Edição 210 | 05 Março 2007

Cartas de Iwo Jima e Conquista da Honra

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Os filmes a seguir foram vistos e apreciados por um colega do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

Cartas de Iwo Jima

Ficha Técnica
Título Original: Letters from Iwo Jima
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 140 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2006
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Iris Yamashita, baseado em livro de Tadamichi Kuribayashi e em estória de Iris Yamashita e Paul Haggis
Sinopse: Junho de 1944. Tadamichi Kuribayashi (Ken Watanabe), o tenente-general do exército imperial japonês, chega na ilha de Iwo Jima. Muito respeitado por ser um hábil estrategista, Kuribayashi estudara nos Estados Unidos, onde fizera grandes amigos e conhecia o exército ocidental e sua capacidade tecnológica. Por isso o Japão colocou em suas mãos o destino de Iwo Jima, considerada a última linha defesa do país. Ao contrário dos outros comandantes Kuribayashi moderniza o modo de agir, alterando a estratégia que era usada. Ele supervisiona a construção de uma fortaleza subterrânea, feita de túneis que davam para as suas tropas a estratégia ideal contra as forças americanas, que começam a desembarcar na ilha em 19 de fevereiro de 1945. Os japoneses sabiam que as chances de sair dali vivos eram mínimas. Enquanto isto acontece Kuribayashi e outros escrevem várias cartas, que dariam vozes e rostos para aqueles que ali estavam e o relato dos meses que antecederam a batalha e o combate propriamente dito, sobre a ótica dos japoneses.

A conquista da honra

Ficha Técnica
Título Original: Flags of Our Fathers
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 132 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2006
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: William Broyles Jr. e Paul Haggis, baseado em livro de Ron Powers e James Bradley
Sinopse: Fevereiro de 1945. Apesar da vitória anunciada dos aliados na Europa, a guerra no Pacífico prosseguia. Uma das mais importantes e sangrentas batalhas foi a pela posse da ilha de Iwo Jima, que gerou uma imagem-símbolo da guerra: cinco fuzileiros e um integrante do corpo médico da Marinha erguendo a bandeira dos Estados Unidos no monte Suribachi. Alguns destes homens morreram logo após este momento, sem jamais saber que foram imortalizados. Os demais permaneceram na frente de batalha com seus companheiros, que lutavam e morriam sem qualquer ostentação ou glória. 

Guerra e humanidade

O comentário a seguir é de Hélio Nascinmento, publicado no Jornal do Comércio em 23-02-2007. As Notícias Diárias do IHU, em 21-09-2006, entrevistaram Nascimento com exclusividade. Para conferir a entrevista O Farol da crítica de cinema brasileira, acesse as Notícias Diárias do IHU no mecanismo Busca de Notícias.

Os dois monumentos realizados por Clint Eastwood , tendo como tema a batalha pelo controle da ilha de Iwo Jima , durante a Segunda Guerra Mundial, se enriquecem e se complementam de maneira a criar, em seu conjunto, aquele que talvez seja o maior filme sobre conflitos armados até hoje realizado. São muitos os títulos maiores do gênero, mas nenhum deles supera em dramaticidade o que se vê agora em Cartas de Iwo Jima, o segmento japonês do díptico criado pelo cineasta. Baseado em roteiro escrito por Íris Yamashita , que por sua vez trabalhou em colaboração com Paul Hagis  na criação da história a ser narrada, Eastwood - sendo bom lembrar que diretores de personalidade também orientam os roteiristas - cria imagens fortes, daquelas que costumam permanecer na memória do espectador muito tempo depois de encerrada a projeção. Mas não apenas por isso estamos diante de um filme excepcional, pois tudo está estruturado de tal forma que termina transformando a história narrada em resumo poderoso do ponto a que pode chegar a agressividade humana quando atiçada por interesses que transformam os indivíduos em máquinas de destruição. Mas o filme não permanece preso aos cânones do discurso pacifista. À medida que descreve a brutalidade, vai, igualmente, erguendo uma forma visual que ressalta o lado oposto. Como num contraponto, ouve-se, também, a melodia humanista, o canto de fraternidade, a busca da harmonia. O filme não expressa sua aversão pela guerra apenas ao estabelecer tal contradição. Por vezes, como na imagem final, é o silêncio que adquire eloqüência e praticamente torna explícita a crítica aos conflitos criados pelo homem e destinados à sua própria destruição.

Aproveitando o fato de o general Kuribayashi ter estudado nos Estados Unidos e ter feito amizades na América, o cineasta ressalta, não apenas baseado em tais dados, a irracionalidade que seu filme capta em plena ação. Há outros elementos. O campeão das Olimpíadas de Los Angeles também está presente, ostentando, numa das mais notáveis seqüências do filme, o fato de ter recebido em sua casa dois astros do cinema americano. Contudo, nada de ingenuidades. Em outro momento de grande impacto, a atitude de um soldado americano diante de dois prisioneiros destrói qualquer possibilidade de alguma forma de humanismo prevalecer.

