Edição 211 | 12 Março 2007

A indústria top (e pop !) do mundo moderno

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IHU Online

Ciclo de Cinema e Debate em Economia - O Capitalismo Visto pelo Cinema. O evento estréia dia 17-03-2007, às 8h45min, na sala 1G119 do IHU, com a exibição do filme Como era verde meu vale (How Green Was My Valley), de John Ford. 

A professora do PPG em Economia da Unisinos Gláucia Angélica Campregher conversou por e-mail com a IHU On-Line sobre o evento Ciclo de Cinema e Debate em Economia - O Capitalismo Visto pelo Cinema.
Na entrevista, Gláucia disse que o cinema é a indústria top do mundo moderno. “Trata-se de uma indústria super dinâmica - cresce sem parar no mundo todo, passando por crises passageiras que só a colocam em patamares ainda superiores de qualidade técnica, de agregação de valores, e mesmo de enriquecimento e diversificação de conteúdos”, afirma ela.

Gláucia é mestre em Economia pela Unicamp e doutora em Economia pela mesma Universidade. Ela concedeu uma entrevista na 151ª edição que tratava o tema dos Shoppings Centers, e na 155ª edição da IHU On-Line sobre Sepé Tiaraju.

IHU On-Line - Como discutir o capitalismo através do cinema? A indústria cinematográfica não está dentro de um modelo capitalista? Como ela pode se esquivar disso?

Gláucia Angélica Campregher
- Interessante questão que resume bem toda a proposta dessa atividade. O cinema é a indústria top (e pop!) do mundo moderno (o “pós-moderno” aí incluído). Trata-se de uma indústria super dinâmica - cresce sem parar no mundo todo, passando por crises passageiras que só a colocam em patamares ainda superiores de qualidade técnica, de agregação de valores, e mesmo de enriquecimento e diversificação de conteúdos. Ou seja, incorpora e desenvolve tecnologias, gera cada vez mais empregos – nos centros mais dinâmicos, ainda que os possa ameaçar na periferia -, e, de quebra, vende, junto com muita porcaria, mercadorias fantásticas que criticam tudo! Só pra dar alguns exemplos: a própria indústria do cinema (O último magnata, 1976), o atual presidente dos Estados Unidos (Fahrenheit 11/9, 2004), a destruição do planeta (Uma verdade inconveniente, 2006), o estilo de vida americano (Beleza americana, 2000), a grande empresa americana (As loucuras de Dick e Jane, 2005), baseado na história da falência da Enron); enfim, são muitos.

Moral da história

Então, a moral da história é: vende-se crítica e reflexão junto com diversão inteligente e diversão boba, porque isso dá dinheiro, mas oferece também compreensão das nossas condições de vida (complexas, diferentes lá e acolá, ainda que comungando pontos em comum), das contradições que o capitalismo nos apresenta hoje (inclusive essa de vender sua própria crítica)? Não! E sabe por quê? Porque vem tudo fragmentado, porque são duas ou três horas de reflexão e depois tudo volta ao normal! Porque o cinema, como toda a informação, e até a ciência, hoje, está todo picado! Assim, sendo a crítica uma mercadoria a mais, ela não consegue sozinha fazer a crítica do mundo excessivamente mercantilizado. Enfim, ninguém junta os pedaços, ninguém mescla um diagnóstico com uma reflexão com propostas para a ação! Então juntarmos os filmes e sugerirmos um fio condutor, que pode até ser questionado. Temos uma história! E é isso que está nos faltando hoje - compreensão histórica - só ela ensina (para os nossos jovens hipercarentes!) que o mundo nem sempre foi do jeito que é e por isso pode ser diferente.

IHU On-Line - De que maneiras o capitalismo pode ser abordado no cinema? A senhora pode exemplificar com filmes?

Gláucia Angélica Campregher
- O capitalismo que pode ser abordado no cinema é o capitalismo da vida das pessoas; isso é que é legal! (Mas, como eu disse acima, insuficiente se quisermos entender as limitações que essa forma de organização da sociedade impõe à vida como um todo e a todas as vidas, uma a uma). Vou exemplificar: o filme Joana francesa (1973) do Cacá Diegues, trata da história de uma família de ex-poderosos donos de terra no nordeste já na decadência do açúcar e na emergência da indústria no centro do país. As pessoas confusas, destruídas, humilhadas, estão ali, mostradas mais que explicadas!  Como ver nas histórias delas a história do Brasil? Está no filme, mas precisa ter olho treinado e atenção. As falas, as roupas, as ruas, tudo isso fala mais que a própria idéia de quem fez o filme! Eu faço, vira e mexe, um teste com meus alunos, perguntando sobre o que é Uma linda mulher (1990)? Os mais atilados lembram que não é só sobre a transformação de uma prostituta numa dama, mas também a de um empresário especulador, frio – e infeliz - num empresário mais atento ao outro (seja a prostituta, seja num outro tipo de empresário etc). Se falamos sobre o filme, se ele faz crescer em todas as suas possibilidades abertas, mesmo um filme ruim vai dizer muito sobre um determinado povo, num determinado momento. Ou seja, de novo – história!

IHU On-Line - Qual o melhor filme, na sua opinião, que discute esta questão e por quê?

Gláucia Angélica Campregher
- Não existe um filme só pra contar toda a história do capitalismo, porque a história é imensa, cheia de momentos que devem ser explorados em suas inúmeras dimensões. Um documentário só sobre o capitalismo, por mais longo e completo, pode ser útil, mas sem dúvida será mais pobre. Será muito mais a interpretação de alguém - pois a seleção das imagens, sem história romanceada nenhuma, convida menos o expectador a juntar os pedaços. Agora, se você me perguntar sobre um filme recente sobre o capitalismo atual, por exemplo, eu teria alguns bem interessantes... Tenho adorado esses filmes que têm apostado em contar várias histórias ao mesmo tempo, convidando, como dizia acima, o expectador a participar ainda mais da compreensão do todo, como o Babel (2006). Os que eu mais gosto são Short cuts (1993), do Robert Altman, e Crash (2004), do Paul Haggis. Vejamos esse último: o filme começa com o sujeito dizendo que em Los Angeles duas pessoas só se encostam em acidentes de carro, e aí vai mostrando uma porção de pessoas com medos e preconceitos umas sobre as outras. E vale-tudo: raça, cor, situação social e até o preconceito de mãe com filho. Sempre aquela história de você ‘achar que conhece’ e resolver não dar chance a alguém e a si mesmo, de encontrar, encostar e conhecer alguém. Esse é um filme sobre o capitalismo do corre-corre, do ganha-ganha, do trabalha-come-dorme que nos pega a todos e nos deixa muito sós e infelizes. Nem sempre foi assim, mesmo no capitalismo! Já no primeiros filmes que o Ciclo vai mostrar, Como era verde o meu vale (1941), mesmo sendo já uma sociedade capitalista retratada (uma família proprietária de uma mina de carvão e seus trabalhadores assalariados), vamos ver ali que as pessoas se relacionavam mais.

 

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