Edição 512 | 02 Outubro 2017

Um olhar estrangeiro sobre si mesmo

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Lara Ely

Desde a saída de Fortaleza, os deslocamentos foram fundamentais na trajetória de Antônio Fausto Neto, professor do PPG em Ciências da Comunicação da Unisinos

Foto: Arquivo Pessoal

Entre os estudantes que tomaram as ruas de Paris em maio de 68 para reivindicar direitos civis e liberdades individuais estava um jovem cearense de vinte e poucos anos, recém-chegado de Fortaleza para estudar jornalismo em Sorbonne 2. Em um contexto em que o mundo tentava se curar da ressaca pós-Guerra e encontrar um norte para restabelecer equilíbrio social, político e econômico, a mobilização da juventude por meio dos movimentos de contracultura fez avançar o pensamento intelectual da época. Foi neste berço efervescente que se deu a formação de Antônio Fausto Neto, jornalista e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos.

Aos 70 anos, ele acumula na bagagem os títulos de mestre e doutor na área, além de ter feito estágio pós-doutoral na área e ser dono de um vasto currículo de produção científica, participação em eventos dentro e fora do Brasil e o protagonismo na expansão dos cursos em instituições públicas e privadas. Em contraponto à carreira verticalizada, sua trajetória pessoal é marcada por andanças e um estilo de vida viajante que lhe rende um olhar estrangeiro típico dos migrantes.

“Tornei-me uma pessoa adotada por vários lugares. Sou recebido na sala de visita. Porque a copa é do mundo interno, para as pessoas da casa. Isso é um treinamento da diplomacia, que me coloca em permanente observação”, reflete.

A última vez que viveu em sua cidade natal foi no período da ditadura, quando iniciava a vida de repórter no grupo Asapress e Diários Associados. Deste tempo, guarda lembranças do convívio com ícones da vida política e cultural brasileira, a exemplo do músico Belchior e o militante católico Frei Tito. O primeiro quis lhe vender seu Gordini prata antes de deixar o país, mas ele recusou porque também estava de partida. “Éramos uma geração de passagem”, lembra. O segundo foi seu contemporâneo no Liceu público, onde aprenderam a falar francês, e acabou tendo um fim trágico na casa dos beneditinos em Lyon, na França, após ser torturado pelos militares.

Embora sua saída não tenha sido pelo motivo clássico que leva muitos jovens a deixarem o Nordeste (“foi uma migração existencial”), Fausto partiu em função de uma busca que o acompanha até os dias atuais - a ressignificação da vida. Esta foi uma questão que o levou a passar a última semana na praia de Japaratinga, região conhecida como Caribe brasileiro, para discutir o tema “Circulação discursiva e transformação da sociedade” durante o encontro do Centro Internacional de Semiótica e Comunicação – Ciseco.

Alguns papas no campo da semiótica discutidos no encontro, como Eliseo Verón , Edgar Morin e Roland Barthes , Fausto teve o privilégio de conhecer em Paris, quando fez sua graduação, ou depois, quando retornou para o Doutorado. Outros, como Umberto Eco , já fizeram parte do Conselho Científico deste colégio invisível à beira-mar. Conta Fausto que o local foi estrategicamente escolhido no litoral alagoano por estar a 7 horas da França, 7 horas do Rio Grande do Sul, 7 horas do México, de onde confluem os principais painelistas. Arrisco indagar se a escolha do QG do evento que já está na décima edição tem a ver com a proximidade do Ceará, como um subterfúgio para estar “perto dos seus”. Ele sorri e arrisca não negar.

“É um formato de estudar onde criamos uma reflexão à contramão de uma estrutura repetidora de matriz de formação. Não queremos ser uma instituição formal”, explica o organizador.
Disseminar a bagagem adquirida próximo a esses intelectuais entre os novos comunicadores é uma função à qual Fausto tem se dedicado e empreendido nas últimas décadas – período no qual também teve três filhos e cinco netos, que vivem espalhados entre Rio, Brasília e Berlim. Como professor, passou por Belo Horizonte, Brasília, Paraíba, Rio de Janeiro e, finalmente, São Leopoldo.

Partindo do jornalismo, fez incursões teóricas pelo viés da linguagem, discurso analítico e fenomenológico. Fez parte da antiga Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais – Abepec, ajudou a criar o Compós e acompanhou de perto a expansão da pós-graduação em comunicação por todo o Brasil. Estava formando novos pesquisadores e dando aula em mestrado e doutorado no centro do país quando recebeu o convite para transformar o Pós em Semiótica da Unisinos em uma Escola de Ciências da Comunicação. Sua participação resultou na criação do Doutorado.

Já viveu em cidades funcionais, inclusive Porto Alegre, mas optou por residir em São Leopoldo, onde aprecia um modo de vida ao estilo bairro, quase interiorano.

“A sua cidade não é mais a mesma quando você volta. Chega uma idade da vida que a gente valoriza as coisas simples, é a idade da síntese”, afirmou.

É no Vale dos Sinos, ministrando a disciplina de Processos Midiáticos e nas reuniões do Poscom, que ele prepara os alunos para uma visão crítica em relação à mídia, dentro do macrotema da midiatização. Defende que é necessário “desenformar” o pensamento acadêmico, para que a produção intelectual circule e seja revertida em mudança social.

“Se você não cria esse espaço de dilatação, existe uma tensão. Vai apenas responder uma demanda do produtivismo, mas o que se faz com isso? Qual o sentido das 200 teses produzidas todos os anos aqui dentro? Antigamente, você ia a certas universidades porque os grandes mestres estavam lá, eles eram referências de vínculo. Hoje, são as notas da faculdade que movem os estudantes. Esse é um fenômeno sobre o qual repousam os critérios de financiamento do ensino”, questiona, ao propor inventariar as perguntas das teses.

Para o pesquisador, este empobrecimento do modelo formativo acompanha uma espécie de “desencantamento pela imprensa”. Segundo ele, enfrenta-se uma realidade do trabalho muito complexa, onde temos uma massa qualificada que não recebe treinamento compatível e não tem a valorização adequada”.

As condições de trabalho e produtividade são desafiadas pela internet, mas nenhum acontecimento passa à margem das tecnologias de comunicação. Nesse cenário, a função da midiatização é a transformação da ambiência em que vivemos. Nesta perspectiva, o papel do comunicador deve ser pensado dentro de novos formatos, para servir à reflexão.

“Antes a gente esperava pelo jornal no dia seguinte. Hoje, faltam bases de relação, decantação da experiência para que você possa formular um ponto de vista diferente. Isso afeta tudo: os modelos de pensar, os relacionamentos, os problemas. A universidade precisa se esforçar para compreender o ponto cego desta problemática, tem temas ricos aí, mas a capacidade reflexiva está muito atravessada pela narrativa da crise. Faltam indagações, falta valorização desses pedaços e isso faz com que a gente perca a perspectiva da esperança”.■

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição