falam assim, eles botam no geral, falam que o maranhense não tem como sobreviver lá, que maranhense é morto de fome” e em seguida revidam: “mas na verdade não é isso. Eles não moram no estado e não sabem o que acontece. Se você está pronto para assumir um trabalho desses, então você não estava morrendo de fome. Geralmente a gente vem para ver se consegue um dinheiro a mais, porque o estado nosso não oferece pra nossa cidade”, desabafa.

De 15 em 15 dias, ele liga para mãe e nesse intervalo de tempo, quando bate a saudade liga de novo. Embora saiba que o trabalho é exaustivo, a família incentiva e apóia a decisão dele de trabalhar nos canaviais. “Minha mãe fala assim: Meu filho, se você acha que é melhor para você, então pode ir que eu abençôo você e que seja feliz. E que você consiga o que pretende. Ela dá força, porque lá não tem como conseguir um dinheiro assim”, afirma. Gilberto garante que não quer mais viver nessa rotina e diz que pretende que esse seja o último ano de bóia-fria. “Se Deus permitir, nos outros anos eu creio que não corto mais”.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição