Edição 503 | 24 Abril 2017

A guerra e o uso do poder militar no subcomplexo de segurança do Levante no Pós-11 de setembro

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Carla A. R. Holand Mello

O Oriente Médio tem sido a região mais militarizada do mundo em termos de esforços básicos de defesa; gasta muito mais do que qualquer outra do mundo em forças militares como um percentual do PIB, como uma percentagem das despesas dos governos centrais, e em termos de armas como um percentual do total das importações.

Carla A. R. Holand Mello é mestre em Estudos Estratégicos Internacionais e graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é doutoranda no mesmo tema na mesma instituição. É professora do curso de Relações Internacionais da Unisinos, tendo atuado também no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

Eis o artigo.

No Pós-11 de setembro, a retórica da guerra global ao terror passou a fazer parte do discurso, tanto dos EUA para o Oriente Médio, quanto de Israel em relação a seu conflito doméstico e fronteiriço na região do Levante. A percepção árabe da presença norte-americana no CRS desgastou-se cada vez mais, colocando os EUA em um dilema de luta contra o terror e, ao mesmo tempo, pela “liberdade” dos países da região de grupos não-estatais como a Al-Qaeda. As negociações sírio-israelenses pelas Colinas de Golã também fazem parte deste contexto.

Também, é importante ressaltar a parceria estratégica entre Israel e Turquia, com a Jordânia como parceira secundária. Desde 1996, ambos os países desenvolveram uma ampla gama de cooperações militares manifestas, incluindo trocas entre suas inteligências, treinamento conjunto, e extensivo comércio de armamentos. Suas necessidades e capacidades militares são complementares em um amplo espectro. Juntos eles também conseguem aumentar sua presença e apelo em Washington.

Na atualidade está ocorrendo uma mudança na base dos conflitos na região. Onde antes prevaleciam conflitos interestatais, como nos casos das guerras árabe-israelenses, o que se nota hoje é a presença do elemento de ameaça doméstica nos países através de grupos extremistas e/ou terroristas dentro dos próprios Estados. Sendo assim, muito dos gastos militares que antes eram utilizados em melhorias e em disputas em corridas armamentistas entre os países da região como forma de contenção de conflitos, passaram hoje a ser deslocados para provimento de capacidades internas para o combate a estes grupos, caso, por exemplo, de Israel e do Líbano.

Seja qual for a dimensão internacional da causa pela qual os conflitos na região ocorrem (cultural, religiosa, etc.), é importante salientar que a militarização dos Estados, por conta destes conflitos, também vem a agravar os conflitos no interior destes mesmos Estados, visto que grupos e atores não-estatais se valem do aparato militar já formado, e que é repassado de país para país, para realizarem suas ações (HALLIDAY, 2005).

Halliday (2005) afirma que o Oriente Médio se manteve uma área onde assuntos militares, e também aquilo que está incluído no termo vago “militarismo”, tiveram um impacto preponderante: os orçamentos militares tomaram grande parte das despesas de Estado, e as compras de armas foram, durante décadas, as mais elevadas para os países do mundo não desenvolvido. Os Estados, portanto, vieram a ser controlados pelos militares e elites de segurança cujas preocupações e modos de governo dominaram a sociedade como um todo. O Egito, no Levante, é um bom exemplo dessas sociedades militarizadas.

É importante salientar também que os conflitos regionais além de desenvolverem ainda mais as capacidades militares, em particular, ocasionaram uma corrida armamentista na região. No início de 2004, nenhum Estado da região, com exceção de Israel, havia adquirido capacidade nuclear, mas se sabia, com base nas provas recolhidas pelos inspetores da ONU depois de 1991, que o Iraque já havia procurado desenvolver essa capacidade. Uma década mais tarde, e na véspera do ataque dos EUA em março de 2003, o país ainda possuía teoricamente, segundo os especialistas, a capacidade financeira para fazê-lo. Em outros Estados, nomeadamente o Irã e a Arábia Saudita, acreditava-se que tivessem mostrado interesse em longo prazo para a aquisição de tal capacidade. Isso foi em ambos os casos, não apenas em resposta à força nuclear israelense, mas também por causa da preocupação sobre o que, no futuro, o Iraque poderia fazer. Ressalta-se que esta incipiente nuclearização da região não foi encorajada por potências externas.

Assim, o Oriente Médio tem sido a região mais militarizada do mundo em termos de esforços básicos de defesa. A região gasta muito mais do que qualquer outra do mundo em forças militares como um percentual do PIB, como uma percentagem das despesas dos governos centrais, e em termos de armas como um percentual do total das importações. Entretanto, atualmente nenhum Estado do Oriente Médio tem tido a capacidade de modernizar suas forças armadas nos termos do uso da força e tecnologia adotados por países como os EUA. Nenhum país tem gastado o necessário para manter o tamanho total de suas estruturas de força, nem para modernizá-las de forma competitiva com a modernização militar no Ocidente, e nem para trazê-las para o nível adequado de preparação e sustentação (CORDESMAN, 2004).

O papel das forças militares está mudando. O equilíbrio militar convencional está mudando de uma base em guerra convencional entre Israel e seus vizinhos árabes para um equilíbrio baseado na paz e na dissuasão. Há pouca perspectiva no curto e médio prazos de que Israel lutará uma grande guerra contra todos ou a maioria de seus vizinhos árabes.

Assim, através do exemplo do Levante, o apelo à guerra e ao uso do poder militar fazem parte da dinâmica política do Oriente Médio e isto, ao que parece, não tem ainda uma data para mudar. ■

Referências
BUZAN, Barry & WÆVER, Ole. (2003). Regions and Powers: the structure of International Security. Cambridge-UK, Cambridge University Press. ISBN 0521891116. 564 páginas
CORDESMAN, Anthony (2004). The Military Balance in the Middle East, an Analytic Overview: Military Expenditures and Arms Transfers, Major Arms by Country and Zone, and Qualitative Trends. Arleigh A. Burke Chair in Strategy. Center for Strategic and International Studies - CSIS. Washington, DC.
HALLIDAY, Fred (2005). The Middle East in International Relations: Power, Politics and Ideology. Cambridge-UK, Cambridge University Press. ISBN 978 – 0 – 511 – 10365 – 2

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