Edição | 30 Julho 2018

A administração Zuma e o legado na política externa da África do Sul

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Anselmo Otavio

"Pretória pautou-se na inserção política não apenas apoiada nas relações Norte-Sul, mas também ancorada nas relações Sul-Sul. De fato, mesmo valorizando a parceria com Estados Unidos e União Europeia, dois dos principais parceiros econômicos do país, tornou-se claro o interesse da administração Zuma em fortalecer laços com países do BRIC, escolha que garantiu novos investimentos à África do Sul", afirma Anselmo Otavio.

Anselmo Otavio é professor de Relações Internacionais da Unisinos e Pesquisador do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (Cebrafrica/UFRGS).

Eis o artigo.

Em meados de fevereiro de 2018, chegava ao fim na África do Sul a administração Zuma (2009-2018). Marcada por crítica por parte da população sul-africana, bem como pelo próprio partido, o Congresso Nacional Africano (CNA), cujo ápice foi a solicitação de renúncia do presidente, a administração Zuma não obteve os resultados esperados no âmbito interno. No entanto, a pergunta que ganha relevância diz respeito à política externa, isto é, qual foi o legado deixado por Zuma na política externa adotada pela África do Sul? É pautado em tal questão que o artigo buscará apresentar, ao menos sintetizar, os principais pontos encontrados na inserção internacional de Pretoria.

Integração regional e relações Sul-Sul: a política externa da administração Zuma

De modo geral, especulava-se que a administração Zuma traria algumas mudanças tanto no âmbito interno como no externo ao país, uma vez que o novo governo sul-africano trazia na base de apoio grupos como o Congress of South African Trade Unions, o South African Communist Party e a ANC Youth League, estes contrários às políticas adotadas pelas administrações anteriores. Logo, se no plano interno esperava-se atuação direcionada ao rompimento com o desemprego, a melhora das condições de saúde e educação para grande parcela da população, enfim, encontrar soluções a desafios herdados do regime do apartheid não resolvidos pelas administrações anteriores, no âmbito das relações internacionais, as expectativas giravam em torno da política que passaria a direcionar Pretória na África e no mundo, principalmente a partir da transformação do Department of Foreign Affairs em Department of International Relations and Cooperation, cuja finalidade objetivava reforçar aos países africanos o caráter não hegemônico de sua atuação no continente (LANDSBERG, 2010).

Todavia, quando analisados os quase dez anos da administração Zuma, é possível destacar a continuidade, e não o rompimento com a política externa que vinha sendo adotada pelo país. Primeiramente porque pontos como a valorização da democracia, o desenvolvimento econômico, o respeito ao multilateralismo, a resolução de conflitos através do diálogo, a diversificação e a ampliação de parcerias estratégicas, dentre outros que já vinham norteando a atuação sul-africana pós-apartheid, foram mantidos. Em segundo, porque também houve a contínua priorização do continente africano, esta simbolizada pela manutenção e intensificação da Agenda Africana. Neste caso, um primeiro exemplo pode ser encontrado na busca pela pacificação do continente, seja através do apoio a missões de peacekeeping e peacemaking, seja por meio do auxílio à reconstrução de países pós-conflito.

Além do âmbito securitário, outro exemplo pode ser encontrado na criação ou manutenção de acordos bilaterais no âmbito econômico, os chamados Business Forums, forjado com países como Nigéria, Senegal, Tanzânia, Namíbia, Zâmbia e destacadamente Angola, cuja visita presidencial contou com a participação de 150 empresários, no caso, o maior número de empresários participantes em uma visita oficial. Paralelamente a isso, um segundo exemplo destas relações econômicas pode ser encontrado em dois projetos que a administração Zuma se pautou, no caso, à consolidação do SADC [Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, em inglês Southern Africa Development Community] Free Trade Area – lançado ainda durante a administração Mbeki (1999-2008) – e à construção de uma zona de livre comércio baseada na integração entre a SADC, a East African Community, e a Common Market for Eastern and Southern Africa. No âmbito da infraestrutura, a realização de tais iniciativas caminhava lado a lado ao Presidential Infrastructure Champion Initiative e o Programme for Infrastructure Development in Africa.

Ainda no âmbito econômico, porém, no que diz respeito à relação da África do Sul com o mundo, o que se viu foram algumas transformações referentes ao posicionamento dos principais parceiros comerciais de Pretória. Evidentemente que a União Europeia se manteve como principal parceiro comercial da África do Sul, no entanto, ao longo dos anos 2005 e 2017, o que se viu foi a China ultrapassar os EUA e se transformar no segundo maior parceiro comercial do país africano. Além disso, as trocas comerciais com o Mercosul também se mantiveram relevantes, uma vez que, somada à continuidade nos exercícios navais do IBSAMAR (II, III e V), demonstrou o interesse sul-africano em considerar o Atlântico Sul (DTI, 2018a; 2018b; OTAVIO, 2017).

Conclusão

Ao apresentarmos os principais pontos encontrados na inserção internacional de Pretória, tornou-se claro a continuidade na política externa da África do Sul. De fato, seguindo os passos de Mandela, Zuma pautou-se em pontos como a valorização da democracia, o desenvolvimento econômico, o respeito ao multilateralismo, dentre outros adotados no imediato pós-Guerra Fria. Já acerca de Mbeki, Zuma manteve o interesse pelo continente africano, valorizando a diplomacia econômica, como também buscou intensificar as relações com as potências emergentes. Reflexo disso foi a manutenção da Agenda Africana e a entrada no grupo dos BRICS. ■

Referências
OTAVIO, Anselmo. From Mandela to Zuma: the importance of the Southern Atlantic Region for South Africa’s Foreign Policy. In Brazilian Journal of African Studies. Porto Alegre: v.2, n.3, p. 169-189, 2017.

DEPARTMENT TRADE AND INDUSTRY OF SOUTH AFRICA (DTISA). AS Export Value HS8 (Annually). Pretoria, 2018a.

DEPARTMENT TRADE AND INDUSTRY OF SOUTH AFRICA (DTISA). AS Import Value HS8 (Annually). Pretoria, 2018b.

LANDSBERG, Chris. The Foreign Policy of the Zuma Government: Pursuing the ‘national Interest’? South African Journal of International Affairs, London: v. 17, n. 3, p. 273-293, 2010.

Expediente
Coordenador do curso de Relações Internacionais da Unisinos: Prof. Ms. Álvaro Augusto Stumpf Paes Leme (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.) e Profª Drª Nádia Barbacovi (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).
Editor: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)

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