Edição 215 | 16 Abril 2007

Perfil Popular: Guiomar Marilia Bittencourt dos Santos

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

Oriunda das colônias de Cachoeira do Sul, Guiomar, a Dica, aprendeu desde cedo a lutar por uma vida melhor. Aos 11 anos, a família mudou-se para Novo Hamburgo em busca de trabalho. “Meu pai ficou doente e vendeu tudo que tinha e nos trouxe para a cidade na esperança de uma vida melhor.”

Dificuldades - De uma família de sete irmãos, Guiomar levava uma vida difícil no interior do estado. A família se dedicava a lavoura de arroz. O pai tomou a decisão da mudança devido a um problema de saúde. “Meu pai teve uma broncopneumonia e se assustou, pois os filhos eram todos pequenos.”  Na família nunca faltou nada, mas as a luta era constante. “Sempre tivemos muita sorte. Chegamos a Novo Hamburgo já com trabalho para os meus irmãos mais velhos em fábricas de calçados.”

Estudos - Em Novo Hamburgo, estudou em escolas municipais: Padre Reus e Maria Neves Petry. Cursou até a 6ª série, quando a trabalho se tornou necessário.

Trabalho - Aos 15 anos, Guiomar começou a trabalhar em uma fábrica de calçados. O pai trabalhava como pedreiro e a mãe cuidava dos filhos e da casa. Trabalhou 14 anos em duas fábricas de calçados do centro de Novo Hamburgo. “Na fábrica de calçados eu fazia serviços gerais,  às vezes era chefe de seção, fazia de tudo um pouco. Eram as piores firmas que tinham. Não tratavam bem os funcionários, mas eu sempre me dei muito bem.”

Mudança - Guiomar conheceu o marido a caminho do trabalho. Casaram e vieram para São Leopoldo, onde estão há vinte anos.  Na nova cidade, eles foram morar na Vila Brás, comunidade carente do município. “Quando cheguei na Vila Brás, vi o sofrimento que as pessoas passavam com a falta de moradia. Comecei a me envolver com as lideranças comunitárias, onde estou até hoje.”

Luta – Há 20 anos, a recém-chegada família inscreveu-se nos programa de habitação do estado e foram sorteados. “Até hoje estamos na mesma casa.” Na Vila Brás, diante das dificuldades da comunidade, Guiomar logo se envolveu no trabalho comunitário. “Procurei a Associação de Moradores em razão das injustiças que vi quando cheguei à Vila Brás”. Guiomar conta que naquela época, aconteciam muitas invasões de terrenos da prefeitura que ficavam próximos à vila, resultando em confrontos com a polícia. “Comecei a defender essas pessoas. Participando da associação de moradores, negociamos aquela área com a prefeitura e ganhamos o dinheiro à moradia para aquelas pessoas.”

Associação de Moradores -  A Vila Brás possui uma associação muita ativa, segundo Guiomar. Sempre em funcionamento, ela já conseguiu muitas melhorias para a comunidade. Guiomar se envolveu desde sua mudança para o local, e saiu recentemente em função de uma troca da diretoria. Hoje, participa como voluntária. “Através da associação de moradores podemos fazer mais coisas pela comunidade.”

Dia-a-dia - Mesmo fora da diretoria da associação, Guiomar não consegue ficar longe da sua comunidade. “Passo o dia socorrendo alguém, ajudando as pessoas, até procurando vagas para as crianças estudarem.”

Mulheres unidas - Guiomar não pára. Desenvolveu junto com mulheres da Vila Brás uma associação de mulheres, onde desenvolvem diversos trabalhos manuais há um ano e meio. O trabalho começou quando, conversando com as mulheres da comunidade, Guiomar encontrou um problema em comum: a depressão. Logo a prefeitura de São Leopoldo, por intermédio da Coordenadoria da Mulher, entrou com o apoio ao projeto. “A representante da prefeitura, Elza, nos ensinou diversos trabalhos, como crochê, tricô, pintura. Começamos só com a idéia de nos encontrarmos e daí surgiu a idéia de trabalhar.” O projeto ainda conta com a assistência da Unisinos e da Avesol. Os planos da associação de mulheres são grandes. Até o final do ano, elas estarão expondo seus trabalhos em São Leopoldo e em quatro feiras de artesanatos da capital. “Temos o plano de aumentar nosso trabalho, fazer uma espécie de micro-empresa. Estamos cheias de idéias”.”

Meio-ambiente - O meio-ambiente também tem vez na agenda agitada de Guiomar. Ela faz parte do projeto Agenda 21 . “É um trabalho gestor para melhorias do meio-ambiente, em parceira com a Petrobras. Fizemos o encaminhamento do trabalho, colaborando com os agentes de pesquisa. O projeto já virou lei e se encontra em tramitação na câmara de vereadores.”

Família - A família logo cresceu. O casal teve três filhos. “Temos uma vida muito boa em família. Nos respeitamos muito.” Parei de trabalhar porque tínhamos muita dificuldade com o transporte para Novo Hamburgo.

Volta - Guiomar voltou a estudar depois de vinte e nove anos. “Resolvi fazer esse desafio comigo. Minha filha passou para o turno da noite e eu resolvi fazer o EJA. Fiz duas etapas e completei o ensino fundamental.” O ensino médio ainda terá que esperar. Com a filha estudando, a família teria muito gasto com passagens. “Dou prioridade para ela.”

Sonho - O maior sonho de Guiomar é com a sua comunidade: “Quero ver ela bem.” Para ela, a carreira não deve ser prioridade na vida das pessoas. “Para a sociedade melhorar eu vou à luta.”

Envolvimento - Guiomar pensa constantemente em como melhorar a comunidade. Já participou da conferência da habitação e da mulher, através do orçamento participativo do município. “Tinha a oportunidade de opinar na aprovação das leis.”  Para ela, esses são os primeiros passos dos movimentos para melhorar a cidade. Ela destaca esse tipo de trabalho como essencial para a situação melhorar. “Acho que todos temos que nos empenhar e nos ajudar para as coisas melhoraram. Não adianta ficarmos só esperando o governo resolver, porque muitas vezes só isso não basta. Os moradores têm que participar para melhorar a sua comunidade. Cada um deve contribuir um pouco.”

Alegria - Guiomar se diverte como criança. Além de escutar música para relaxar, ela brinca muito com os filhos, até anda de patinete. “Acho que brinco mais que eles. Às vezes eles dizem: ‘Mãe tu parece criança’.” Ela destaca a importância da infância da vida. “Nossa vila é muito grande, e temos que cuidar deles, para não irem para o lado errado.”

Maior dificuldade - A saúde preocupa muito Guiomar. Ela sofre de hipertensão, condição que se agravou durante suas três gestações. “Quando estava grávida de minha segunda filha, a primeira tinha somente cinco anos e cuidava de mim, com aquela idade. Ela ficava sentada do meu lado, enquanto eu dormia. Às vezes, via ela trepada na cadeirinha lavando a louça.”

Jovens - Os jovens estão sempre na mente de Guiomar. Com a violência do mundo, ela procura ter eles sempre por perto. “Sonho um dia ter na minha comunidade um centro de atendimento aos jovens. Se eu pudesse acolhia eles. Tenho muito contato com eles diariamente. No colégio onde eu estudei, eu era a mais velha, mas me divertia muito com eles.”

Brasil - Guiomar é esperançosa quanto à situação do Brasil. “Acho que o país precisa melhorar muito. Falta honestidade a todos. Parece que o governo está perdido. Mas tenho esperança de que se pode melhorar. Aqui em São Leopoldo, já vimos mudanças e ainda precisamos melhorar”.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição