Edição 215 | 16 Abril 2007

Jesus de Nazaré de Joseph Ratzinger - Bento XVI

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Nesta segunda-feira, dia 16-04-2007, está sendo publicado na Itália, Alemanha e Polônia o livro Jesus de Nazaré de Joseph Ratzinger – Bento XVI. A edição brasileira será publicada, em maio, pela Editora  Planeta.Traduzimos e publicamos abaixo o comentário de dois conceituados vaticanistas, Marco Politi, publicado no jornal italiano La Repubblica, 14-04-2007, e Henri Tincq, publicado no jornal Le Monde, 15-04-2007.

O último livro de Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré é um esplêndido catecismo literário, um hino ao seguimento de Cristo, um retrato convincente de Jesus como todo pároco e todo catequista e professor de religião gostaria de transmitir. A opinião é de Marco Politi, vaticanista, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 14-04-2007. Eis o artigo.

No seu primeiro livro escrito como papa, Ratzinger confirma o seu estilo, que fascina os fiéis em Roma e no mundo: simplicidade na exposição, capacidade de se aproximar todos – verdadeiramente todos – aos temas essenciais da fé, exortação convincente a uma espiritualidade intensa, rigorosa e jovial.

Mas Jesus de Nazaré, editado em italiano pela Rizzoli, 446 páginas, é também a ocasião para o teólogo Ratzinger fazer as contas com as teorias, modas e traduções que o irritam há décadas.

Deus não é Mãe
“Mãe não é uma evocação para Deus”, exclama Ratzinger num certo momento, acabando bruscamente com anos de polêmicas com a teologia feminista e inclusiva do catolicismo norte-americano. Certamente, Deus não é homem nem mulher. Na Bíblia lhe é atribuído o amor materno pelo seu povo e é tocante que a divina misericórdia venha expressa com um termo hebraico que lembra o “seio materno”, mas a imagem do Pai, sublinhada na oração fundamental de Jesus – insiste Ratzinger –, permanece a mais adequada para exprimir “a alteridade entre Criador e criatura, a soberania do seu ato criativo”. E Ratzinger conclui secamente: “Nós rezamos assim como Jesus nos ensinou a rezar, não como nos vem à mente ou como gostamos. Somente assim rezamos de maneira correta”.

“Contradigam-me”, pede o Papa
Este livro, prevê o Ratzinger na introdução, “não é um ato magisterial”. Mais. “Cada um está livre de me contradizer”. Será difícil. Porque a impostação de Ratzinger elimina os grandes problemas da pesquisa teológica do século XX assim como se tiram os restos da mesa de um banquete. O que significa, exatamente, que Jesus é “filho” de Deus? Como cresceu na sua vocação? Houve uma maturação da sua autoconsciência? Por que acreditava, como outros profetas, que a vinda do Reino seria iminente e que ele mesmo “voltaria” logo? Significa algo ou não que Jesus nunca se apresentou como Deus?

Teologia como serva da doutrina
Sobre estas questões, gerações de teólogos se debruçaram e ainda continuam pesquisando para construir uma ponte entre o Jesus histórico e o Salvador da doutrina cristã. O evangelho de Ratzinger, pelo contrário, tudo aquieta e coloca tudo em stand by, partindo da premissa que Jesus é igual a Deus e basta, e que a sua figura somente pode ser compreendida “a partir do mistério de Deus”.

Um pontífice poderia dizer algo diferente?  Provavelmente não. Mas o Jesus papal equivale ao fim da pesquisa teológica como busca o método histórico-crítico. Das páginas do livro emerge o desejo de uma teologia serva da doutrina, uma teologia que explique e não coloque à prova os fundamentos teóricos herdados do passado. Aliás, numa passagem do livro se recorda que em Soloviev o Anti-Cristo possui uma láurea honoris causa da Universidade de Tübingen (onde, aliás, vive o teólogo crítico Hans Küng).

Mais. Começando o volume pelo batismo no Jordão, Ratzinger consegue evitar as perguntas difíceis (já levantadas por ele em outros momentos) sobre a paternidade de Jesus, sobre sua família real, sobre os seus irmãos citados no Evangelho.

