Edição 489 | 18 Julho 2016

Paulo e Madalena: dois caminhos que levam ao Cristo

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

João Vitor Santos |Tradução Luis Sander

Chris Schenk defende que pelo resgate da história de liderança coigual da mulher na Igreja primitiva é possível pensar na igualdade em todos os ministérios, rompendo com a dualidade na disputa de gênero

A grande luta do feminismo pode ser resumida a uma palavra: igualdade. Por essa perspectiva, mulheres querem ter a oportunidade de ocupar o mesmo espaço – e com o mesmo prestígio – que os homens. Chris Schenk, da FutureChurch, destaca que Jesus faz esse movimento, igualando homens e mulheres nas suas potências. Mais tarde, seguido por Paulo de Tarso. Ela entende que essa perspectiva da mulher potente na Igreja primitiva foi se perdendo e, para pensar em igualdade hoje, defende o resgate a esse princípio. “Resgatar a história da liderança coigual das mulheres na igreja primitiva contribui para preparar o terreno para a igualdade das mulheres em todos os ministérios da igreja, como foi visionado pela primeira vez por Jesus e S. Paulo”, enfatiza.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Chris demonstra que a igualdade de gênero vem pelo reconhecimento de cada um em sua especificidade, no que entende como reconhecimento coigual entre ambos. Ideia que fica clara, por exemplo, quando questionada sobre as diferenças de uma – suposta – mística feminina. “No caso de Teresa [de Ávila] e João [da Cruz, ambos místicos], é de se perguntar se as diferenças em suas experiências místicas se devem ao seu gênero ou mais ao fato de que Teresa era mais extrovertida do que João”, acentua. A provocação de Chris coloca em suspenso até as apressadas conclusões acerca de uma ideia de ministério de homens, que sufocou o de Maria Madalena. “A experiência de Maria se deu logo depois de testemunhar a morte brutal e o sepultamento de Jesus, de modo que o impacto de ver a nova vida de Jesus deve ter sido avassalador. A experiência de Paulo se deu depois de meses de perseguição à igreja recém-nascida. A experiência dele também foi avassaladora, mas por razões diferentes”, reflete.

Chris Schenk é religiosa da congregação das Irmãs de São José e diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, que atua pela plena participação de todos católicos e católicas em todos os aspectos da vida e do ministério da Igreja. Tem mestrado em Obstetrícia e em Teologia e, com a assistência da equipe da FutureChurch, desenvolve e administra programas nacionais de base, incluindo questões como a mulher na liderança da Igreja e no mundo, o futuro do ministério sacerdotal e a situação das paróquias dos Estados Unidos. A FutureChurch tem trabalhado para restaurar a consciência sobre a Santa Maria de Magdala como a primeira testemunha da Ressurreição e uma respeitada líder da Igreja primitiva.


Confira a entrevista. 


IHU On-Line - De que forma o tratamento dado à mulher, na figura de Madalena, pela Igreja é atualizado ao longo da história na figura de outras mulheres, como Joana D’Arc , Teresa de Ávila , entre outras?

Chris Schenk - Esta é uma pergunta complexa. Limito-me a dizer que, à medida que mais mulheres entram nos campos bíblico, teológico e histórico, alguns aspectos anteriormente não percebidos das mulheres na Bíblia, na teologia e na história da igreja estão vindo à luz. Por exemplo, sabe-se há tempo que Teresa de Ávila estava sob ameaça contínua da Inquisição, e daí sua grande confiança em sacerdotes confessores de várias ordens religiosas. Eles lhe davam credibilidade e segurança. Além disso, as contribuições teológicas significativas de místicas medievais anteriormente obscuras, como Hildegard de Bingen  e Juliana de Norwich , estão sendo reconhecidas e valorizadas atualmente .


IHU On-Line - Como romper com a ideia de “Madalena, a esposa de Jesus” e mergulhar na mística dessa relação?

