Edição 492 | 05 Setembro 2016

A lógica que concebe políticas públicas de qualidade para poucos

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João Vitor Santos

Para Berenice Rojas Couto, quando as lógicas de exploração e meritocracia emergem, políticas públicas de qualidade passam a ser artigo somente para quem pode pagar por elas

A assistente social Berenice Rojas Couto destaca que a história do Brasil se faz presente até mesmo na concepção que se tem de políticas públicas no país. “Não podemos esquecer nosso passado/presente latifundiário, escravocrata. Essa herança trata a terra não como um bem socialmente construído, mas como espaço de mercado e de exploração”, ressalta. Assim, para ela, o Estado tem de se fazer presente para corrigir as distorções dessa relação. Entretanto, o problema está quando essa lógica latifundiária e escravocrata atravessa o conceito de política pública nacional. É assim que surge uma espécie de atualização da lógica do capital, na espoliação do povo e da terra. “O capital busca extrair riqueza em alto grau da população, que deve pagar e, portanto, gerar lucro aos prestadores privados de programas sociais; além disso, são induzidos a crer que os serviços privados são detentores de qualidade superior à do serviço público, gerando uma busca para ter acesso através deles”, analisa.

O resultado de todo esse atravessamento é a reedição de conceitos de exploração e de meritocracia. Para Berenice, não são perspectivas que se alinham com a política pública universal e capaz de potencializar as minorias. “Ao persistir a lógica da exploração e da meritocracia, teremos uma política de primeira classe para quem pode pagar e uma de segunda classe para a população que não pode pagar, essa sempre em número mais expressivo na composição dos 260 milhões de brasileiros”, explica na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. Esse contexto de hoje, no cenário político pós-impeachment de Dilma Rousseff, é tomado por ela como “muito desafiador para o debate das políticas públicas e sociais” em função do surgimento da ideia de que as políticas públicas e sociais não cabem no orçamento público, que o sistema privado deve ser ainda mais acionado. Berenice acredita que é essencial “retomar a análise da sociedade e mostrar que a conquista no campo social e público só foi possível graças à luta cotidiana da população por ver reconhecido que seu direito a ter direito é uma perspectiva histórica que não pode ser abandonada”.

Berenice Rojas Couto é assistente social, doutora em Serviço Social, pós doutora pela Universidade do Porto, Portugal. Atua no tema das políticas sociais e do Serviço Social. Atualmente, participa de três pesquisas nacionais e internacionais. A primeira discute os Programas de Transferência de Renda na América Latina e Caribe e faz um estudo comparado entre os programas do Uruguai, Argentina e Brasil. No grupo, atuam pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Universidade de Tandil na Argentina e de Ciências Sociais no Uruguai. Noutra pesquisa, discute Proteção Social no Brasil, Chile e Cuba, com pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, PUC-SP, PUCRS, da Universidad de Habana e da Universidade do Chile. A terceira é a Pesquisa Nacional sobre o Sistema Único de Assistência Social, com a participação de pesquisadores da UFMA, PUC-SP e PUCRS.

 

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Como as políticas públicas e sociais são impactadas numa sociedade em que a perspectiva econômica se transforma em perspectiva moral? 

Berenice Rojas Couto - Uma das grandes características das políticas públicas e sociais na perspectiva do ideário neoliberal e da configuração de um projeto de Estado Mínimo é a retomada da meritocracia no acesso a elas. A característica central de projetos meritocráticos é pautar sua explicitação na valoração moral do usuário. A máxima fica traduzida pelo ‘quem merece tem acesso’. E para merecer é preciso mostrar sua adesão a critérios, que, na maioria das vezes, se pautam por analisar comportamentos e potencialidades das pessoas para responder positivamente àquilo que o sistema espera dela.

Nessa perspectiva, perde-se a conquista civilizatória nos marcos do capital de ter atendidas as necessidades sociais na esteira da devolução de parcela da riqueza socialmente produzida. O Estado Social é fiador dos interesses da classe trabalhadora e sob pressão amplia os direitos sociais e impede que a exploração do capitalismo chegue aos níveis da barbárie; e no bojo do entendimento de que a sociedade capitalista e sua formação sócio-histórica, econômica e social são ingredientes fundamentais para entender a ampliação ou a restrição de direitos. 


