Edição 213 | 26 Março 2007

Como enlouquecer seu chefe

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IHU Online

Na próxima quarta-feira, dia 28 de março, o Ciclo de Filmes e Debates – Trabalho no Cinema apresenta a película Como enlouquecer seu chefe (Office Space, 1999), de Mike Judge. O evento pretende debater as profundas transformações do mundo do trabalho e dos trabalhadores e a forma como estas mudanças são interpretadas pelo cinema.

Para analisar o filme e suas contribuições para a superação da crise do trabalho, a IHU On-Line entrou em contato com o doutor em ciências sociais e professor de sociologia da UNESP-Marilia, Giovanni Alves. Ele também é coordenador do Projeto Tela Crítica e autor da obra “ Trabalho e Cinema – O mundo do trabalho através do cinema” (Editora Práxis, 2006).
Giovanni Alves

O filme será apresentado na sala 1G119, no Instituto Humanitas. O evento acontece das 19h15 às 22h 15min e será debatido pelas professoras doutoras Fatimarlei Lunardelli e Marilene Maia.
Confira a análise de Giovanni Alves.

Lançado no auge da New Economy e do boom das empresas de Internet nos EUA em 1999, Office space, título original de Como enlouquecer seu chefe , de Mike Judge, é uma deliciosa comédia sobre o mundo dos proletários de “colarinho-branco” no Vale do Silício, na Califórnia. No filme, todos são proletários. Peter Gibbons, o programador; Joanna, a garçonete; Alexander, o operário, vizinho de Peter etc. Enfim, todos estão imersos na condição de proletariedade, sendo obrigados a vender sua força de trabalho para “pagar as contas”. Esta é a condição do trabalho na sociedades burguesa.

No filme, Peter Gibbons (Ron Livingston) é um programador de computadores que trabalha na Initech, fazendo upgrade dos softwares, e se sente muito infeliz no emprego. Mas após uma sessão de hipnoterapia, seu comportamento muda e ele passa a não cumprir horários, nem fazer nada daquilo que lhe foi determinado. Porém, quanto mais se rebela, mais é elogiado por especialistas em produtividade, que lhe dão uma promoção e fazem isto no mesmo período em que várias pessoas são demitidas.

O jovem Peter Gibbons é um homem estressado pela rotina e oprimido pelo chefe no local de trabalho. Bill Lumbergh é o espectro que persegue Peter, inclusive em seus pesadelos. É a própria persona do Mal. Mas Lumbergh é menos um vilão ardiloso que um filisteu medíocre. Ao mesmo tempo, Peter está insatisfeito com sua vida amorosa. É um detalhe importante. O filme expõe o estreito laço entre trabalho e vida afetiva. De certo modo, como Lester Burham, de Beleza americana (1999), o que move Peter Gibbons, em sua atitude pessoal contra o trabalho estranhado, são disposições íntimas que o sufocam. Por isso, de repente, ele “chuta o balde”: abandona a namorada e, ao mesmo tempo, rompe com o estilo de vida do empregado enquadrado no rotina de trabalho monótona e repetitiva.

O eixo temático principal do filme é a crítica visceral do trabalho capitalista, trabalho estranhado que consome tempo de vida e que submete homens e mulheres à rotina monótona e repetitiva. É o mote das músicas que tocam no filme. Mas o trabalho estranhado é o trabalho abstrato, o trabalho que produz valor. Assim, embora Como enlouquecer seu chefe trate do mundo do trabalho em escritório, a falta de sentido do trabalho é a mesma do trabalho do operário da linha de montagem da fábrica. É por isso que Peter Gibbons, como Carlitos de Tempos modernos (1936), está imerso no trabalho abstrato. Como enlouquecer seu chefe é o Tempos modernos da New Economy, embora, é claro, Peter Gibbons não esteja à altura do Carlitos de Charlie Chaplin.                                                                                                                 

Mas um dos grandes méritos do filme de Mike Judge é nos expor, com humor ácido, um traço ontológico da sociabilidade moderna: o falta de sentido do trabalho (e da vida) na sociedade burguesa. Aos poucos verificamos que não apenas Peter, mas Joanna e muitos outros demonstram alguma insatisfação com o emprego que consume suas vidas pessoais. A caricaturização dos tipos humanos (Peter, Joann, Alexander, Bill, Milton, Tom etc) não impede que possamos nos identificar (ou identificar alguém), em algum momento, com eles. É claro que só uma análise critica do filme é capaz de desvelar as múltiplas implicações sociológicas desta constatação essencial.

