Edição 510 | 04 Setembro 2017

Rio Grande do Sul vive estagnação desde 2014

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Vitor Necchi

Róber Iturriet Avila afirma que a situação do estado é complexa, e repostas simplistas como “gastou demais” são limitadas

O Rio Grande do Sul criou um estado moderno e uma burocracia estatal antes das demais unidades do Brasil. A lembrança é feita pelo economista Róber Iturriet Avila quando começa a explicar o elevado grau de endividamento do estado. Além disso, os gaúchos têm uma das maiores expectativas de vida do país. “Isso quer dizer que o estado possui muitas pessoas aposentadas e que vivem muito. Então, quando se observam as contas do estado, logo se percebe que os gastos com inativos são superiores aos gastos com os servidores ativos”, analisa Avila, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. “Isso tem um custo alto.”

Outro fator lembrado por Avila é o fato de que, desde a década de 1990, adotou-se a prática de concessão de elevados benefícios fiscais para atração de investimento. As desonerações eram 20% da arrecadação em 2003 e pularam para 30% em 2015. Nesse último ano, totalizaram R$ 8,98 bilhões. “De um lado, aumenta a despesa com inativos e, de outro, o estado abre mão de receitas de maneira crescente”, resume.

A situação se torna mais nebulosa porque, conforme o professor, “há pouca transparência sobre essas desonerações e sobre o seu retorno”, pois o estado alega sigilo fiscal. “Em um momento grave como este, estudos sobre o retorno dos incentivos fiscais são imperativos.” Avila salienta que o combate à sonegação fiscal deve ser considerado como medida para enfrentamento da crise. “A questão é complexa, e as repostas simplistas como ‘gastou demais’ são limitadas”, critica.

Nesta entrevista, Avila apresenta os distintos ciclos da economia do Rio Grande do Sul, desde a fase de industrialização, entre 1930 e 1980, quando houve elevadas taxas de crescimento neste setor, até a estagnação iniciada em 2014 e que perdura até o momento.

Róber Iturriet Avila é doutor e mestre em Economia e graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, onde leciona no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É colunista do portal Brasil Debate. Foi analista pesquisador da Fundação de Economia e Estatística - FEE.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Na primeira metade do século 20, o Estado mantinha uma base agropecuária forte, expandiu a indústria, conseguia influenciar a política nacional e nasceram empresas do porte da Varig. Como foi a segunda metade?
Róber Iturriet Avila – O desempenho da economia gaúcha possui relação com o movimento geral da economia brasileira. Entre 1930 e 1980, ocorreu o período de industrialização, com elevadas taxas de crescimento neste setor. Após a década de 1980, a economia nacional entra numa fase de menor crescimento, o que encontra paralelo com o ocorrido no mundo como um todo. As taxas de crescimento caem globalmente. Assim, entre 1948 e 1980, o crescimento econômico no Brasil e no Rio Grande do Sul foi liderado pela indústria, com taxas de crescimento na ordem de 8,1% ao ano nesse setor da economia gaúcha. No período do Plano de Metas, a agropecuária gaúcha sofreu uma crise, e por esse motivo a economia gaúcha cresceu três pontos percentuais abaixo da economia brasileira entre 1956 e 1960. Retomou o crescimento em 1961 e 1962 e depois ficou estagnado novamente até 1967. Todavia, no período do Milagre Econômico, de 1968 a 1973, a agropecuária gaúcha teve um decisivo crescimento, a ponto de marcar uma inflexão, sobretudo pela ampliação da produção de soja (616,8% no período). Esse produto se torna o principal do setor primário. Entre 1981 e 1994, o país passou por um período de instabilidade macroeconômica, sendo que entre 1981 e 1983 a economia do estado decresceu consecutivamente. Recessão também em 1990 e 1991. E então alguns setores tradicionais da indústria gaúcha passam por problemas, como couro e calçados. A abertura econômica afetou o desempenho da indústria a partir dos anos 1990, e mesmo a produção agrícola não foi muito positiva neste período, tendo os serviços puxado o crescimento.

IHU On-Line – E nessas primeiras duas décadas do século 21, qual a situação?
Róber Iturriet Avila – O corte analítico mais adequado aqui é iniciar em 1995, com uma nova fase da economia. No final do século 20, a economia cresceu de maneira moderada, mas, no início do século 21, houve maior expansão, em alinhamento com a economia nacional e internacional. Nesse período, a indústria gaúcha passa a ter um desempenho muito fraco, e o crescimento é puxado pela agropecuária, no chamado período do superciclo das commodities, a despeito de alguns anos de forte estiagem, como em 2005 e 2012. É preciso notar que a indústria gaúcha sofreu bastante com a apreciação cambial ocorrida em grande parte do período. Desde 2014, temos uma fase de estagnação, seguida de dois anos de forte retração e, para este ano de 2017, se desenha um cenário de estagnação, em linha com o que ocorre no país.

