Edição 500 | 13 Março 2017

O Brasil que desmata, mata e é incapaz de gerar riqueza

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João Vitor Santos

Cláudio Ângelo analisa as questões que impedem que o país avance no combate à destruição ambiental, não gerando mais violência e desigualdades

É sempre dito que a Amazônia é o pulmão verde do Brasil, que a Mata Atlântica é fundamental para a preservação da biodiversidade e assim por diante. Entretanto, a cada ano, o desmatamento aumenta. Em 2016, na Amazônia, foi o maior dos últimos quatro anos. Entre agosto de 2015 e julho de 2016, foram desmatados 7.989 km2, segundo dados do Sistema de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal. “O desmatamento torna o Brasil o sexto ou sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo”, destaca o jornalista Cláudio Ângelo, que atua junto ao Observatório do Clima. Além de perder suas matas, há questões ainda mais perversas. “Traz um aspecto particularmente cruel, que é o fato de essas emissões não gerarem riqueza, nem desenvolvimento; 65% do que se desmatou na Amazônia até hoje foi para fazer pastos de baixíssima capacidade, menos de um boi por hectare. Isso não gera riqueza para ninguém”, avalia.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Ângelo ainda revela outras nuances. “A mais trágica delas são os assassinatos no campo, que ocorrem na Amazônia e em Mato Grosso do Sul. O Brasil é o país no mundo onde mais morrem ativistas ambientais – foram 50 entre 2010 e 2015, a maioria em conflitos fundiários”, diz. Além disso, lembra, entre outros problemas, a falta de investimentos para pesquisas e coletas de dados e um parlamento alheio às questões ambientais. “Enquanto não lutarmos também para melhorar e diversificar a composição de forças no Congresso, estaremos enxugando gelo”, pontua. Saída? Para ele, um caminho possível é o esclarecimento. “É preciso levar as crianças para o mato. É preciso fazer turismo em parques nacionais e outras áreas protegidas. Quem não conhece não conserva”, alerta.

Cláudio Ângelo é jornalista formado pela Universidade de São Paulo - USP, coordena a comunicação do Observatório do Clima, organismo que tem o objetivo de formar uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira para discutir mudanças climáticas. Ainda foi editor de Ciência do jornal Folha de São Paulo e é autor do livro A Espiral da Morte (São Paulo: Cia das Letras, 2016), sobre como a humanidade alterou o clima nos polos e como isso afeta a todos.

No dia 4 de abril, das 19h30min às 22h, ele profere a conferência Biomas brasileiros e conflitos ambientais, dentro da programação do evento Os biomas brasileiros e a teia da vida, promovido pelo IHU. Veja a programação completa.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como as interferências e impactos ambientais nos biomas brasileiros repercutem nas questões climáticas?
Cláudio Ângelo - O Brasil tem no uso da terra a principal fatia de suas emissões de CO2: 43% delas vêm do desmatamento, em especial na Amazônia e no Cerrado. O desmatamento torna o Brasil o sexto ou sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, e traz um aspecto particularmente cruel, que é o fato de essas emissões não gerarem riqueza, nem desenvolvimento; 65% do que se desmatou na Amazônia até hoje foi para fazer pastos de baixíssima capacidade, menos de um boi por hectare. Isso não gera riqueza para ninguém.

IHU On-Line - Como os biomas brasileiros estão interconectados? A que tipo de (re)equilíbrios estão submetidos?
Cláudio Ângelo - Eles estão interconectados por estarem no mesmo território da América do Sul e estarem sujeitos às mesmas pressões demográficas, econômicas e climáticas. Há os ecótonos, as zonas de contato entre os biomas, e eles são particularmente importantes entre a Amazônia e o Cerrado, que é onde a fronteira agrícola do Brasil se expande. Em Minas Gerais, os pontos de contato entre a Mata Atlântica e o Cerrado são zonas críticas de desmatamento.

IHU On-Line - De que forma os conflitos ambientais podem ser percebidos nos biomas brasileiros?
Cláudio Ângelo - De várias formas. A mais trágica delas são os assassinatos no campo, que ocorrem na Amazônia e em Mato Grosso do Sul. O Brasil é o país no mundo onde mais morrem ativistas ambientais – foram 50 entre 2010 e 2015, a maioria em conflitos fundiários.

IHU On-Line - Como compreender os microclimas brasileiros e suas mudanças a partir dos biomas nacionais?
Cláudio Ângelo - Um exemplo simples: um estudo publicado em fevereiro no periódico Nature Climate Change mostrou que o desmatamento em Rondônia, depois de um certo tamanho de clareiras, altera completamente a distribuição das chuvas. Chove 25% mais a barlavento e 25% menos a sotavento de uma área desmatada.

IHU On-Line Quais os maiores desafios para sensibilizar a população sobre a importância do debate acerca das questões climáticas?
Cláudio Ângelo - O principal desafio é a própria complexidade do assunto, difícil de comunicar ao coração do público. Outro problema é que vários efeitos das mudanças climáticas são de muito longo prazo, e o cérebro humano não evoluiu para processar riscos que ocorrem fora de sua experiência direta e riscos intergeracionais. Por fim, há a questão de que combater mudanças climáticas requer toda a sociedade envolvida, sem exceção, o que é sabidamente difícil de conseguir.

IHU On-Line - Como analisa os estudos sobre clima no Brasil hoje? Quais os avanços e os principais limites e desafios?
Cláudio Ângelo - A principal limitação das pesquisas de clima é a absoluta carência de bases de dados confiáveis e de longo prazo no Brasil. Um exemplo rasteiro: em Brasília nós sabemos que as temperaturas mínimas subiram 2 graus desde 1961. Mas não conseguimos isolar os efeitos da mudança climática da ilha de calor urbana, porque há apenas uma estação de coleta de dados e ela fica numa área da cidade que foi cercada de prédios. Então o que é aquecimento global e o que é concreto e asfalto? Difícil dizer. Isso vale para tudo, desde chuvas até nível do mar.

IHU On-Line - Em encontros internacionais sobre clima e meio ambiente, há sempre uma preocupação internacional com relação à Amazônia. O que está por trás de toda essa preocupação? É importante trazer ao debate preservacionista a questão da soberania nacional sobre a Amazônia? Por quê?
Cláudio Ângelo - O Brasil tem exercido muito mal sua soberania sobre a Amazônia. Na época da ditadura, fazia isso deliberadamente, defendendo o direito ao desmatamento. Esse discurso ainda permanece em alguns quadros do governo. Há temores, a meu ver infundados, de que os estrangeiros vão chegar aqui e roubar nossas riquezas, nossa água (dou um prêmio para quem arrumar um esquema para fazer isso) etc. Enquanto isso, transformamos a floresta em fumaça, efetivamente internacionalizando-a, já que o carbono emitido vai parar no mundo todo.

Acho curioso que essas pessoas que batem tanto no peito para dizer "A Amazônia é nossa!" não se incomodam com venda de terras a estrangeiros nem com a participação maciça de empresas multinacionais no agronegócio brasileiro. Parece, para parafrasear o Romero Jucá , uma xenofobia selecionada. Então, embora seja óbvio que é preciso defender a integridade do território brasileiro, há um ranço militarista extemporâneo nessa questão de soberania.

IHU On-Line - É comum observarmos no Rio Grande do Sul, por exemplo, grupos que defendem a Mata Atlântica e até mesmo a Amazônia, mas desconhecem a importância de preservação do Pampa. Quais os desafios para se conhecer e preservar todos os biomas brasileiros?
Cláudio Ângelo - É preciso levar as crianças para o mato. É preciso fazer turismo em parques nacionais e outras áreas protegidas. Quem não conhece não conserva. É claro que se eu for a Foz do Iguaçu voltarei de lá disposto a matar pela preservação da Mata Atlântica, mas se não visitar o Parque Nacional de Brasília, jamais vou querer fazer o mesmo pelo cerrado.

IHU On-Line - Qual a maior ameaça aos biomas brasileiros hoje? Como enfrentá-la?
Cláudio Ângelo - A maior ameaça é uma aliança espúria entre interesses particulares e o Congresso Nacional. Setores do agronegócio e do poder econômico elegem parlamentares comprometidos com a destruição do meio ambiente e a extinção de direitos difusos. Para mim essa é a maior crise. Claro que devemos lutar contra o desmatamento, mas enquanto não lutarmos também para melhorar e diversificar a composição de forças no Congresso, estaremos enxugando gelo.

IHU On-Line - Qual a importância de perspectivas como a da ecologia integral, concepção de novas formas de economia e consumo e até um novo humanismo para o debate sobre a preservação do planeta?
Cláudio Ângelo - Não entendo nada de ecologia integral, mas mudar padrões de consumo é fundamental, já que é o nosso consumo que está nos levando à breca.

IHU On-Line - Como analisa a política e postura do Brasil diante dos debates internacionais sobre questões climáticas?
Cláudio Ângelo - O Brasil é um ator relativamente progressista, mas ao mesmo tempo relativamente conservador. Já foi bem pior, mas está longe de fazer o que lhe cabe para reduzir emissões. Há diplomatas extremamente competentes, mas se aferram a alguns dogmas, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, a negação total aos mercados de REDD+ e uma insistência em achar que seu sistema energético é limpo.

De modo geral, é muito bom em cobrar os países ricos, que de fato não se esforçam muito, mas não se enxerga e vive dizendo que já fez muito, o que é uma mentira. Nada do que o Brasil fez na última década para cortar emissões produziu um milímetro de mudança na economia real. O país também tem perdido sua relevância no debate climático, como perdeu sua relevância em quase todos os outros temas na arena internacional.■

Leia mais

- Mudanças Climáticas. Impactos, adaptação e vulnerabilidade.

- A Convenção do Clima em Copenhague.

- A vingança de Gaia. Mudanças climáticas e a vulnerabilidade do Planeta.

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