IHU On-Line - Como se dá a proteção social em tempos de capitalismo financeiro, a partir da experiência brasileira e de países latinos? Quais os limites?

Berenice Rojas Couto - É preciso primeiro sinalizar como a proteção social brasileira está estruturada a partir de 1988. Temos a proteção vinculada ao seguro social, ou seja, a política previdenciária e a proteção desmercadorizável, representadas pelas políticas de Saúde e Assistência Social. Ao conformar o campo da Seguridade Social, as políticas brasileiras enfrentam o desafio de pensar não só as garantias oriundas da proteção do trabalho assalariado, como também criar um campo de proteção desvinculado da contribuição direta do usuário (cabe lembrar que indiretamente todos contribuímos via impostos com o fundo que mantém essa política).

O primeiro problema está vinculado a uma ideia de pleno emprego sustentando a proteção da previdência. Constitui-se em política de vínculo geracional, onde os trabalhadores da ativa sustentam aqueles que pela legislação podem se aposentar. A partir da década de 1970, temos uma reestruturação do mundo do trabalho e a crise cíclica capitalista vai organizar sua exploração a partir da destituição de direitos nesse campo. Para a financeirização, a produção é secundária, portanto não precisa se submeter aos apelos da classe trabalhadora. O trabalho ganha a feição da desproteção. Cada vez mais os espaços são constituídos por lugares desprotegidos e ameaçados pela ganância do capital. Nessa esteira, embora a questão do desemprego tenha chegado ao Brasil a partir dos anos 2010, a existência e ampliação deles a partir de 2004 deu-se de maneira precarizada pelos baixos salários, insuficientes para manter a família do trabalhador. 

Além disso, a política de seguro social teve reformas importantes com perdas substantivas para os trabalhadores. Todo esse caldo acaba desaguando nas políticas de Saúde e de Assistência, que também têm sofrido retrações e cortes no seu financiamento. E o acesso à Seguridade Social, que é um direito constitucional no Brasil, passou a ser matizado pelas características do ideário do neoliberalismo e sua influência na estrutura de atenção às necessidades sociais da população. Para o capitalismo financeiro, interessa saber qual política pode ser privatizada e como o capital pode lucrar não só com a destituição dos direitos sociais, mas como pode ampliar seu lucro vendendo esses serviços (o caso da Saúde é emblemático nessa discussão).  

América Latina

O desenho das políticas sociais da América Latina principalmente a partir da vitória eleitoral dos partidos populares é mais ou menos o mesmo, guardando as diferenças culturais, sociais e econômicas entre eles. Os programas de transferência de renda passaram a ser o carro-chefe de todos eles, com grande influência da avaliação do Banco Mundial sobre o Programa brasileiro Bolsa Família e sua disseminação no continente latino-americano.


IHU On-Line - De que forma é possível pensar em políticas públicas que sejam capazes de potencializar o indivíduo para que rompa e não se torne refém da lógica da financeirização?

Berenice Rojas Couto - Importante retomar aqui uma categoria fundante no pensamento de Antonio Gramsci  para entender o movimento que aprisiona a população como portador da lógica do capital. Estou me referindo à categoria hegemonia, e imbricada nela a ideologia. Os aparelhos ideológicos do Estado têm função precípua de criar condições objetivas para que o pensamento neoliberal se espraie, entre eles podemos citar o próprio Estado, as Escolas, as Igrejas, os partidos políticos. Assim, o pensamento dominante capitalista passa a ser defendido por aqueles que são subalternizados nessa relação capital x trabalho. Em termos de contribuir para a criação de um pensamento contra-hegemônico, no campo das políticas sociais, é preciso que os operadores das políticas entendam como instrumento de desalienação e de desvendar as lógicas perversas do capital para que coletivamente construam-se caminhos para que a pressão dos trabalhadores seja feita sobre as diversas estruturas que detêm o poder. 

Não acredito em saídas individuais para que esse movimento de pressão possa se realizar. Cada vez é mais necessária a criação de espaços democráticos substantivos, de debates coletivos e que a informação possa chegar a todos, para que partilhando o conhecimento sejamos capazes de enfrentar as amarras tão visíveis que cada vez mais estão expostas na sociedade contemporânea. O perverso dessa realidade é constatar que não é necessário, na maioria das vezes, usar a força para garantir o poder, a coesão é um elemento de forte incidência na realização da exploração do trabalho pelo capital.


