Edição 207 | 04 Dezembro 2006

A conjuntura da semana nas “Notícias Diárias” do IHU

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IHU Online

Comentários das Notícias Diárias – publicadas na semana de 26 de novembro a 01 de dezembro de 2006 no sítio do IHU - www.unisinos.br/ihu. Relacionamos e comentamos alguns conteúdos que foram notícias durante a semana no sítio do IHU.

Reforma da Previdência

A Reforma da Previdência é um dos temas permanentes na agenda política do país. Porém, sempre que se inicia um novo mandato presidencial, retorna com força. Os que a defendem, opinam que o governo deve fazê-la logo no início do mandato quando ainda tem “gorduras” para queimar, ou seja, apoio popular, uma vez que qualquer reforma na Previdência aponta para perdas e jamais para ganhos.

Portanto, não causa surpresa que o tema da Reforma da Previdência ocupe importante espaço na mídia no início do segundo mandato do governo Lula. Atento a esse debate, as Notícias Diárias vêm repercutindo o que está sendo proposto e discutido. “Lula não quer mudar regras da Previdência” é a notícia que se destaca na semana. A declaração pública do presidente contrário a qualquer mexida na Previdência nesse momento é significativa, uma vez que não são poucos os lobbies que defendem a Reforma. Um deles é o revelado na notícia “Superlobby propõe nova Previdência”. Por detrás do lobby estão as grandes Confederações patronais – da Indústria (CNI), do Comércio (CNC) e da Agricultura (CNA). Reúne ainda a Bovespa, a Febraban (bancos), a Andima, a Fiesp e a Fenaseg (seguros). O outro lobby se esconde por detrás dos interesses do mercado financeiro, escudados dentro do governo no Ministério do Planejamento e sobretudo no Banco Central, como se pode ler na notícia “Reforma da Previdência. Grupo defende choque de gestão”.

Um dos maiores defensores da Reforma é o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, ex todo poderoso de Palocci, que tem o apoio integral de Meirelles e Paulo Bernardo, ministro do Planejamento. Uma das pontas de lança dos que defendem a Reforma da Previdência é a proposta intitulada “choque de gestão”, sugerida pelo professor Vicente Falconi Campos. Para maior esclarecimento basta ler a notícia publicada no IHU – “Quem é Vicente Falconi, guru dos empresários”. O “padrinho” de Falconi é ninguém menos que Jorge Gerdau, sondado para o ministério da Indústria e Comércio. Conferir a notícia “Mantega diz que estudará proposta de Gerdau”.

A verdade é que “Enquanto se discute a crise da Previdência Pública, a privada vai muito bem, obrigado”. Os números são impressionantes: Em uma década, poucos setores cresceram tanto no Brasil quanto a previdência complementar. O segmento saiu de R$ 3 bilhões em reservas, em 1996, para quase R$ 100 bilhões no fim deste ano, revela a Associação Nacional da Previdência Privada (Anapp).

É evidente que por detrás da Reforma da Previdência estão os interesses do capital. Teresa Ter-Minassian, diretora do Departamento Fiscal do FMI, afirmou que “para que o país se livre das atuais ‘taxas de crescimento anêmicas’, precisa colocar em pauta reformas estruturais”. Para o FMI, as reformas estruturais são a trabalhista e previdenciária, como declarou a diretora do Fundo. Oportuno e esclarecedor para o debate – leia-se quem defende o quê –, é a leitura da notícia “Seguridade social não tem déficit e é auto-sustentável, afirma pesquisadora”.

Os que desejam a Reforma da Previdência se escondem atrás do debate em torno do “equilíbrio autuarial”, como se não fosse um debate político. Mais do que uma conta contábil, a que muitos querem reduzir o debate em torno da Reforma da Previdência, trata-se de um debate ideológico. A Previdência se insere no sistema de cobertura aos trabalhadores brasileiros. É uma peça fundamental do Estado de bem-estar. O que o mercado evita dizer em público é que quanto menos Estado houver mais espaço tem ele para agir em sua cobiça desmedida.

Dívida Externa

Outro tema co-relacionado ao da Previdência, mas que, ao contrário do primeiro, anda sumido do debate nacional, é o que diz respeito à dívida externa. Quase sempre pautado pelos movimentos sociais e motivo até de um plebiscito popular (2000), o tema se afastou da agenda de luta das organizações populares. Uma explicação para o sumiço se deve ao fato da idéia propagada pelo governo Lula de que o mesmo enxotou o FMI e pagou a dívida. Uma baita confusão, misturada ao oportunismo político. A dívida externa, segundo o excelente e imperdível texto de Paulo Kliass – “A outra face da redução recente da dívida externa. Um artigo de Paulo Kliass” – apenas assumiu uma nova “roupagem”.

A visita do Papa à Turquia

A visita de Bento XVI à Turquia ocupou amplo espaço nas Notícias Diárias da semana. Para quem acompanha o diálogo entre a “modernidade” e a “religiosidade” trata-se de um acontecimento importante. Os preparativos para a visita de Bento XVI à Turquia foram cercados de grande expectativa e certo clima de tensão. Havia rumores de que a visita pudesse ser cancelada, após forte reação do mundo islâmico a um discurso seu pronunciado em Regensburg, quando de sua visita à Alemanha, e interpretado como antiislã. Nada removeu Bento XVI do seu propósito. Na terça-feira, o Papa iniciou em Ancara, capital da Turquia, sua visita de quatro dias a este país. A Turquia se encontra num processo interno de mudanças com vistas a se adaptar às exigências feitas para efetivar sua entrada na União Européia. Neste contexto, o alinhamento de forças entre secularistas e islâmicos abre espaço para uma nova divisão, agora em torno de islâmicos e liberais, por um lado, e nacionalistas radicais, por outro, como mostra a matéria “Islâmicos e liberais se unem contra nacionalistas radicais”, de 26-11. Trata-se do país mais muçulmano que mais passos deu no sentido da secularização.

A este clima interno de efervescência, a visita do Papa vem acrescentar ao menos dois outros ingredientes, que aumentam a temperatura dos ânimos dos mais radicais, principalmente: primeiro, as declarações de Bento XVI na Universidade de Regensburg, fartamente noticiadas nas Notícias Diárias. Remetemos os leitores/as a apenas dois textos que analisam este acontecimento: “Islã: um passo em falso de Bento XVI? Um artigo de Henri Tincq”, de 18-09, e “O discurso de Regensburg. Uma análise do teólogo Juan José Tamayo”, de 25-09, dentre diversos outros; segundo, declarações de quando ainda era cardeal Ratzinger, época em que se declarou ser contrário à entrada da Turquia na União Européia. O Papa procurou se justificar quanto à primeira questão, alegando ter sido mal compreendido. Durante os primeiros discursos da sua visita procurou desfazer sua “pecha” de “anti-Turquia”, como alguns o chamavam.

Várias das Notícias Diárias da semana em análise aqui destacam as dificuldades encontradas pelo Papa naquele país, mas também os esforços realizados para que o diálogo e a paz entre os povos e as religiões se estabeleçam realmente. Bento XVI, por sua vez, parece ter abandonado um discurso mais “belicoso” e assumido um discurso com vistas a lançar pontes e abrir caminhos para o diálogo; deixar as diferenças em segundo plano e destacar os projetos comuns, ainda que os matizes – vários, aliás! – do Papa estejam presentes em seus discursos.

Para o especialista em islamologia, o jesuíta egípcio Samir Khalil Samir, a mensagem do Papa na Turquia é tripla: “o projeto de uma sociedade laica, respeitosa das liberdades e da crença; o engajamento pela paz, baseada na justiça e na legalidade internacional; a solidariedade dos crentes para testemunhar o transcendente num mundo secularizado”. Esta afirmação está no seu artigo “Bento XVI na Turquia e o elogio da ‘laicidade respeitosa’”, traduzido e reproduzido em 01-12.

O mundo digital

Outro tema aglutinador desta semana diz respeito ao mundo digital. O artigo “A era digital e sua nova estética”, de 30-11, traz questões sumamente provocativas. Trata-se de uma resenha do novo livro do russo Lev Manovich em que analisa a nova linguagem dos meios de comunicação. Para ele, os novos meios de comunicação são “um ponto de intersecção entre dois desenvolvimentos tecnológicos: o informático e o midiático.” A Internet, os blogs, as imagens digitais, os sons, os textos, seu armazenamento e processamento se tornaram possíveis graças a esta junção. E uma nova revolução em termos de comunicação se fez. Ou com outras palavras, “quando toda a produção midiática passou a ser traduzida em dados numéricos abriram-se as portas de uma nova era”, a era digital. O autor da resenha ainda chama a atenção para a correspondência que Manovich estabelece entre a lógica do digital e a lógica da sociedade contemporânea: “os novos meios de comunicação estão em sintonia com o culto do individualismo, a cultura “à la carte” (a liberdade entendida como seleção a partir de um número dado de opções) e o império do tátil no mundo pós-industrial”, conclui. Mas, Manovich aponta para a necessidade de uma Infoestética, isto é, “uma análise teórica da estética do acesso à informação, afastada dos critérios narrativos tradicionais, que permita pensar, por exemplo, poéticas da base de dados ou da navegação”.

