Edição 508 | 07 Agosto 2017

Nem só da esquerda ou da direita, o populismo vem das multidões

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João Vitor Santos

Léo Peixoto Rodrigues, a partir da análise da política de nosso tempo, destaca que o conceito de Ernesto Laclau deve ser compreendido para além da dualidade dos “tipos políticos ideais”

A eleição e o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil, a derrota kirchnerista e a vitória de Mauricio Macri na Argentina, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e o Brexit da Inglaterra são, na perspectiva do professor Léo Peixoto Rodrigues, acontecimentos políticos importantes da atualidade que alargam a compreensão do conceito de populismo trabalhado por Ernesto Laclau. Para ele, os acontecimentos “mostram resultados surpreendentes e o fato de que, como eventos democráticos, de novo, surpreenderam tanto a ‘esquerda’ como a ‘direita’, ao mesmo tempo”. “O populismo não necessita obrigatoriamente de um ‘lado’, desde que venha das multidões – e veio – pode ser tanto de direita como de esquerda”, completa.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Rodrigues destaca que “o populismo se constitui em uma lógica do fazer político e social; é uma forma de expressão do político legítima e que necessita ser resgatada, como teoria e prática (não menores), pela ciência política”. E, voltando à perspectiva weberiana de “direita” e “esquerda” como “dois ‘tipos ideais’ políticos”, não acredita num esgotamento de ambas as perspectivas. Para o professor, a política é um pêndulo que oscila nos dois sentidos. “A remodelação do espaço político pela globalização da comunicação certamente acelerará o movimento desse pêndulo, como esforço de um controle (também) social”. E, por isso, defende: “não me parece que existe esgotamento nem da esquerda nem da direita, mas, sim, um movimento pendular entre uma e outra”.

Léo Peixoto Rodrigues é licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre e doutor em Sociologia pela mesma universidade. Atualmente é professor dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pelotas - UFPel e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPel. Entre suas publicações destacamos o livro Pós-Estruturalismo e a Teoria do Discurso: em torno de Ernesto Laclau (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014), organizado em parceria com Daniel Mendonça.

A entrevista foi publicada nas Notícias do Dia de 22-7-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – De que forma as perspectivas de Emancipação e Diferença (Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011) podem contribuir para a compreensão da Razão Populista (São Paulo: Três Estrelas, 2013), ambas obras de Ernesto Laclau?
Léo Peixoto Rodrigues – Em Razão Populista, Ernesto Laclau propõe repensar o populismo – relegado pela própria ciência política à posição marginal, denegrida, em seus próprios termos, para concebê-lo – a partir de uma perspectiva renovada, com relação à tradição. O populismo se constitui em uma lógica do fazer político e social; é uma forma de expressão do político legítima e que necessita ser resgatada, como teoria e prática (não menores), pela ciência política.

Emancipação e Diferença constitui-se num conjunto de ensaios (com exceção de um deles), como menciona o próprio Laclau no “Prefácio à edição inglesa”, escritos entre 1991 e 1995. Este conjunto de ensaios refere-se, em boa medida, à retomada reflexiva da estrutura conceitual de sua proposta teórica, a Teoria do Discurso , que aparece em língua inglesa, no livro Hegemony and Socialist Strategy: towards a Radical Democratic Politics , em 1985. Em Emancipação e Diferença, Laclau reflete sobre emancipação, liberdade, identidade, universalismo, particularismo, significante vazio etc., orientado pelas transformações no cenário mundial, onde já apontava a emergência de uma direita populista na Europa Ocidental.

Em Razão Populista, a análise que Laclau faz do populismo serve-se (também) de sua estrutura conceitual para ressignificar o populismo como uma forma hegemônica de se fazer política, portanto legítima.

IHU On-Line – Ernesto Laclau pode ser considerado um pós-estruturalista? Por quê? E qual a leitura e importância da teoria do discurso para o autor?
Léo Peixoto Rodrigues – Sim! Laclau, ele mesmo, considera-se um pós-estruturalista e um pós-marxista. O pós-estruturalismo é um movimento de pensamento tributário às principais teses do estruturalismo, mas com avanços importantes. Aliás, falar dos diferentes “pós” – pós-estruturalismo, pós-modernismo, pós-marxismo, pós-crítica, pós-fundacionalismo – é falar centralmente da crise do determinismo, seja ele metafísico, científico, epistemológico ou ontológico.

Não seria de todo incorreto dizer que o pós-estruturalismo constitui-se em uma renovação à perspectiva teórica nas ciências sociais, da mesma forma que o pós-modernismo renovou a visão de cultura no Ocidente. Nesse sentido, o pós-estruturalismo, como um movimento francês, que emerge a partir (e de dentro) do próprio estruturalismo, sobretudo na década de 1970, deve ser visto como uma renovação, como uma abertura e um avanço teórico, epistemológico e filosófico, nas ciências sociais, como um todo. A Teoria do Discurso formulada por Ernesto Laclau vincula-se a uma matriz pós-estruturalista, uma vez que explica o político e o social, como sendo “realidades” indetermináveis, contingentes, precárias. Para esse autor, a sociedade (e suas diferentes dimensões) é impossível de ser essencializada, apresentando permanentemente (e importante) volatilidade em seus processos.