“Nem rebelde, nem liberal”, nem líder político nem mestre de moral, é o Jesus que Bento XVI apresenta e acompanha desde o encontro com o Batista até a Transfiguração, citando de Nietzsche a Marx, de Gandhi a Edith Stein, São Francisco e Teresa de Lisieux. (Um segundo volume deverá tratar da Transfiguração até a Paixão). Jesus, afirma o autor, “nos trouxe Deus: agora conhecemos o seu rosto, agora podemos invocá-lo”. E somente quem conhece Deus, acrescenta, conhece verdadeiramente o homem. No fundo, Ratzinger se revela como um grande pregador. Intensas são as ilustrações do Discurso da Montanha, da parábola do Samaritano, das invocações contidas no Pai Nosso. O Papa prega um cristianismo exigente, onde o Eu deve saber buscar Deus, purificar-se e saber fazer-se “próximo” ao Outro. “A lei de Cristo – afirma – é a liberdade”. Mas não para viver segundo o seu modo, mas “liberdade para o bem, liberdade que se deixa guiar pelo Espírito Santo”.

Ele critica os cristãos que querem fugir da “cruz” e consideram a bondade de Deus “água açucarada”. Rejeita a ideologia do bem-estar e o individualismo que dita a moral por si e para si, mas também as interpretações políticas da mensagem de Cristo: “O Discurso da Montanha não é um programa social – adverte – mas somente quando da fé deriva a força da renúncia e da responsabilidade para o próximo como para a inteira sociedade, pode crescer também a justiça social”. A Igreja, sublinha, “não deve perder a consciência de dever ser reconhecida como a comunidade dos pobres de Deus”. Os aflitos, exaltados por Cristo, lhe fazem recordar as agruras dos regimes totalitários e o “modo brutal com que esses abusaram, escravizaram e pisaram” os homens, mas também os abusos do poder econômico e a “crueldade do capitalismo que degrada o homem a uma mercadoria”.

A época contemporânea é vivida por Ratzinger com alarme. Declara-se que Deus morreu, e se pode fazer com que a fé apareça como algo ridículo. “Há uma poluição mundial do clima espiritual que ameaça a humanidade na sua dignidade, até mesmo na sua existência”. Há um “laicismo” que quer o Estado no lugar de Deus. Pior: “Quando o homem perde de vista a Deus, a violência toma o lugar com formas de crueldade antes inimagináveis”. E defende a família: “Para a Igreja nascente e sucessiva foi fundamental defender a família como coração do ordenamento social. Vemos como hoje a luta da Igreja se centrou neste ponto”.

Central no Jesus de Ratzinger é a relação com o hebraísmo. O papa rejeita qualquer visão que isole, superficialmente, a Velha aliança em nome da Nova. E se confronta com as teses do rabino contemporâneo Neusner, que estudou a fundo e com seriedade a Cristo. Para Ratzinger, a resolução do nó misterioso, que torna o Hebraísmo e o Cristianismo próximos e separados, se encontra na Torah, no qual se diz que Israel tem a missão de se tornar “luz dos povos”, para que se manifeste que “o Deus de Israel, o mesmo e único Deus (dos hebreus e dos cristãos), o verdadeiro Deus” deve ser o Deus de todos os povos e de todos os homens. E é nesta missão universal que o Cristo cumpre a Lei de Moisés.

Existe salvação para quem não conhece a Cristo? Sim, para aqueles que “tem fome e sede de justiça” e estão prontos interiormente para se encaminharem para a verdade: “esta é uma estrada aberta a todos, o caminho que leva a Jesus Cristo”. Não, no entanto, à idéia que equipara todas as religiões. Porque, no fim, somente Cristo é o Redentor, aquele que “restaura”. No fim da sua existência Joseph Ratzinger repete apaixonado com João: “Ninguém nunca viu Deus: mas o Filho unigênito, que está no seio do Pai, o revelou para nós”. E todos os mitos, que falam de uma divindade que morre e ressurge – prorrompe o pontífice teólogo – no final esperavam a Ele: “O desejo se tornou realidade”.

Assim, o círculo se fecha. Trata-se de um discurso seguro, que dá segurança e que agradará aos fiéis em busca de uma identidade mais confortável. No fundo, papa Wojtyla com aquelas questões sobre o mea culpa e a oração com outras religiões suscitava inquietações parecidas.

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