Edição 528 | 17 Setembro 2018

China pode ultrapassar economia dos EUA nesta década

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Vitor Necchi | Tradução: Luisa Somavilla

Irene Chan ressalta, no entanto, que o país asiático continua atrás em outras áreas, entre elas tecnologia militar e inovação tecnológica

A China soube aproveitar as circunstâncias da crise financeira mundial no final dos anos 2000. Ela resistiu melhor do que as economias desenvolvidas e ultrapassou o Japão como a segunda maior economia do mundo em 2010. “Muitas autoridades e estudiosos chineses salientaram também o declínio relativo dos Estados Unidos após a crise global de 2008/2009 como uma oportunidade de crescimento para a China, mas o fato é que a economia dos EUA demonstrou grande resistência ao longo da última década”, analisa Chan. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, observa que a “China pode ultrapassar os EUA como a maior economia do mundo ainda nesta década, mas continua atrás em outras áreas, particularmente tecnologia militar e inovação tecnológica”.

Ao analisar o desenvolvimento chinês, ela observa que o país não tem uma estratégia expansionista. “Embora a China não hesite em defender seus interesses nacionais, é pouco provável que se envolva em guerras dispendiosas por ideologia ou para defender os direitos universais”, afirma. “A compreensão cultural é um aspecto importante das relações diplomáticas, mas ter um entendimento melhor de que a China ainda está em desenvolvimento e não pode adotar valores ocidentais e métodos de venda por atacado é crucial para melhorar as relações com Pequim.”

Ao comparar a atuação do presidente Xi Jinping com o legado de Mao Tsé-Tung, ela afirma que o atual dirigente pode imitar algumas das perspectivas maoísta “para sustentar o partido e sua própria legitimidade política, mas é provável que ele inove com o tempo, devido às complexas circunstâncias geopolíticas em constante mutação”.

A voracidade econômica e os números gigantes no que se refere à China podem gerar especulações acerca de suas pretensões, mas Chan contemporiza essa questão. “A China ainda não é forte o suficiente para dominar o mundo, e a comunidade internacional não está disposta a aceitar a dominação chinesa”, diz. No entanto, observa: “Com ou sem um mecanismo eficaz de governo global e uma ordem internacional baseada em regras, o princípio de política externa não intervencionista da China pode cair com seu envolvimento crescente em aventuras dispendiosas ao redor do mundo”.

Irene Chan é pesquisadora associada do Programa China na Escola de Estudos Internacionais de S. Rajaratnam, no origiginal em inglês, Rajaratnam School of International Studies – RSIS, de Singapura, Bacharel em História da Arte pela Universidade Tecnológica de Nanyang, de Singapura, e mestra em Ciências em Estudos Asiáticos pela RSIS.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que momento a China se credenciou para provavelmente ser o país mais poderoso? E como se constituíram as circunstâncias favoráveis para tanto?
Irene Chan – A China resistiu à crise financeira mundial de 2008/2009 muito melhor do que as economias desenvolvidas e chegou a ultrapassar o Japão como a segunda maior economia do mundo em 2010. No entanto, não há provas de que Pequim tenha oficialmente se considerado a principal potência, acima dos EUA, apesar de ter se discutido muito dentro da China sobre a abrangente força nacional diante dos EUA. Muitas autoridades e estudiosos chineses salientaram também o declínio relativo dos Estados Unidos após a crise global de 2008/2009 como uma oportunidade de crescimento para a China, mas o fato é que a economia dos EUA demonstrou grande resistência ao longo da última década. A China pode ultrapassar os EUA como a maior economia do mundo ainda nesta década, mas continua atrás em outras áreas, particularmente tecnologia militar e inovação tecnológica.

IHU On-Line – Existem projeções de que os chineses suplantarão o primado financeiro de Wall Street. Se isso acontecer, que nova ordem econômica mundial será estabelecida? Quais serão as consequências?
Irene Chan – Não sei de onde vêm tais projeções, mas a economia e o mercado de ações chinês têm muito menos abertura para investidores estrangeiros do que Wall Street. O renminbi chinês não é tão usado internacionalmente como o dólar dos EUA e também é submetido a muita manipulação e controle por Pequim. Portanto, a comparação é discutível. A China já está tentando estabelecer uma nova ordem econômica mundial através da iniciativa Um Cinturão, Uma rota . Talvez não seja o Plano Marshall da China, mas é certamente um empreendimento ambicioso de integração econômica global e aproximação de países subdesenvolvidos da órbita chinesa. As consequências não devem ser muito diferentes do que os EUA estão fazendo para outros países ao redor do mundo, se Pequim decidir ser assertivo e não consultivo.