É numa segunda-feira que a crise pessoal de Peter Gibbons se manifesta com vigor. Segunda-feira é um “dia de cão”. Como Carlitos, de Tempos modernos, ele surta. Primeiro, Peter é o empregado que sempre diz “sim” para o chefe, submetendo-se às horas-extras nos fins de semana. O tempo de vida de Peter é tempo de trabalho. Ao redor dele, uma série de personagens compõem o espaço do escritório. Podemos contatar um complexo de afetos contraditórios que permeiam a alma proletária. Por um lado, insatisfação e medo; e, por outro lado, comodismo e perspectiva de carreira.  É o caso do exótico Milton, do temeroso Tom e dos jovens programadores Michael Bolton, de estilo nerd, e do jovem indiano Samir Nagheenanajar. Ao lado da Initech, os fast-foods com lanches e refeições rápidas para vidas velozes.

O diretor Mike Judge expõe a fauna humana  dos ambientes de trabalho no Silicon Valley. A ridicularização do tipos humanos no filme é uma recurso heurístico capaz de expor, com humor caustico, a banalidade da vida burguesa. Se olharmos bem de perto, cada detalhe de Como enlouquecer seu chefe é uma critica mordaz não apenas da vida corporativa americana, mas do american dream.

É claro que, de imediato, a crítica do trabalho capitalista sugerida no filme é tão elementar quanto a filosofia zen de David Carradine na velha série dos anos 1970, Kung Fu (a série de TV preferida por Peter e Joanna). O jovem Peter reage ao trabalho estranhado, rebelando-se através do ócio militante. Ele quase declama o  “direito à preguiça”, de Paul Lafargue. Em seu surto pessoal, Peter Gibbons se recusa a seguir horários e critica as atribuições de tarefas. Mas, de modo paradoxal, Peter torna-se agente da flexibilização do trabalho. Por isso, de modo inusitado, é admirado pelos consultores contratados para fazer um downsizing na empresa. Quanto mais se rebela, mais é elogiado pelos especialistas em produtividade. O sistema sócio-metabólico do capital é capaz de absorver tudo...Talvez o que Peter Gibbons esteja sugerindo é que empresas da New Economy não podem ser gerenciadas como empresas da Old Economy.

Mas Peter não consegue ir além da ordem sistêmica do capital. Ao se contrapor a ela, submerge na lógica de produtividade. Ao ser promovido, ele ocupa o lugar de dois amigos programadores, demitidos pela reengenharia. Ele não se rebela contra a atitude da empresa. Mas sente-se indignado com o sistema. Não há saídas coletivas em Como enlouquecer seu chefe. Ao estilo de Holywood, a “saída” é meramente individual. Na pior da hipótese, todos nós somos “ gângsteres”. O que se sugere como saída, no filme, para os jovens proletários indignados não é o individualismo empreendedor do american dream, que constrói o negócio por conta própria, mas sim o individualismo criminoso. Entretanto, o que o diretor Mike Judge procura no filme é compor mais um elemento de ridicularização do american dream que se converteu hoje, em mera fraude e trapaça  Como diria David Harvey  no livro O novo imperialismo (São Paulo: edições Loyola, 2004), vivemos na época da “acumulação por espoliação” . Portanto, o revide de Peter, Michael e Samir não poderiam deixar de incorporar o maldito “espírito de época”.

Em última instância, Peter, Michael e Samir sugerem que é apenas transgredindo a lei é que se pode enriquecer na América. É a antiética do trabalho (talvez valha a pena assistir, logo a seguir, o documentário Enron – Os mais espertos da sala, de Alex Gibney). Nesse sentido, é genial a sacada de  Mike Judge, incorporando no imaginário do filme, a lenda do Superman. O plano de Peter para conseguir dinheiro é exatamente igual ao de Gus Gorman no filme Superman III (de 1983). Neste filme, Superman (Christopher Reeve) enfrenta um computador diabólico, programado por um gênio da informática chamado Gus Gorman, que pretende dominar o mundo.

Neste pequena sinopse crítica, buscamos indicar alguns elementos temáticos e algumas pistas de análise que podem ser utilizadas para discutir a sociedade capitalista a partir do filme de Mike Judge. É claro que as considerações acima não se esgotam nem têm a pretensão de esgotar os detalhes que, com certeza, sugerem muitos outros elementos categoriais para elaborarmos uma crítica da da sociedade burguesa e do sócio-metabolismo do capital com seu trabalho estranhado. 

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