“Qual a importância da teoria do discurso para o autor?”. Posto que Ernesto Laclau, ele mesmo, foi o idealizador da Teoria do Discurso, no âmbito da ciência política, e a figura fundamental da chamada Escola de Essex (U.K.) .

IHU On-Line – Como Laclau compreende o conceito de massa? E como, a partir dessa formulação, chega à ideia de povo?
Léo Peixoto Rodrigues – Laclau parte de algumas das posições do psicólogo social francês Gustave Le Bon , no que se refere à psicologia das multidões (ou das massas) para quem as palavras guardam seu poder em associação às imagens por elas evocadas, independentemente de seu significado “real”. Para Laclau, Le Bon está apontando para a falta de fixidez na relação entre significante e significado e como uma palavra pode apresentar uma pluralidade de significados. Laclau busca demonstrar, assim, a importância da relação entre palavra e imagem e que, no discurso das massas, essa relação pode fazer emergir uma pluralidade de sentidos.

Mas é em Freud que Laclau reconhece um importante avanço teórico sobre a psicologia das massas. Para Freud, os diferentes modelos a que o indivíduo está vinculado desde o começo da sua vida (objetos, pessoas, situações) torna borrada a diferença entre psicologia individual e psicologia social, devido à discrepância entre impulso social e impulso narcisista. A partir dessa perspectiva, Ernesto Laclau vai demonstrar que as massas possuem uma lógica própria, complexa e por este motivo a relação populismo versus multidão (a ideia de povo), que se plasma em uma concreta forma do fazer político, deve ser vista à luz de novas abordagens.

IHU On-Line – De que forma podemos compreender o conceito de populismo em Laclau a partir das experiências políticas de nosso tempo no mundo?
Léo Peixoto Rodrigues – Tenho dito que a derrota do kirchnerismo e a eleição de Mauricio Macri , na Argentina, bem como a eleição de Dilma Rousseff e seu impeachment, no Brasil, guardadas as suas diferenças e peculiaridades, apresentam notável semelhança quando vistos a partir da perspectiva do “povo-eleitor”, ou como reflexo do “desejo das multidões”. Macri se fez presidente com 51,42% dos votos válidos, opondo-se ao estilo kirchnerista, acusado de não dialogar com o povo, de não ouvir opiniões contraditórias, mesmo tendo um viés populista. Dilma também se fez presidente do Brasil com margem de votos mínima (51,64%), e seu governo foi impedido por razões, se tomarmos somente as de cunho político, muito semelhantes às que derrotaram o kirchnerismo.

O “Brexit”, plebiscito pela saída do Reino Unido da União Europeia, e a acirrada disputa eleitoral nos Estados Unidos mostram resultados surpreendentes e o fato de que, como eventos democráticos, de novo, surpreenderam tanto a “esquerda” como a “direita”, ao mesmo tempo. Os números também foram apertados: o Reino Unido decidiu sair da UE por 52% dos votos, e Donald Trump lutou até o último instante para obter maioria no Colégio Eleitoral. Neste sentido, um dos aspectos possíveis a se aduzir dos fatos políticos concretos e, em boa medida, coerente com a perspectiva teórica de Laclau, é que o populismo não necessita obrigatoriamente de um “lado”, desde que venha das multidões – e veio – pode ser tanto de direita como de esquerda.

IHU On-Line – O senhor concorda com as perspectivas de que há um esgotamento da esquerda no mundo? De que forma as perspectivas do populismo de Laclau podem trazer uma espécie de “novos ares” a ideias de esquerda, com inclusão social? E até que ponto podemos afirmar que a direita apreendeu melhor essa necessidade de atualização?
Léo Peixoto Rodrigues – O que penso é que se considerarmos “direita” e “esquerda” como dois “tipos ideais” políticos, no sentido weberiano, portanto “puros”, sendo a direita uma perspectiva que privilegia o indivíduo em detrimento do coletivo, e a esquerda, o coletivo em detrimento do indivíduo, o pêndulo político tem oscilado, em diferentes momentos da história ocidental, entre um lado e outro. Parece-me que essa oscilação, tão mais visível contemporaneamente, deve-se ao mesmo fenômeno que tem acelerado os processos socioculturais, ou seja, as tecnologias de informação, que estão remodelando o “espaço público”, tornando-o um “espaço público digital”, onde a distância deixa de ser um fator impeditivo para a construção de uma “opinião pública” – ou publicada, como diria Pierre Bourdieu .

Neste sentido, a remodelação do espaço político pela globalização da comunicação – aspectos de uma democracia radical, no laclauniano – certamente acelerará o movimento desse pêndulo, como esforço de um controle (também) social. Portanto, não me parece que existe esgotamento nem da esquerda nem da direita, mas, sim, um movimento pendular entre uma e outra.