Chris Schenk - Não há dados históricos ou bíblicos para apoiar a especulação de que Maria Madalena era casada com Jesus. A alegação de que autores antigos não mencionaram o casamento e os filhos ou filhas deles por medo da perseguição judaica não se sustenta, porque o Evangelho de João e a maioria da literatura apócrifa foram escritos depois da queda de Jerusalém, quando não haveria nada a temer das autoridades judaicas. Se Maria Madalena fosse esposa de Jesus e mãe de seu filho ou filha, é altamente improvável que esses textos tivessem omitido esses fatos importantes, especialmente porque ela é retratada de modo proeminente tanto como a testemunha primordial da ressurreição quanto como uma líder que, de muitas formas, entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos.

Se Jesus era casado, não era com Maria de Magdala, pois nesse caso ela teria sido conhecida como “Maria, a esposa de Jesus”, e não como Maria de Magdala. As convenções literárias e sociais da Antiguidade determinavam que se mulheres fossem mencionadas (uma ocorrência muito rara), elas eram quase sempre nomeadas por seu relacionamento com a casa patriarcal, como, por exemplo, “Joana, mulher de Cuza, o procurador de Herodes” (Lc 8,1-3). De maneira atípica, Maria de Magdala era nomeada de acordo com a cidade de onde vinha, não por seu relacionamento com um homem. Biblistas acreditam que isso indica que ela provavelmente era uma mulher rica, independente, não vinculada à casa patriarcal.

A verdadeira relação com o Cristo

Maria Madalena certamente amava Jesus e era sua mais fiel discípula. Ela o acompanhou quando da morte por crucificação, do sepultamento e foi a primeira pessoa a testemunhar sua ressurreição. Os outros discípulos fugiram.

Assim como Maria Madalena, também nós somos chamadas e chamados para um relacionamento íntimo com o Cristo ressurreto. Esse Cristo que nos fortalece e acompanha quando, como ele, nós trabalhamos e testemunhamos de modo que a vontade de Deus seja feita aqui na terra como o é no céu.


IHU On-Line - É possível compreender um conceito de “mística feminina”? Em que medida, por exemplo, é possível falar em diferenças de experiências místicas a partir de figuras como Teresa de Ávila e João da Cruz  na sua conexão com o divino?

Chris Schenk - No caso de Teresa e João, é de se perguntar se as diferenças em suas experiências místicas se devem ao seu gênero ou mais ao fato de que Teresa era mais extrovertida do que João. Ainda assim, porque os homens e as mulheres são diferentes, poder-se-ia teorizar razoavelmente que suas experiências místicas diferem. No fim das contas, entretanto, qualquer experiência do divino é inefável e está além da explicação, e tanto os místicos quanto as místicas atestam isso. Assim, se elas são diferentes, duvido que qualquer pessoa pudesse provar que as diferenças se devem ao gênero e não à bela diversidade que é o empreendimento humano.


IHU On-Line - Quais as semelhanças e diferenças nas experiências de Madalena e Paulo de Tarso com o Cristo ressuscitado? E, a partir de seus escritos, que papel Paulo de Tarso entende que a mulher tem no cristianismo?

Chris Schenk - A experiência de Maria se deu logo depois de testemunhar a morte brutal e o sepultamento de Jesus, de modo que o impacto de ver a nova vida de Jesus deve ter sido avassalador. Ela já era uma pessoa crente e uma discípula fiel, de modo que a incumbência que Jesus lhe deu de “ir e dizer a meus irmãos” que ele tinha ressuscitado era o nascimento da igreja, pois, naquele momento, só ela (Maria Madalena) era portadora da verdade da ressurreição.

A experiência de Paulo se deu depois de meses de perseguição à igreja recém-nascida. A experiência dele também foi avassaladora, mas por razões diferentes. Paulo passou a perceber que Jesus era o cumprimento da lei que ele tinha seguido fielmente a vida inteira. A conversão de Paulo, que expandiu sua mente, preparou o terreno para admitir gentios na igreja sem exigir a circuncisão. Ele também é um modelo para todas e todos nós que, assim como Paulo, não conhecemos Jesus em vida. Paulo nos ajuda a crer que nós também podemos vivenciar a graça da amizade com Cristo que nos fortalece e cura.

