Edição 526 | 13 Agosto 2018

A guerra comercial entre Estados Unidos e China

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Gabriel Adam

“Com a guerra comercial empreendida com a China, o Governo Trump procura obter dividendos econômicos no plano doméstico, ao mesmo tempo que almeja frear os planos chineses de ser a principal potência do sistema internacional. Contudo, os efeitos finais da disputa podem ser mais nefastos para os EUA do que para sua rival”, escreve Gabriel Adam.

Gabriel Adam é doutor em Ciência Política e professor dos cursos de Relações Internacionais e Direito na Unisinos.

Eis o artigo.

Desde meados do século XX os Estados Unidos têm procurado manter sua posição de principal potência global. O final da União Soviética e o consequente término da Guerra Fria acentuaram nos governos estadunidenses a percepção de que o “excepcionalismo” de seu país lhe confere o destino de liderar o sistema internacional. Tal visão perpassou todos os governos estadunidenses do período, não sendo diferente no mandato de Donald Trump. O que difere a cada governo são as estratégias e táticas implantadas para manter o status quo internacional e a compreensão de quem são os principais inimigos a serem enfrentados. Durante o Governo Obama, duas grandes potências eram consideradas as grandes ameaças à segurança e ao poderio estadunidense: Rússia e China. A forma como Washington vinha lidando ao longo desta década com as duas contendoras era diversa, pois o grau de agressividade discursiva e de ataques diplomáticos e econômicos sempre foi maior em relação à Rússia. A diferenciação não desapareceu, mas no Governo Trump já se identificam posicionamentos mais duros em relação à potência asiática, como se demonstra na guerra comercial empreendida com os chineses em 2018. O presente texto almeja identificar as causas motivadoras deste embate comercial que se desenha, bem como assinalar alguns efeitos possíveis caso a situação se prolongue.

No ano de 2017, as trocas de bens entre China e Estados Unidos apresentaram um déficit para este último superior a 327 bilhões de dólares. O quadro de prejuízo na balança de pagamentos estadunidense não é exclusivo de suas relações com a China, mas como esta é a sua principal parceira econômica, e possui a segunda maior economia do mundo, passou a ser o alvo preferencial de medidas econômicas da Casa Branca. Em março de 2018, o Governo Trump anunciou o aumento das tarifas de importação de aço para 25% e de alumínio para 10%. Apesar de ser pouco afetada diretamente, a China aumentou tarifas para um total de 3 bilhões de dólares de produtos importados dos EUA. No mês de julho, Washington impôs uma tarifa de 25% sobre um volume de 34 bilhões de dólares de importações da China, recebendo resposta na mesma medida. No início de agosto, os EUA anunciaram planos de aumentar tarifas de 10% para 25% sobre um montante de 200 bilhões de dólares de produtos importados da China. O Governo Xi Jinping declarou que se isto ocorrer, contramedidas serão adotadas.

Além de tentar diminuir seu déficit comercial, no plano doméstico as atitudes de Trump visam ao seu eleitorado. Durante a campanha presidencial, parte importante de seu discurso sinalizava para a proteção da economia do país e a consequente recuperação de empregos em território nacional. Há sérias dúvidas se a agressiva política comercial em curso reposicionará a indústria dos EUA num contexto global e gerará benefícios ao trabalhador estadunidense, contudo o Governo Trump tem insistido neste argumento.

Quanto às causas de natureza global, a China tem se tornado cada vez mais assertiva na busca de aumento de poder internacional. Projetos como a Nova Rota da Seda, o Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura e a construção de ilhas artificiais no Mar do Sul da China denotam que Pequim tem atuado em todas as frentes para se consolidar como grande potência. Especificamente quanto à produção industrial, o país lançou o Made in China 2025, programa cujo objetivo é alcançar em tecnologia e qualidade industrial os EUA e a União Europeia em áreas como tecnologia da informação, robótica, maquinário agrícola e biomedicina. Ao observar o conjunto das ações chinesas, os EUA sentem sua liderança global severamente ameaçada, o que demandaria uma resposta. Como um conflito armado com a China está fora de cogitação, resta a Washington empreender a atual disputa de natureza comercial. Isto leva à necessidade de avaliar os efeitos desta política.

Quanto aos ganhos à economia doméstica, o nobel de economia Joseph Stiglitz entende que medidas retaliatórias chinesas tenderão a diminuir os empregos estadunidenses, não somente pela perda no mercado chinês, mas porque o aumento das tarifas dos EUA tornará suas exportações menos competitivas. Além disto, os preços dos produtos importados aumentarão, o que diminuirá o poder de compra da população.

No aspecto global, os ganhos estadunidenses do conflito comercial são ainda mais duvidosos. Os EUA estão tentando atrair os europeus para o seu lado da disputa, o que não é uma tarefa fácil. O Brexit retirou da União Europeia a principal aliada estadunidense, o que pode obrigar a Casa Branca a fazer escolhas entre Londres e Bruxelas num futuro próximo. Ademais, não é possível posicionar a China como uma ameaça direta à Europa perante a população do continente. Também é preciso considerar as relações econômicas sino-europeias e o prejuízo que a União Europeia teria em embarcar na guerra comercial de Trump. Cabe agora trazer à equação as ações chinesas. Diante da agressividade estadunidense, Pequim está estreitando suas parcerias multilaterais, sobretudo com os países do sul global. Na Cúpula dos BRICS de 2018 Xi Jiping conseguiu atrair os demais países do grupo para uma condenação do grupo ao unilateralismo e ao protecionismo. A possibilidade de ampliar a Organização da Cooperação de Xangai para incluir outro alvo recorrente dos EUA, o Irã, também reforçaria a posição chinesa no contexto eurasiático.

Como se pode observar, caso mantenham sua atual postura, os EUA podem sair como principais perdedores da guerra comercial com os chineses. Primeiramente, porque os lucros econômicos alardeados são incertos. Em segundo lugar, a imagem passada pela Casa Branca é de arrogância e egoísmo, o que permitirá à China capitalizar apoios cruciais e sedimentar alianças não apenas para fortalecer sua economia, mas também tendo em foco a disputa que se desenha com os EUA pela posição de potência mais relevante do sistema internacional . ■

*** Ainda sobre a China, acesse a entrevista A ascensão da China, a disputa pela Eurásia e a Armadilha de Tucídides, publicada pelo IHU. O IHU também vem publicando inúmeros textos acerca desse tema. Entre eles China: outro modelo neoliberal ou outra forma de mercado?; e China, uma ordem pós-neoliberal?. Leia mais na página das Notícias do Dia


Expediente
Coordenadores do curso de Relações Internacionais da Unisinos: Prof. Ms. Álvaro Augusto Stumpf Paes Leme (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.) e Profª Drª Nádia Barbacovi (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).
Editor: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)

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