IHU On-Line - Em tempos de crises, como assegurar a integridade de políticas sociais para que não sejam suprimidas e tampouco se convertam a lógicas mercadológicas e financeiristas?

Berenice Rojas Couto - A crise contemporânea não tem dado trégua à constituição de um arcabouço de desproteção, no que se relaciona ao campo das políticas sociais. Muito fortes são os argumentos do pensamento hegemônico sobre a insustentabilidade da proteção social em tempos de financeirização. O retorno à ideia de que a proteção deve ser um campo privado, ressaltando o retorno à centralidade da família com esse papel, é característica central no desenho da (des)proteção social. A lógica é traduzir o campo da política social como campo da focalização nas populações mais empobrecidas e buscando aniquilar o acesso na condição de direito social.

O esforço do capital é submeter às políticas sociais a residualidade, destruir a noção de universalidade que pautou os sistemas de proteção social dos pós-guerras mundiais, e retornar a responsabilidade de se proteger para o trabalhador, individualmente. As categorias empreendedorismo, protagonismos, autonomia têm sido propaladas como vértice da contemporaneidade. Agrega-se a esse debate a insuficiência e a impossibilidade do Estado de atuar como prestador de serviços sociais. Tudo isso colabora para que a lógica da compra de serviços (mercado é o lugar sagrado) deva ser buscada por todos os sujeitos, só por incapacidade pessoal (o que é condenável) deve-se recorrer à ótica do direito social. Embora esse seja um pensamento que tenta ganhar corações e mentes na sociedade contemporânea, podemos, sim, identificar vários movimentos que têm denunciado essa ordem e tentando disputar a manutenção de um sistema que desde 1988 tenta se instituir nos país.


IHU On-Line - Como tem observado as ações do governo de Michel Temer  acerca de políticas públicas e sociais? Que lógica suas ações revelam? Como pensar em resistências?

Berenice Rojas Couto - Analisar a “Ponte para o Futuro”, programa lançado pelo Michel Temer, é compreender em profundidade as consequências do ideário neoliberal na estrutura que vem sendo construída ao longo dos últimos 13 anos no Brasil. A disputa pelo projeto construído a partir das lutas populares contra a ditadura militar e seu contraponto ao ideário neoliberal vem sendo travada desde os anos 2000. De um lado a tentativa de construir fortes patamares de proteção, incidir nas condições de vida da população mais pobre, garantir direitos trabalhistas, ampliar o emprego, bem como a recomposição do salário mínimo e benefícios assistenciais no valor de um salário mínimo, criaram uma ideia de que encaminhávamos um projeto social comprometido com as lutas das classes trabalhadoras e que essa conquista era sólida. É sempre bom fazer um parêntese para analisar os retrocessos que também aconteceram nesse período, em que a reforma previdenciária é elemento central, em nome daquilo que se convencionou chamar governabilidade.

O governo Temer começa a partir de uma crise institucional entre Câmara de Deputados e a Presidência da República, e a pavimentação para mostrar que “o que é sólido se desmancha no ar” no dizer de Marx , estava pronta. A manipulação do pensamento popular de que o que fora construído estava alicerçado na corrupção serviu de cimento para que esse governo (ilegítimo!) mostrasse a face mais perversa do capitalismo contemporâneo nas suas propostas. Assim, as PECs que hoje estão encaminhadas ao Congresso Nacional destroem conquistas trabalhistas e no campo do acesso das políticas sociais, em especial da Saúde e da Educação, impõem uma restrição mortal aos sistemas.

Não menos preocupante é a desestruturação do Sistema Único da Assistência Social através de cortes severos no financiamento e a proposta de revisão do Programa Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada - BPC, que terá seu valor redefinido (não devemos esquecer que ele é o único benefício assistencial vinculado constitucionalmente ao salário mínimo). Também a reforma da previdência anunciada e a quebra da estrutura ministerial disposta são elementos essenciais para mostrar as perdas que a classe trabalhadora vai ter com esse governo.