IHU On-Line – Em que medida o populismo tensiona as perspectivas liberais de mercado?
Léo Peixoto Rodrigues – O capitalismo como modo de produção e os mercados como uma de suas dimensões mais ágeis, ambos extremamente plásticos e autopoiéticos, sempre estão dispostos a interferir nas flutuações políticas, no sentido de se autopreservarem. Os mercados, ao mesmo tempo em que são tensionados pela política, tensionam a política no sentido de seus interesses. Salvo poucas exceções, a história tem mostrado que nas democracias liberais o povo tem apresentado um certo pragmatismo econômico, quando tem de apontar caminhos para a política. Como mencionei anteriormente, o populismo parece não ter lados, nem direita nem esquerda; por este motivo, tanto a eleição de Macri, como de Trump, bem como o impeachment de Dilma e a vitória do Brexit, foram pautados, em ampla medida, por questões econômicas e de mercado. O mais contundente exemplo disto é o que está ocorrendo na Venezuela atualmente com o populismo (de esquerda?) de Nicolás Maduro .

IHU On-Line – Como compreender a afirmação de Laclau, quando diz que “o populismo é o caminho para se compreender algo sobre a constituição ontológica do político enquanto tal” (Razão Populista, p.115)? E por que é importante essa compreensão sobre a constituição “do político”?
Léo Peixoto Rodrigues – A diferença conceitual entre “o político e a política”, como tem mencionado Oliver Marchart , aparece pela primeira vez em Carl Schmitt e, posteriormente, com pensadores franceses como Paul Ricoeur , Jean-Luc Nancy e Philippe Lacoue-Labarthe , dentre outros. A exploração dessa diferenciação conceitual influenciou a filosofia política e a reflexão teórica pós-estruturalista, no âmbito da teoria política.

O “político” refere-se, de forma geral, à impossibilidade se fundamentar (no sentido de um fundamento último) a própria teoria política e também a ideia de um fundamento ausente na própria sociedade, como uma unidade sistêmica. Neste sentido, por um lado, a noção de “o político” refere-se à dimensão ontológica da sociedade, enquanto “a política”, por outro lado, refere-se a sua dimensão ôntica, que indica as práticas cotidianas da política.

É exatamente o conceito de “o político”, dentro de referentes pós-estruturalistas, que abre a concepção de sociedade – e do próprio fazer político – à contingência e à precariedade de seus processos, tornando-a impossível de ser domesticada por determinismos de qualquer natureza, e de escoimar concepções e práticas no âmbito da política, que refletem as demandas massivas, denominando-as (negativamente) de populistas.

IHU On-Line – Como a razão populista pode ser compreendida a partir da ideia de demanda social, dois conceitos de Laclau? E como apreende essa demanda social dentro da perspectiva do lulismo?
Léo Peixoto Rodrigues – Ernesto Laclau propõe o conceito de “democracia radical” que, em termos sintéticos, significa a emergência de toda a diferença, plasmada em demandas sociais, no campo da discursividade política, de diferentes sociedades. Neste sentido, os governos Lula, durante seus dois mandatos, através de diferentes programas sociais, que se capilarizaram em direção aos setores populares da sociedade, buscaram atender determinadas demandas – muitas delas centralmente vinculadas à possibilidade de consumo – reprimidas em governos anteriores.

IHU On-Line – Que respostas e caminhos o populismo laclauniano pode nos indicar para a superação de problemas políticos e sociais de nosso tempo?
Léo Peixoto Rodrigues – A teoria do discurso, formulada por Ernesto Laclau, de um modo geral, e não apenas a sua renovada perspectiva teórica sobre “o populismo” – que não foge às suas formulações conceituais pós-estruturalistas – constitui-se, em minha opinião, num potente arcabouço teórico para a compreensão da sociedade e da política contemporâneas. Uma das importantes lições, não apenas da teoria do discurso, mas de toda a reflexão pós-estruturalista, é que tanto os “problemas” políticos como as demandas sociais, sobretudo nesta contemporaneidade, jamais serão superados completamente, no sentido de uma “resolução definitiva”, dada a sua base epistemológica não linear, mas complexa.

Sistemas complexos, como a sociedade ou, no sentido laclauniano, como os sistemas e subsistemas discursivos que compõem o social, são processos continuados e, portanto, só podem ser “administrados”, jamais resolvidos. A ideia de “solução de problemas” vai estar sempre vinculada a uma base de fundamentação linear, determinística, ou nos termos da teoria do discurso, fundacionalista. Teorias pós-fundacionalistas, como a proposta por Ernesto Laclau, têm a virtude de demonstrar que a sociedade, o político, a política e suas demandas não cessam e tendem, sempre, a uma complexidade crescente – o sistema social inflaciona a si próprio em aumento de complexidade –, portanto tudo que nos será exigido (e cada vez mais) é também uma crescente habilidade em conseguirmos continuar vivendo juntos.■

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