Entretanto, o mais importante, o tema que une Cartas de Iwo Jima ao outro filme, encontra-se no relacionamento entre o general comandante e o soldado que é retirado da companhia de uma mulher e levado para a guerra. Estabelece-se, então, entre o militar e o padeiro um relacionamento que recoloca em cena o tema do pai e do filho. Aquele que aparece três vezes como salvador do soldado que começa expressando sua desconformidade com os fatos e depois não participa do ritual em que vários colegas se suicidam. É ele - o soldado - que, como testemunha do último gesto de humanismo, enterra na caverna o testemunho revelador. Os personagens de Eastwood não estão presos na caverna para ter do mundo uma idéia através da visão das sombras. Eles experimentam na carne e na alma a dor insuportável do padecimento criado pelo próprio homem. Se a ameaça vem do exterior - o ataque americano - é no ser humano que se encontram as raízes do mal a ser entendido, como fica evidente na cena do cachorro sacrificado em nome da segurança. Mas também aí temos um contraponto e também no desespero do oficial ao ver o cavalo ferido. Em todo o relato de Cartas de Iwo Jima, está presente a perfeição das obras-primas.


Visível e invisível

Obedecer ao "certo" exclui a compreensão do que é certo: a própria natureza do certo escapa a quem obedece; Eastwood expõe os princípios que comandam a todos, mas que são exteriores a cada um. O comentário a seguir é de Jorge Coli, publicado pela Folha de São Paulo em 04-03-2007.
 
A “Conquista da Honra" e "Cartas de Iwo Jima", filmes dirigidos por Clint Eastwood, formam um díptico. Ambos têm, como núcleo, a montanha que se eleva numa ilha estéril.
No primeiro, ela serve de pedestal. A bandeira vitoriosa dos EUA foi plantada bem no pico. A célebre fotografia dos soldados no esforço de hasteá-la virou uma imagem definitiva na cultura do Ocidente. Ela foi mesmo fundida em bronze e virou um monumento. O diretor se interroga sobre a hiperexposição à mídia, ao imaginário coletivo que se inventa pulsões heróicas, e demonstra o descompasso entre a crença na glória e as contradições humanas que ela encobre.

A ação do segundo filme, as "Cartas de Iwo Jima", se passa na mesma ilha, na mesma montanha que fede a enxofre, e sua péssima água provoca disenteria. É despida de qualquer vegetação. Mas, ao contrário do que se vê em "A Conquista da Honra", seu tema central não é a visibilidade de uma imagem. O cerne está bem escondido num buraco, no fundo das galerias escavadas montanha adentro. Ali, algumas cartas pessoais foram enterradas. Elas não falam das batalhas, dos combates, do heroísmo, dos mortos e dos feridos. Elas trazem sentimentos domésticos e familiares.

Essa correspondência é autêntica e foi encontrada há poucos anos. Nada de uma celebração pública do heroísmo, para a qual a montanha serviu de base física e simbólica, mas uma intimidade confidencial que a montanha guardou secretamente.

Tons

Os soldados acuados viraram toupeiras. Eles cavam para resistir, mergulhados numa batalha perdida de antemão. Morrem e matam-se por uma honra coletiva, viva, mas distante dos destinos de cada um.
Homens e areias, tudo é azul acinzentado, metálico. De vez em quando, num emblema figurando o sol nascente, numa ferida ensangüentada, vibra o vermelho.
Ferocidade

"Cartas de Iwo Jima" expressa uma oposição que está implícita em "A Conquista da Honra". A frase faça o que é certo porque é certo serve tanto para o dever dos soldados japoneses quanto o dos americanos. Esse certo, porém, se anula pelo fato de significar, para um, o aniquilamento do outro.

A obsessão ética vai mais fundo. Uma obediência ao certo exclui a compreensão do que é certo; ou seja, a própria natureza do certo escapa a quem obedece. Clint Eastwood expõe assim os princípios abstratos, políticos, militares, que comandam a todos, mas que são exteriores a cada um. Seria possível dizer que o diretor faz sobressair a humanidade espessa dos indivíduos, em carne e osso, carregados de sentimentos, separados de suas famílias, sofrendo dolorosamente, sobre o pano de fundo desumano estendido pelos políticos e pelos militares. Ocorre, porém, que esse desumano é, infelizmente, parte do humano porque foi também criado pelos homens. O diretor modela um humanismo feito de carne, osso e sentimentos para denunciar a barbárie feroz imposta do alto, comandada pelos ideais e pelas pátrias.

Além

Clint Eastwood intui comunicações invisíveis, impalpáveis, entre os indivíduos. Isso aparece, por exemplo, em "Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal" [1997] e, mais ainda, em "Dívida de Sangue" [2002]. As "Cartas de Iwo Jima" mostram laços incompreensíveis. As cartas nunca foram enviadas. Pouco importa: elas são a expressão concreta desses sutis vasos comunicantes que, não se sabe bem a razão, mesmo à distância, unem os seres de maneira tão forte.

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