Resistência e luta pela sobrevivência

Estamos vivendo momentos duros, onde a resistência é minada pela necessidade de luta cotidiana pela sobrevivência. A precarização do mundo do trabalho, a criminalização dos movimentos coletivos é combustível da passividade e conformidade. Mais do que nunca será necessário resistir. O pensamento conservador da elite brasileira está de volta de forma avassaladora, e o governo Temer é sua representação. O espaço de luta terá que ser alimentado como sempre pelos movimentos da classe trabalhadora para não permitir que as conquistas populares sejam desmontadas.


IHU On-Line - Em outra entrevista concedida à IHU On-Line , a senhora refere que no Brasil há um sistema híbrido de proteção social que articula o público e o privado. Gostaria que a senhora retomasse essa explicação e analisasse em que medida esse sistema torna a proteção social vulnerável às lógicas financeirizadas e do interesse privado no lucro.

Berenice Rojas Couto - A característica do sistema híbrido é herança da forma tradicional de organização da sociedade brasileira. Não podemos esquecer nosso passado/presente latifundiário, escravocrata. Essa herança trata a terra não como um bem socialmente construído, mas como espaço de mercado e de exploração. A especulação imobiliária, uma das fases desse capitalismo predatório, é essência do trato da terra no Brasil. Assim também é a aliança do público com o privado. O Estado como representação desses interesses, tentando equalizá-los. 

Se pensarmos esse sistema fincado na primazia do Estado, teremos aí uma lógica de publicização invadindo a esfera dos serviços privados/filantrópicos. Ao contrário, voltamos à lógica instituída a partir de 1930 no Brasil, onde a questão social era atendida pelos entes privados com subsídios do Estado, sem controle da população. O campo da prestação de serviços às necessidades sociais da população sempre foi areia movediça, onde interesses diversos disputam o fundo público. A Constituição de 1988, ao estabelecer a condução do Estado e a necessidade de se estabelecer parâmetros públicos na prestação dos serviços, tensionou e constrangeu o caráter eminentemente privado desses prestadores. Muitos ajustes foram feitos e hoje esses ajustes podem estar em risco.  

O tempo presente é muito desafiador para o debate das políticas públicas e sociais. Ao persistir a lógica da exploração e da meritocracia, teremos uma política de primeira classe para quem pode pagar e uma de segunda classe para a população que não pode pagar, essa sempre em número mais expressivo na composição dos 260 milhões de brasileiros. Não só no Brasil, mas nos países de capitalismo avançado, assistimos a uma retomada da privatização dos bens públicos, entre eles as políticas sociais e públicas.

O capital busca extrair riqueza em alto grau da população, que deve pagar e, portanto, gerar lucro aos prestadores privados de programas sociais. Além disso, são induzidos a crer que os serviços privados detêm qualidade superior à do serviço público, gerando uma busca para ter acesso através deles. Nesse caso nossa herança contribui para a destituição do campo público como espaço de realização coletiva da população. Mais um desafio presente, reafirmar a centralidade do público e do asseguramento da proteção social pelo Estado, na devolução de parte (inclusive ínfima) da riqueza socialmente produzida.


IHU On-Line - Como tem observado a interferência da lógica da financeirização nos sistemas de proteção social em outros países latinos? O que essas experiências revelam ao Brasil?

Berenice Rojas Couto - O Brasil não está isolado nas análises realizadas. Podemos, como já apontei, encontrar as mesmas características ou tentativas (vide governo do Macri  na Argentina) em diversos países da América Latina. Retoma com força em todos os países dessa latitude o desmoronamento de projetos coletivos, volta com força total à ideia de que o individualismo deve pautar nossa forma de entender e agir no mundo. Ganha destaque a ideia falsa de que privatizando os bens públicos teremos mais oportunidades de escolha. Criminaliza-se o acesso às políticas sociais. O beneficiário delas, em tese, deve ser um sujeito sempre sob suspeita. Os benefícios assistenciais são criminalizados uma vez que, segundo o pensamento do senso comum, levam as pessoas ao conformismo e subtraem sua característica fundamental para o capital, o sentido de competição.  