IHU On-Line – A China está presente em vários países em desenvolvimento, principalmente no Hemisfério Sul, e sua ação econômica na região vem gerando conflitos locais. Qual a postura dos chineses em relação a esses países e seus problemas?
Irene Chan – Seria impreciso dizer que todos os conflitos locais são gerados por atividades econômicas chinesas nos países em desenvolvimento. Para começar, lugares como Sudão, Líbia e Mianmar são instáveis. O público interno sente ao mesmo tempo orgulho e frustração pela ascensão da China. Eles sentem que o governo central está entrando em envolvimentos estrangeiros caros no mundo todo com poucos resultados. Esta insatisfação fica particularmente evidente em tempos de crise e dificuldade econômica. Por exemplo, Pequim também enfrentou críticas quando perdeu bilhões de dólares em investimentos na Líbia logo após a Primavera Árabe em 2011 e não conseguiu evacuar os cidadãos que ficaram presos na guerra civil em tempo hábil. Os cidadãos chineses também criticaram as perdas de investimento de Pequim em Mianmar e na Venezuela. Essas questões geraram debates acalorados nos círculos acadêmicos.

IHU On-Line – Os ocidentais entendem muito pouco da cultura chinesa. Isso contribui para que eles tenham dificuldade em lidar com os efeitos dos planos expansionistas da China?
Irene Chan – A China não tem uma estratégia expansionista como a do Terceiro Reich de Hitler . Embora a China não hesite em defender seus interesses nacionais, é pouco provável que se envolva em guerras dispendiosas por ideologia ou para defender os direitos universais. A compreensão cultural é um aspecto importante das relações diplomáticas, mas ter um entendimento melhor de que a China ainda está em desenvolvimento e não pode adotar valores ocidentais e métodos de venda por atacado é crucial para melhorar as relações com Pequim.

IHU On-Line – Qual é a situação das forças armadas chinesas? Seu poder cresce em paralelo ao boom econômico?
Irene Chan – Sim, o Exército Popular de Libertação ainda está em fase de modernização. O exército foi reduzido em termos de número de militares ativos, mas está investindo grande parte do orçamento para elevar os salários e o bem-estar, além de desenvolver as competências militares. Analisando os últimos orçamentos anuais da defesa, havia indícios de que uma parte cada vez maior era usada para reforçar a segurança interna.

IHU On-Line – Que papel a China tem no Mar da China Meridional e como ela se relaciona com os demais países da região?
Irene Chan – A China afirma ter a posse da maioria do mar do sul da China com a reivindicação da linha das nove raias . As disputas do mar do sul da China, sem dúvida, afetaram as relações com países do sudeste asiático que afirmam ter a posse da região, bem como as relações com a Asean como um todo. No entanto, a China é o maior parceiro comercial dos Estados-membros da Asean, que defende uma solução pacífica e incentiva o diálogo entre todos esses países.

IHU On-Line – O presidente Xi Jinping continua, atualiza ou rompe com as perspectivas maoístas?
Irene Chan – Xi pode imitar algumas das perspectivas de Mao Tsé-Tung para sustentar o partido e sua própria legitimidade política, mas é provável que ele inove com o tempo, devido às complexas circunstâncias geopolíticas em constante mutação.

IHU On-Line – O que esperar de um mundo dominado pelo grande dragão do Oriente?
Irene Chan – Não tenho bola de cristal para prever o futuro. A China ainda não é forte o suficiente para dominar o mundo, e a comunidade internacional não está disposta a aceitar a dominação chinesa. Com ou sem um mecanismo eficaz de governo global e uma ordem internacional baseada em regras, o princípio de política externa não intervencionista da China pode cair com seu envolvimento crescente em aventuras dispendiosas ao redor do mundo. ■

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