Edição 515 | 13 Novembro 2017

Na sociedade em que a morte é tabu, suicídio é o maior

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Vitor Necchi | Edição: João Vitor Santos

Karen Scavacini defende que o tema seja discutido abertamente, pois silenciando o debate, perde-se a oportunidade de fazer a efetiva prevenção

A vida moderna, em que as pessoas correm o tempo todo e se exige multiplicidade de função e aptidões, faz com que se tenha cada vez menos tempo para a reflexão. Com isso, assuntos inerentes à vida vão sendo postos de lado, e temas como a morte, por exemplo, acabam silenciados. O problema é que, quando ela ocorre, não se tem a capacidade de elaboração. A doutoranda em Psicologia Karen Scavacini destaca que se atualmente se fala e discute pouco a morte, com o suicídio é ainda pior. “A morte é um tabu na nossa sociedade, e o suicídio, o maior deles”, pontua. “Muitas pessoas acreditam que não devem falar sobre o assunto para que ele não aconteça. A visão religiosa também colaborou para que as pessoas vissem o suicídio como um pecado. A sociedade julga e não entende o suicídio; acredito que isso se deva por falta de conhecimento, informação e empatia.”

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Karen esclarece que não há um fator apenas que leva a pessoa a provocar a própria morte. “O comportamento suicida é complexo e multifatorial. Sabemos que 90% dos casos de suicídio têm relação com a presença de transtornos mentais, muitas vezes não tratados e nem diagnosticados”, explica. Por isso, defende que o tema seja encarado de frente, com debates amplos e diretos. “ Só mudamos as coisas ao falarmos sobre elas. Ao deixar o suicídio como tabu, perdemos a oportunidade de fazer prevenção e acolhimento.”

Karen Scavacini é doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo – USP. Também é mestra em Saúde Pública pelo Instituto Karolinska, da Suécia, na área de Prevenção ao Suicídio e Promoção de Saúde Mental, cofundadora, responsável técnica e coordenadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio. Integra a diretoria da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio – ABEPS. Autora do livro E agora? Um livro para crianças lidando com o luto por suicídio (São Paulo: All Print Editora, 2014).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A decisão pelo suicídio é repentina ou pensada? Sinais são emitidos?
Karen Scavacini – Temos vários tipos de suicídio, desde aqueles que foram planejados até os impulsivos. Observamos que os idosos planejam mais e os adolescentes são mais impulsivos. Podemos ter sinais, porém muitas vezes esses sinais não são claros ou só fazem sentido depois do ato. Os sinais podem ser verbais ou comportamentais. Na presença dos sinais ou na desconfiança de ideação suicida, devemos tomar providências.

IHU On-Line – Motivos circunstanciais (problemas financeiros, crises em relacionamentos, dores crônicas, doenças etc.) são suficientes para alguém acabar com a própria vida ou necessariamente deve ocorrer alguma associação com algum tipo de sofrimento psíquico?
Karen Scavacini – Não, estes são geralmente os desencadeantes, ou a gota d’agua para o ato suicida. O comportamento suicida é complexo e multifatorial, ele nunca ocorre por uma causa única. Sabemos que 90% dos casos de suicídio têm relação com a presença de transtornos mentais, muitas vezes não tratados e nem diagnosticados. O mais comum deles é a depressão.

IHU On-Line – Por que o suicídio é um tabu?
Karen Scavacini – A morte é um tabu na nossa sociedade e o suicídio, o maior deles. Muitas pessoas acreditam que não devem falar sobre o assunto para que ele não aconteça. A visão religiosa também colaborou para que as pessoas vissem o suicídio como um pecado. A sociedade julga e não entende o suicídio; acredito que isso se deva por falta de conhecimento, informação e empatia.

IHU On-Line – É preciso falar aberta e publicamente sobre o suicídio? Por quê?
Karen Scavacini – Sempre! Só mudamos as coisas ao falarmos sobre elas. Ao deixar o suicídio como tabu, perdemos a oportunidade de fazer prevenção e acolhimento.

IHU On-Line – Qual a maneira adequada de se tratar o tema e em quais ambientes isso deve ocorrer?
Karen Scavacini – Com sensibilidade e conhecimento, é preciso saber do que está falando. Pode e deve ocorrer em todos os lugares. O suicídio ocorre em todas as faixas sociais e a partir dos 10 anos, então precisamos sim falar sobre suicídio em diversas esferas e de várias maneiras. A mídia deve parar de ter medo de falar sobre o assunto.