Pelo lado da produção de computadores a preços baixos, podem ser lidas as entrevistas com Nicholas Negroponte, publicadas no dia 30-11, que vem convencendo governos e outras organizações para o seu projeto. Otimista de carteirinha, ele aposta nas potencialidades de computadores nas mãos de crianças em termos de melhoria na educação. Ou seja, dessa maneira, as crianças estudariam mais, pois poderiam estudar em casa. Ao mesmo tempo, poderiam ajudar os pais e romper barreiras geracionais.

Pelo lado do uso dessa ferramenta de comunicação, pode-se ler a discussão feita por especialistas quanto à validade ou não de se admitir haver “dependentes da Internet”. A Internet pode se transformar num vício, numa doença? O texto “A geração dos dependentes da internet”, de 30-11, remete na verdade à problemática não nova: a relação que seres humanos estabelecem com estas ou outras máquinas. Então, surgem outras perguntas: por que certas pessoas se “viciam” na Internet? Por que isso acontece? O problema está na Internet? Ou, ao contrário, quando isso acontece, é por que as relações de proximidade física, emocional, de carinho, de acolhimento familiar ou grupal já foram fortemente abaladas? Com outras palavras: onde está o problema: nas máquinas, produtos humanos, ou nas relações que estes mantêm entre si, isto é, o estilo que vida que levam?

De carona, essa discussão pode levar às reflexões realizadas pelo Alexandre Schlosser sobre o sujeito, a subjetividade, o indivíduo e o grupo. Em “O sujeito é um predicado do indivíduo e do grupo. Entrevista com Alexandre Schossler”, entrevista publicada em 1-12, o psicólogo afirma que as diferenças individuais garantem o movimento do grupo e a sua permanente transformação. O alcance dessa reflexão está em compreender melhor o individualismo em nossa sociedade e em ressaltar a força dos indivíduos nas transformações. Ao contrário, talvez, do que se imaginava que em tempos de globalização, quando se depositava todas as forças de transformação nas estruturas, sobretudo, econômicas, há aqui sinais de que os indivíduos não são tão impotentes diante da realidade, para bem ou para mal. A tese de fundo consistir em admitir que há influências mútuas e não apenas unilaterais. O jogo de forças não é unilateral. Os sujeitos têm poder e não são tão impotentes como pretendem algumas linhas de pensamento. Que perspectivas reais de transformação isso abre? Esta leitura permite compreender, ao nosso ver, os acontecimentos do México e em outros países da América Latina, especialmente.

América Latina

A eleição de Rafael Correa no Equador, os conflitos no México, a eleição na Venezuela e a tensão crescente entre o Uruguai e a Argentina em torno da construção das fábricas de celulose, foram acontecimentos noticiados pelas Notícias Diárias na semana. O sítio do IHU vem se destacando pelo acompanhamento da conjuntura latino-americana. Em outro momento já comentamos que a cobertura da realidade latino-americana pelo IHU é uma das melhores do país, melhor, porque diversificada e ágil na faculdade de perceber aquilo que é mais relevante.

Nesta perspectiva destaque-se a cobertura sobre os acontecimentos de Oaxaca e o conflito entre Calderón (PAN) e Obrador (PRD). Uma série de entrevistas são extremamente felizes e oportunas para se compreender o “barril de pólvora” que se tornou o México. Destacamos a entrevista com o Subcomandante Marcos: “Para o EZLN não serve nem o presidente oficial, nem o legítimo” Entrevista com o subcomandante Marcos e as entrevistas com Emilio Gennari:
“As diferenças e semelhanças entre o movimento zapatista e Oaxaca. Entrevista especial com Emilio Gennari” e Alejandro Buenrostro: “O povo está cansado”. Entrevista especial com Alejandro Buenrostro sobre as lutas populares no México