Enfim, os trabalhadores e suas famílias tornam-se responsáveis pela sua proteção e também pela desproteção. Dissemina-se o ideário de que os serviços privados são melhores, que o pagamento pelo acesso transforma o sujeito em cidadão. Reafirma-se o papel do cidadão consumidor como preponderante na definição de dignidade. Assim, colocar preço e mercantilizar o acesso transforma-se no fetiche da contemporaneidade e o direito social universal em um instrumento jurássico e indesejável. Essas ideias estão disseminadas na América Latina e nos países do capitalismo desenvolvido, e são responsáveis pela destruição do campo público como lócus privilegiado da conformação da disputa e da dignidade do trabalhador.


IHU On-Line - Qual o papel de programas de transferências de renda nesse contexto de crises econômicas e sociais? E como analisa os programas desenvolvidos no Brasil? No que se assemelham e no que se distinguem de programas de países como Uruguai e Argentina?

Berenice Rojas Couto - Os programas de transferência de renda são uma realidade na América Latina. Todos os países têm alguma forma de transferência de renda, na maioria dos casos, pautados na complementação da renda insuficiente das famílias e na proteção de crianças e adolescentes. Participamos de uma pesquisa que fez um estudo comparativo entre o Programa Uruguaio Programa Nuevo Regimen de Asignaciónes Familiares – Afam-PE, o Programa argentino Programa Asignación Universal por Hijo para Protección Social - AUF e o programa brasileiro Bolsa Família. A lógica dos programas é a mesma, com uma diferença do programa argentino, que tem como finalidade universalizar um recurso que é do campo formal do trabalho para os filhos de trabalhadores para todas as crianças argentinas.

O que chama a atenção, principalmente no programa uruguaio, é o refinamento tecnológico, com a utilização de sistema de informações, sem a mediação de trabalho profissional para controle dos usuários do programa. Muitos desses mecanismos apoiados no Programa Chile Solidário que monitora diretamente as famílias pobres, impondo padrões comportamentais e metas para ajudá-las a sair da pobreza. Amartya Sen  tem sido o teórico que tem pautado esse trabalho junto às famílias. Lembrando que seu debate sobre carências e potencialidades tem alimentado os planos de atendimento das famílias. Essa forma aplica um conteúdo destituído da análise da sociedade e do que gesta a pobreza. O programa vira um fim em si mesmo. Sempre é importante ressaltar que a renda é um direito social e que é importante a existência de transferência de renda como um direito social. Mas também é preciso pautar que o programa tem que estar articulado a garantias de direitos sociais amplos, onde a renda é apenas uma pequena parcela. É preciso reconstituir a ideia de vida digna vinculada à noção de cidadania substantiva e não à questão de consumidor.


IHU On-Line - Quando uma política pública e social rompe com esquemas que nutrem a desigualdade e quando apenas atuam no limite do possível, apenas gerenciando as desigualdades? Podemos pensar em alternativas?

Berenice Rojas Couto - O grande dilema atual é que para enxergar o campo da política social como um campo contraditório é preciso que ele seja espaço de resistência à exploração do ser humano. Reconhecendo seu caráter modelador da ótica do capital, é preciso desenhá-lo como espaço de disputa da riqueza socialmente produzida e campo de redução das desigualdades. Se a política social e pública não se manifesta como campo de combate à desigualdade, ela é destituída de contradição e perde a potência para atender as necessidades sociais da classe trabalhadora e sua família.

Cabe aos espaços institucionais, aos trabalhadores sociais oferecer à população elementos para o questionamento dessa cobertura, do recurso gasto e da forma com que ela é concebida. É somente no campo da disputa que podemos construir caminhos para um horizonte voltado à justiça social e ao debate da sociedade em curso. Certamente no Brasil, assim como na Argentina, se prevalecerem os projetos dos governos em curso, teremos um terreno muito árido e tortuoso para a população em geral e para a classe trabalhadora em particular.


IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Berenice Rojas Couto - Resistir e lutar e usar o conhecimento como instrumento de luta, esse é o campo da produção de conhecimento. Retomar a análise da sociedade e mostrar que a conquista no campo social e público só foi possível graças à luta cotidiana da população por ver reconhecido que seu direito a ter direito é uma perspectiva histórica que não pode ser abandonada.■

 

Leia mais...

 

- Politização como ferramenta de disciplinarização dos sujeitos. Entrevista com Berenice Rojas Couto, publicada na revista IHU On-Line nº 473, de 28-09-2015.

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