IHU On-Line –Há preconceito com quem se mata? E os familiares, sofrem algum tipo de hostilidade?
Karen Scavacini – Sem dúvida, a sociedade julga e transfere a “culpa”. Se antes o “culpado” era a pessoa que pensa em se matar, e ela é muitas vezes vista como covarde, corajosa ou que tem falta de Deus no coração, a culpa passa para os sobreviventes que precisam lidar com a sociedade achando que eles deveriam ter feito mais, que eles não perceberam ou que são culpados por aquela morte.

A hostilidade muitas vezes aparece em conversas de dia a dia, quando as pessoas querem saber se eles não perceberam ou fizeram nada ou querem detalhes mórbidos da morte. Há também o afastamento dos amigos e conhecidos.

IHU On-Line – Conforme o primeiro boletim epidemiológico sobre suicídio no Brasil, divulgado em setembro pelo Ministério da Saúde , o suicídio é a quarta maior causa de morte de jovens entre 15 e 29 anos. Qual a vulnerabilidade desta faixa etária?
Karen Scavacini – Os jovens são impulsivos e muitas vezes não percebem a consequência de seus atos, inclusive de que a morte é para sempre, por mais estranho que pareça isso. Vemos jovens com baixa tolerância à frustração, muita pressão escolar e da sociedade, e que acreditam que o mundo virtual é igual ao mundo real. Outros fatores de risco nessa faixa etária são: uso de álcool e drogas, presença de transtorno mental, jovens LGBT e bullying. Precisamos ter conversas abertas com esses jovens, com temas de saúde mental, diminuir os fatores de risco e prover acesso a tratamento psicológico e psiquiátrico quando necessário.

IHU On-Line – Estima-se que sobreviventes de tentativas de suicídio têm entre cinco e seis vezes mais chances de tentar o ato novamente. Como lidar com eles?
Karen Scavacini – Precisamos de continuidade na ajuda dessas pessoas, o risco é ainda maior nos 30 primeiros dias depois da tentativa. Orientação familiar e escolar, tratamento psicológico e psiquiátrico são algumas das possibilidades. No geral a pessoa não deve ser julgada pelo que fez, ela precisa de ajuda. O suicídio é um grito de socorro que não foi ouvido a tempo. E por todos, não só a família, pois não podemos culpabilizar a família.

IHU On-Line – Familiares e amigos de quem se mata elaboram a perda de que maneira? O luto que decorre de um suicídio é diferente se comparado aos relacionados a outras formas de morte?
Karen Scavacini – Este luto é mais intenso e duradouro, com questões específicas referentes a busca do porquê, o estigma, a culpa e o julgamento. Grupos de apoio a enlutados, como os do Vita Alere e do GASS, são ótimas maneiras da pessoa perceber que isso já aconteceu com outras pessoas e aprender a lidar com essa perda. Há duas vidas, uma antes e uma depois do suicídio de alguém amado. É um processo longo de reconstrução e ressignificação de vida.

IHU On-Line – E com as crianças, como explicar, como lidar com o luto?
Karen Scavacini – Devemos explicar para as crianças de acordo com a faixa etária dela e usando palavras adequadas à sua idade e sem muitos detalhes. Acredito que a verdade é a melhor forma sempre, embora seja muito difícil para quem ficou contar o ocorrido. No geral, a criança sabe que aconteceu alguma coisa, e poder falar abertamente com ela pode inclusive ajudá-la a não tomar a mesma decisão no futuro.

Muitas vezes precisamos começar explicando o que é morte, o que é luto e quais os sentimentos ligados a ele, para então explicar o que é suicídio e o que podemos fazer juntos para lidar com essa perda.

IHU On-Line –Deseja acrescentar algo?
Karen Scavacini – Se as pessoas quiserem mais informações, podem acessar www.vitaalere.com.br, onde há muitas informações sobre suicídio e luto por suicídio. Nunca devemos ficar passivos a um comportamento suicida. Na dúvida, aja! Se você estiver pensando em suicídio, procure ajuda, quantas vezes precisar, pois, como diz Phil Donahue , “o suicídio é uma solução permanente para um problema temporário”. ■

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