Edição 484 | 02 Mai 2016

Sinos: casa de todos e morada de ninguém

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João Vitor Santos

Os professores Jackson Müller e Uwe Schulz debatem a situação ambiental do Rio do Sinos desde a perspectiva do “Cuidado da Casa Comum”
Jackson Müller/Foto: João Vitor Santos - IHU

Imagine uma casa em que todos podem entrar, usar suas dependências, pegar o que necessitam e ir embora. Agora, imagine que todos façam isso, mas não cuidem dessa casa, fazendo a manutenção e preservando para que não haja um esgotamento de recursos existentes ali. O resultado pode ser uma casa sem vida, dada apenas à espoliação humana. É mais ou menos essa relação que a população da região tem com o Rio do Sinos e sua bacia hidrográfica, relatam os professores da faculdade de Biologia da Unisinos Jackson Müller e Uwe Schulz. Na noite de segunda-feira (25-04), dentro do Ciclo de atividades. O cuidado de nossa Casa Comum, eles participaram do debate “A questão ambiental no Vale do Rio dos Sinos”, numa promoção do Instituto Humanitas Unisinos – IHU. “Temos relatos de problemas ambientais no Rio do Sinos desde a década de 80”, aponta Schulz. “E, de lá para cá, o que mudou? Nada”, dispara Müller.

O professor Schulz abriu sua fala relacionando a situação do Rio com o que aponta o Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si’ – o Cuidado da Casa Comum. Para ele, o documento reforça a necessidade de reflexão sobre o crescimento do uso de recursos naturais de forma indiscriminada. “Não sabemos até onde vai a capacidade de suporte de nosso planeta, e a demanda por recursos naturais só aumenta”, destaca, ao lembrar que 1 milhão e 300 mil pessoas dependem da água do Sinos. Ele surpreende a plateia ao mostrar como nasce o Rio do Sinos, na altura do município de Caraá. “É um local de água limpa e preservado, mas quando chega aqui (na altura de São Leopoldo e Novo Hamburgo) o Rio se torna isso que conhecemos”, pontua.

Schulz ainda alerta que a situação é tão ruim que a água do Sinos sequer se presta a consumo humano. “Essa água é de classe 4. Pela legislação vigente, água com essa classificação não pode ser usada para consumo humano”. Segundo o professor, a maior ameaça é a chamada poluição por matéria orgânica, originária essencialmente pelo não tratamento de redes de esgoto.

 

Memória de uma tragédia

O professor Jackson Müller segue na mesma linha. Ele reproduz imagens aéreas que impressionam pela devastação. “Isso não é o encontro do Rio Negro com Solimões. É a sujeira entrando no Rio do Sinos”, ironiza, ao mostrar a água negra de um afluente manchando o Sinos. Müller, que também atuou em órgãos ambientais e hoje presta consultoria na área, recorda que um grande problema na região era os dejetos industriais. “Mas houve muita pressão para mudar as coisas. E, de certa forma, o setor privado fez a lição de casa. Hoje, nosso grande problema é a falta de saneamento básico. Não enfrentamos esse problema, seguimos vivendo ciclos de problemas continuados por causa do esgoto que vai para o Rio”, analisa.

Müller é contundente ao falar da ação do poder público e da pouca efetividade de suas ações. “Temos órgãos ambientais transformados em cartórios que só emitem licenças, não fiscalizam e avaliam se está sendo cumprido o que é previsto na licença. Temos planos de bacias, mas não temos dinheiro para implementar. Plano sem dinheiro não adianta de nada”, enfatiza. Sem esquecer a responsabilidade de cada um no descarte de resíduos domésticos, o professor lembra que essas ações levam o Rio do Sinos ao rol dos dez mais poluídos do Brasil, “junto com o Caí e o Gravataí, que são nossos vizinhos aqui”.

Esses fatores compuseram o cenário para a maior tragédia ambiental do Rio Grande do Sul. Em 2006, cerca de 100 toneladas de peixes mortos apareceram boiando nas águas do Sinos. Na época, resíduos industriais agravaram o cenário que já estava complicado. “E desde essa tragédia pouco ou nada mudou. No Rio Grande do Sul, temos só 12% de esgoto tratado. As lavouras de arroz avançam sobre os rios. As nascentes, como a do Sinos, são lugares mágicos, mas que estão cada vez mais urbanizados e menos preservados”, analisa.

 

Capacidade de reação

É possível se pensar em reação para reverter esse cenário? O professor Uwe Schulz acredita que sim. “Mas o que fazer? É para tentar responder a essa pergunta que atuo junto ao Comitesinos, aliando desenvolvimento social e pesquisa em toda região”, destaca. Ou seja, é envolver a comunidade e produzir outra relação com o Rio. Nesse sentido, o professor apresenta a experiência de projetos desenvolvidos como, por exemplo, Projeto Dourado, Projeto Monalisa e Verde Sinos. “São projetos que envolvem as pessoas da região, crianças e comunidades de pescadores”. E esses projetos geram dados e informações, além de recuperar mata ciliar e região de banhados, preservando e recuperando a vida no Rio.

Jackson Müller defende uma postura mais crítica para reverter esse quadro de degradação da Bacia do Sinos. “As pessoas não sabem o que se passa na realidade. Precisamos trabalhar essa informação para que as pessoas possam cobrar atitudes práticas dos governos”, pontua. Para ele, há a emergência de um novo modelo na relação com recursos naturais. “Esse é o grande desafio. Nossa política de águas, por exemplo, é de 1994 e ainda espera regulamentação”. O professor defende ações conjuntas, mas alerta: “sim, precisamos nos unir, mas é momento da revolução individual. É por ela que tudo começa. Precisamos fazer nossa parte, precisamos de pessoas mais atentas mudando suas posturas e cobrando ações”.

 

Os painelistas

Jackson Müller  é biólogo, com pós-graduação em Biologia: Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Foi diretor e secretário do Meio Ambiente das prefeituras de Estância Velha e Novo Hamburgo, além de chefe da Divisão de Planejamento e Diagnóstico e diretor Técnico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAM. É professor dos cursos de Ciências Biológicas, Gestão Ambiental e Engenharia Ambiental da Unisinos. Também é doutorando em Ecologia pela Unisinos.

Uwe Horst Schulz é graduado em Biologia pela Universität Bielefeld (Alemanha), onde fez o doutorado na mesma área. Desde 1996 é professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. É autor de Programa permanente de Educação ambiental da Bacia Sinos: Etapa Formação de multiplicadores, Projeto Dourado (São Leopoldo: OIKOS, 2008).

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