Particularmente naquilo que é específico ao movimento social, dois artigos são extremamente relevantes. O primeiro deles é de Adolfo Gilly – “Reflexões para uma esquerda não subordinada. Artigo de Adolfo Gilly, professor na UNAM” – que propõe uma leitura da conjuntura mexicana a partir dos pobres. É um alerta para a esquerda e para a burguesia do país que está subestimando a capacidade organizativa do povo. O outro vale pela sua dramaticidade e pelo o que texto explicita, tornando desnecessários comentários: “O cerco à comuna de Oaxaca se fecha. Um relato comovente”.

A cobertura do sítio sobre as eleições no Equador também é merecedora de destaque. Como já vinha fazendo na semana passada, o sítio não deixou despercebida a importância da disputa no país. Ali se jogou geopoliticamente uma contenda entre os EUA, apoiando Noboa e a Venezuela apoiando Correa. No dia seguinte à sua vitória já era possível se conhecer o perfil do novo presidente equatoriano nas Notícias Diárias: “Um perfil de Rafael Correa, novo presidente equatoriano”. A vitória do jovem Correa trará ainda maiores problemas para os EUA na região, uma vez que o mesmo já se posicionou claramente contra o Tratado de Livre Comércio – TLC e exige uma revisão da permanência da base militar americana em solo equatoriano.

Outro fato significativo na conjuntura latino-americana é o que trata do contencioso entre a Argentina e o Uruguai por causa da construção de uma fábrica de celulose pela empresa finlandesa Botnia na cidade uruguaia de Fray Bentos, na divisa entre os dois países. A disputa chegou a uma tal tensão que ameaça implodir o frágil Mercosul. Nenhum dos lados cede, o que levou o jornalista Washington Uranga a escrever um belíssimo artigo: “Uruguai e Argentina. Atrever-se, a função da política. Artigo de Washington Uranga”.

Acerca dos acontecimentos latino-americanos há uma ausência nas Notícias Diárias da semana aos fatos relacionados à Bolívia. Durante a semana que passou uma duríssima disputa tomou conta do país, que extrapolou do parlamento para as ruas. A disputa envolvendo o MAS, de Evo Morales, contra as oligarquias rurais associadas aos empresários bolivianos. Um dos temas chaves versou sobre a proposta de lei de Reforma Agrária sugerida pelo governo. A polêmica continua.

O surpreendente Mundo do Trabalho

Para concluir, destacamos duas notícias sobre o mundo do trabalho. A primeira delas, apesar de aparentemente pouco importante, chamou a atenção nas Notícias Diárias publicada durante a semana. A notícia de que a “TAM volta atrás na terceirização. "Desterceirização" ganha corpo, segundo consultor”. Trata-se realmente de um acontecimento surpreendente. A “terceirização” tornou-se um dogma nos manuais de reestruturação produtiva. Uma medida adotada por dez entre dez empresas que disputam espaço no mercado. Como uma das maiores empresas da aviação nacional anuncia algo aparentemente na contramão de tudo o que sempre se ensinou? Sobre isso vale a pena ler o comentário de Inácio Neutzling publicado no blog do sítio no dia 28-11-06: “Terceirização ou Desterceirização?”. A nota suscitou um interessante debate nos comentários do blog.

A segunda notícia é a que comenta os bastidores da briga entre um dos maiores grupos siderúrgicos mundiais, o grupo nacional Gerdau com o sindicalismo americano. A briga sobrou também para a Vale do Rio Doce. A notícia “Grupo Gerdau. Osso duro de roer” revela que as siderúrgicas brasileiras toparam de frente com os ‘Metalúrgicos Unidos’ (USW, na sigla em inglês), um sindicato aguerrido que defende os interesses de 850 mil trabalhadores nos EUA e no Canadá e cuja influência atinge diversos setores da economia. Os detalhes da disputa são relatados na notícia “USW e o grupo Gerdau”. Sobrou até para o presidente Lula, como se pode observar na reportagem “Admirador de Lula, dirigente pediu ao presidente intermediação com Gerdau”, publicada nas Notícias Diárias. Em tempos de globalização e erosão do mundo do trabalho, trata-se de uma notícia no mínimo curiosa: descobrir que os trabalhadores ainda conseguem peitar grandes grupos empresariais.

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