IHU On-Line – Qual o perfil da matriz econômica do estado? É diversificada? Foi bem planejada?
Róber Iturriet Avila – Mesmo que a indústria tenha sofrido, ela é bastante diversificada. Existem dezenas de aglomerações industriais e agroindustriais. Além dos tradicionais setores de calçados, couro, vestuário, fumo, leite, móveis, madeira e alimentos agrícolas (como frutas, milho, trigo, soja e arroz) e da pecuária (gado, suínos e frango), há também máquinas agrícolas, componentes eletrônicos, metalomecânico, automotivo, petroquímica, refino de petróleo, fabricação de máquinas, polos tecnológicos, pedras preciosas, equipamentos médicos etc. É preciso considerar também polos de serviços, como as cidades universitárias, comerciais e mais militarizadas, essa última por ser região fronteiriça. Alguns setores foram planejados, como o petroquímico, ou incentivados com políticas públicas, como o metalomecânico e o naval, agora em decadência. Mas uma análise mais ampla requer mais espaço para comentar todo esse processo, suas contradições e limites.

IHU On-Line – De que maneira o Rio Grande do Sul chegou a um patamar tão grave de endividamento, sem capacidade de investimento?
Róber Iturriet Avila – O Rio Grande do Sul criou um estado moderno antes das demais unidades do Brasil. Getúlio Vargas inicia seu projeto de “modernização” do país a partir da experiência gaúcha, que vem com Júlio de Castilhos . Então, constituímos uma burocracia estatal antes dos demais. Além disso, o estado figura entre as maiores expectativas de vida do país. Isso quer dizer que o estado possui muitas pessoas aposentadas e que vivem muito. Então, quando se observam as contas do estado, logo se percebe que os gastos com inativos são superiores aos gastos com os servidores ativos. Isso tem um custo alto.

Paralelamente, desde a década de 1990, instalou-se uma cultura de conceder benefícios fiscais expressivos para atrair investimento. Dessa forma, as desonerações fiscais são consideráveis no estado do Rio Grande do Sul. Elas saem de um patamar de 20% da arrecadação, em 2003, para 30%, em 2015. Nesse último ano, elas totalizaram R$ 8,98 bilhões. Então, de um lado, aumenta a despesa com inativos e, de outro, o estado abre mão de receitas de maneira crescente.

É preciso salientar que há pouca transparência sobre essas desonerações e sobre o seu retorno. A cifra não é insignificante, pelo contrário. A falta de transparência justiçou a representação do Ministério Público do Estado, que solicitou as informações. O Estado argumenta que é preciso respeitar o sigilo fiscal, mas quem paga a desoneração é a sociedade. Em um momento grave como este, estudos sobre o retorno dos incentivos fiscais são imperativos. De toda forma, não é possível revogar com facilidade essas desonerações. O combate à sonegação fiscal é outro aspecto a considerar e ele tem crescido, sobretudo com a informatização. A questão é complexa e as repostas simplistas como “gastou demais” são limitadas.

IHU On-Line – O governo gaúcho considera que não há precedentes para a crise financeira atual. O que a situação tem de mais agudo?
Róber Iturriet Avila – Entre 1981 e 1983, as taxas de crescimento foram negativas três anos consecutivos, mas uma redução modesta, entre 0,6% e 1,7%. Os anos de 1990 e 1991 foram também difíceis, com quedas mais acentuadas. Entre 2014 e 2016, houve novamente três anos consecutivos de queda, mas nos últimos dois anos foram de -3,4% e -3,1%. Então, de fato, são expressivos. Quando o produto cai, as receitas tributárias caem em uma proporção maior. Isso em um quadro anterior já existente de esgotamento do endividamento e elevado custo com servidores aposentados. A situação é mesmo delicada. Mas essa crise ocorre em paralelo com a crise brasileira, que encontra muitos determinantes, desde fatores externos, como a queda expressiva dos termos de troca, ou seja, dos preços das nossas exportações com relação às importações, que se inicia em 2011 e se agrava a partir do último quadrimestre de 2014, mas passa também pelo ajustamento fiscal desde 2015, que puxa a economia para baixo e, é claro, a crise política que afeta a questão anímica dos agentes, deteriora as expectativas, traz incerteza e receios que fazem os investimentos e os gastos das famílias se retraírem. Além disso, a Operação Lava Jato afeta a economia real, sobretudo no município de Rio Grande, que é atingida também pela revisão da política da Petrobras.