Uma grande diferença entre Paulo e Maria de Magdala é que as viagens missionárias de Paulo e suas cartas às primeiras comunidades por todo o mundo do Mediterrâneo foram preservadas e oferecem um excelente instantâneo dos desafios reais com que se defrontavam as primeiras pessoas cristãs. Elas são os mais antigos escritos cristãos que temos. Infelizmente, não temos um registro direto semelhante do que aconteceu na vida e no testemunho subsequentes de Santa Maria de Magdala. Só podemos deduzir de fontes extracanônicas que ela foi lembrada, em algumas das primeiras comunidades, como uma líder e discípula proeminente que entendeu a missão de Jesus melhor do que seus irmãos.

Mulheres paulinas

As cartas de Paulo também dão informações valiosas sobre a liderança coigual nas primeiras comunidades cristãs. O capítulo 16 de Romanos nos fala do casal Prisca e Áquila, “colaboradores em Cristo” de Paulo. O fato de Prisca ser mencionada primeiro em quatro das seis vezes em que o casal é citado no Novo Testamento nos diz que ela provavelmente era a mais proeminente dos dois. Prisca e Áquila fundaram igrejas que se reuniam em casas em Corinto, Éfeso e Roma e serviam como uma base de evangelização em cada uma dessas importantes cidades. Junto com Paulo, eles podem ser legitimamente chamados de “apóstolos para os gentios”, porque o próprio Paulo diz: “Não somente eu lhes devo gratidão, mas também todas as igrejas da gentilidade” (Rm 16,4). Paulo louva outro casal de missionários, Júnia e seu marido Andrônico, como “apóstolos exímios” (Rm 16,7). Júnia é a única mulher no Novo Testamento a quem se dá o título de “apóstola”.

Apoiadoras do cristianismo

Uma realidade pouco conhecida é que Maria Madalena é a primeira em uma longa linhagem de patronas e benfeitoras que apoiaram financeiramente a missão cristã. Ela era uma mulher independente e rica que usou seu dinheiro para financiar a missão galileia de Jesus (Lc 8,1-3). Da mesma maneira, ao menos algumas das viagens missionárias de Paulo foram apoiadas financeiramente por Febe  – a benfeitora (e diakonos) de Cencreia (Rm 16,1). Muitas patronas disponibilizaram recursos financeiros para que a missão cristã se espalhasse por todo o mundo mediterrâneo.

Isso começou com Maria Madalena e Joana, esposa de Cuza, procurador de Herodes. Continuou por meio de Febe, que ajudou financeiramente o ministério de Paulo, e se estendeu até o século IV, com Olímpia, que, sem dúvida, financiou metade dos bispos da Ásia Menor, dos quais João Crisóstomo  é um dos mais conhecidos. É digno de nota o fato de que mais da metade das igrejas titulares de Roma devem seu nome às mulheres que eram proprietárias dessas casas maiores em que as primeiras pessoas cristãs se reuniam para o culto.

O patronato de mulheres foi fundamental para a disseminação do cristianismo. O próprio Papa Bento  atestou isso, em 14 de fevereiro de 2007, ao fazer a notável afirmação de que, nas primeiras comunidades cristãs, “a presença feminina era tudo menos secundária” . Isso é outra forma de dizer que a liderança das primeiras mulheres cristãs era primordial ou, ao menos, igual à liderança dos homens.


IHU On-Line – Como compreender o movimento na Igreja hoje em reconhecer as injustiças e incompreensões feitas sobre a figura de Madalena? E como compreender o espaço da mulher na Igreja hoje a partir das discussões em torno da história de Madalena na atualidade?

Chris Schenk - Em 1997, FutureChurch iniciou o que viria a se tornar um esforço internacional para resgatar a memória de Maria de Magdala como apóstola dos apóstolos e corrigir a ideia de que ela teria sido uma prostituta. Desde então, entre 250 e 400 celebrações educativas anuais foram feitas, no mundo inteiro, no dia ou perto do dia da festa dela a cada verão [no Hemisfério Norte] . Resgatar a história da liderança coigual das mulheres na igreja primitiva contribui para preparar o terreno para a igualdade das mulheres em todos os ministérios da igreja, como foi visionado pela primeira vez por Jesus e S. Paulo.■

 

Leia mais...

- Maria de Magdala, a grande “Apóstola dos Apóstolos”. Entrevista com Chris Schenk, publicada na revista IHU On-Line, número 385, de 19-12-2011.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição