Edição 492 | 05 Setembro 2016

Guerra e conflito no Levante: de 1948 ao Pós-Guerra Fria

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Carla A. R. Holand Mello

“O subcomplexo do Levante é formado basicamente pelo Estado de Israel e seus vizinhos, a saber, Egito, Síria, Líbano e Jordânia, além do proto-Estado palestino. Centrado no conflito e nas guerras árabe-israelenses, tem como característica histórica a oposição árabe ao Estado israelense na região”, analisa Carla A. R. Holand Mello.

Carla A. R. Holand Mello é mestra em Estudos Estratégicos Internacionais e graduada em Relações Internacionais pela UFRGS. Atualmente é doutoranda no mesmo tema na mesma instituição. É professora do curso de Relações Internacionais da Unisinos, tendo atuado também no curso de Relações Internacionais da UFSM. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

Confira o artigo.

 

Segundo Halliday (2005), as guerras possuíram desde sempre um papel fundamental na formação dos Estados do Oriente Médio. Com a capacidade de criar rupturas e entrelaçadas com mudanças socioeconômicas e revolução, elas tiveram não somente um cunho militar, mas também social, ideológico e político. A partir do contexto da Guerra Fria, sempre tiveram o poder de serem catalisadores de mudanças em regimes políticos e na própria dinâmica de segurança regional.

Outras formas de conflito além dos interestatais podem ser incluídas no Oriente Médio – golpes militares, guerras civis, oposição de guerrilhas e terrorismo – cada uma sendo recorrente na política e nas relações internacionais da área. Os Estados árabes têm sido governados por períodos significativos de tempo por regimes militares, casos de Egito e Síria, se citarmos países somente da região do Levante ; monarquias governadas por regimes militares pretorianos (caso da Jordânia); enquanto outros países árabes, com exceção parcial do Líbano, se valem de aparatos militares e de segurança para a retenção ostensiva do poder. Israel, por sua vez, não fica atrás. Apesar de seu exército ter estado sempre sob controle civil, mesmo antes e depois da criação do Estado de Israel em 1948, as forças armadas, e o suporte a elas, sempre tiveram um papel preponderante na política, sociedade e economia do país. O orçamento de defesa foi dos mais elevados do mundo na década de 1990, nada menos que 12% do PIB; e todos os homens de Israel têm sido sujeitos ao serviço militar até a idade de 45 anos. O fato de três primeiros ministros terem sido anteriormente generais influentes corrobora esta tese (HALLIDAY, 2005).

Um sistema de Estados autoritários foi criado através de economias firmadas no petróleo e nos financiamentos para o desenvolvimento destes Estados pelas grandes potências no âmbito da Guerra Fria. Segundo Buzan & Waever (2003), o complexo regional de segurança  do Oriente Médio foi criado através das descolonizações dos Estados a partir de 1945-1948. Mais de 20 Estados foram criados, tendo todos eles pesos semelhantes naquele momento. É interessante notar que este complexo regional de segurança já inicia com uma guerra — a guerra de independência de Israel em 1948.

Ainda, usufruindo-se da abordagem de Buzan & Waever (2003), há o chamado subcomplexo do Levante, formado basicamente pelo Estado de Israel e seus vizinhos, a saber, Egito, Síria, Líbano e Jordânia, além do proto-Estado palestino. Centrado no conflito e nas guerras árabe-israelenses, o subcomplexo do Levante tem como característica histórica a oposição árabe ao Estado israelense na região. A dinâmica de segurança deste subcomplexo se dá através de alianças interestatais para combater Israel, tanto dentro do subcomplexo, quanto interagindo com os outros dois subcomplexos que formam o grande Complexo Regional de Segurança (CRS) do Oriente Médio — a saber, Golfo e Maghreb.

Os Estados que circundam o Levante e que pertencem a estes dois subcomplexos regionais supracitados possuem papel fundamental em financiamentos para os Estados beligerantes árabes, bem como para grupos subestatais e para a política doméstica destes países do Levante. Nos anos 1980, os países árabes do Golfo tiveram papel fundamental no financiamento do conflito contra Israel — 10 bilhões de dólares  foram repassados para a OLP . Já, em relação às grandes potências, nenhuma delas conseguiu um controle duradouro sobre a segurança doméstica ou regional dos Estados do Oriente Médio e do Levante. Entretanto, é importante salientar a aliança do Egito com os EUA em 1978, haja vista a ajuda norte-americana que o Estado egípcio passou a receber desde então e que mantém até hoje o equilíbrio na região e o acordo de paz com Israel.

O Pós-Guerra Fria no subcomplexo do Levante começa com o início do processo de paz entre Israel, de um lado, e os palestinos, Jordânia e Síria, bem como, outros Estados árabes mais periféricos, de outro. Passou a haver, partindo-se da ótica global, uma unipolaridade na região por parte dos EUA e a diminuição da presença soviética através de financiamentos e suporte militar e político. A Síria passa a não contar mais com a ajuda militar da URSS e exerce maior pressão sobre o Líbano. Além disso, o Estado sírio não consegue mais competir com Israel em termos de capacidades militares. A Jordânia firma um acordo de paz com Israel em 1994, protegendo-se de possíveis instabilidades domésticas causadas pelo êxodo de palestinos expulsos de Israel para o país. Por parte dos palestinos há a continuação dos ciclos de violência através das intifadas contra os assentamentos israelenses nos territórios disputados entre os dois grupos.    

Por fim, os anos 1990 foram marcados, sobretudo, por um incremento do conflito local interestatal, ficando as grandes potências de fora de uma maior penetração no subcomplexo. Muito disto se liga à ideia dessas potências de uma possível paz mais duradoura na região por conta da Segunda Guerra do Golfo, não realizada, podendo ser citado o início da segunda intifada pelos palestinos em 2000, apesar do recuo israelense no sul do Líbano. Os EUA, por sua vez, não conseguiram fazer com que as negociações de paz israelo-palestinas iniciadas fossem bem-sucedidas.■

 

Referências

BUZAN, Barry & WÆVER, Ole. (2003). Regions and Powers: the structure of International Security. Cambridge-UK, Cambridge University Press. ISBN 0521891116. 564 páginas

HALLIDAY, Fred (2005). The Middle East in International Relations: Power, Politics and Ideology. Cambridge-UK, Cambridge University Press. ISBN 978 – 0 – 511 – 10365 – 2 

 

Expediente

 

Coordenador do curso: Prof. Ms. Álvaro Augusto Stumpf Paes Leme

Editor: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha

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