IHU On-Line – O quanto o Rio Grande do Sul é competitivo, em comparação com os outros Estados? Qual sua capacidade de atrair investimentos?
Róber Iturriet Avila – O Rio Grande do Sul vem perdendo participação na economia nacional, o que não é uma surpresa. De um lado, estamos em uma fase mais avançada de envelhecimento populacional do que o Brasil como um todo e, consequentemente, temos o mais baixo crescimento demográfico. Além disso, em um processo de desconcentração do crescimento, como o ocorrido em períodos recentes, as regiões menos desenvolvidas crescem mais, o que faz as regiões mais desenvolvidas perderem participação. Um fator relevante é a localização do estado, em um extremo do país. A localização de Minas Gerais e São Paulo é, sem dúvidas, mais vantajosa. De outro lado, estamos mais próximos de parceiros relevantes como o Uruguai e a Argentina, mas que possuem uma estrutura produtiva semelhante à gaúcha, então são também competidores e não apenas mercados consumidores.

Temos um nível de escolaridade um pouco mais elevado do que a média brasileira, o que faz a mão de obra ser um pouco mais custosa, de um lado, e produtiva, de outro. Adicionalmente, devido ao peso da agropecuária, as variações climáticas afetam a economia gaúcha com intensidade, sobretudo as estiagens. Temos uma fronteira agrícola praticamente esgotada, ao contrário do que ocorre em outros estados como Mato Grosso, por exemplo.

Sob outro aspecto, a economia gaúcha tem potenciais relevantes, como o setor de grãos, veículos e bens de capital. Esse último, em particular, possui potencial de ser fornecedor à economia brasileira e a países do entorno. Com a desvalorização cambial nos anos recentes, pode haver recuperação das exportações, além de fatores relevantes como a revogação de subsídios das exportações agrícolas nos países desenvolvidos, que estão em vigor desde janeiro de 2016. Isso tem potencial de favorecer a economia gaúcha e suas exportações.

IHU On-Line – O acordo da dívida pública com a União, assinado pelo ex-governador Antônio Britto em 1998, é um dos fatores que mais elevam o déficit do estado. Lidar com este tema é determinante para atenuar a crise financeira?
Róber Iturriet Avila – A repactuação firmada em 1997 tinha relação com a restrição da emissão de títulos estaduais, em aderência ao projeto de estabilização originado no Plano Real. Ou seja, os estados deixaram de emitir títulos e apenas a União ficou com essa prerrogativa, a não ser que o Senado Federal e a União autorizem. Assim, a União assumiu a dívida mobiliária dos estados brasileiros. Imediatamente após a implementação do Plano Real, as taxas de juros se elevaram consideravelmente. Isso fez a dívida do estado do Rio Grande do Sul crescer muito entre 1994 e 1998. Além disso, as receitas tributárias eram corrigidas pela inflação (elevada) no período anterior, ao contrário das despesas; esse processo é chamado de “imposto inflacionário”. Com a redução das taxas de inflação, os estados passaram a ter mais dificuldades em um momento de taxas de juros altas.

O contrato firmado com a União previa pagamentos mensais até o limite de 13% da Receita Líquida Real. A dívida é reajustada pelo Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) acrescido de uma taxa de juros de 6% ao ano. Na época, parecia um bom negócio, mas o tempo mostrou que não foi. Ou seja, as taxas de juros são elevadas, há risco cambial e o comprometimento na despesa mensal é considerável.

Um novo acordo está em processo, exigindo a ampliação da contribuição previdenciária, privatizações, restrição de reajustes salariais e contratações, além de outros cortes de gastos. Medidas duras. Haveria também a revisão de 10% dos incentivos fiscais. O governador José Ivo Sartori negocia a retirada dessa cláusula de revisão de incentivos fiscais, o que me parece um erro.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Róber Iturriet Avila – A situação das finanças públicas do estado é grave. As soluções não são fáceis, mas precisam de um mínimo de acordo político entre várias partes. O que está no horizonte é redução de serviços públicos, corte de pessoal, privatizações e manutenção dos elevados incentivos fiscais no estado. Ou seja, apenas partes da sociedade pagarão a conta: aquela que precisa dos serviços públicos e das empresas estatais, além dos próprios servidores. Não parece uma saída equilibrada. Uma nova rodada de negociação deveria colocar em pauta um alinhamento tributário no país, para mitigar a guerra fiscal, a qual fragiliza as contas dos estados e que é responsável por considerável perda de receita do Rio Grande do Sul. Além, é claro, de um novo pacto federativo, que clarifique o que é competência de cada ente. Do contrário, será apenas um projeto neoliberal de redução dos serviços públicos, privatizações, oneração financeira pelos estados e manutenção de benesses fiscais. Esse é o novo “acordo salvador” na mesa. ■

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