Edição 206 | 27 Novembro 2006

A Ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza

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IHU Online

II CICLO DE ESTUDOS DESAFIOS DA FÍSICA PARA O SÉCULO XXI

O prof. Dr. Attico Chassot do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos, vai falar no próximo Ciclo de Estudos Desafios da Física para o século XXI sobre A ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza. Sobre o assunto, o professor concedeu uma entrevista por e-mail à IHU On-Line: “Como digo na última das respostas esse encontro me mobiliza. Neste novembro, falo em seis universidades e em mais duas cidades de Santa Catarina, mas nada me envolve tanto como essa fala do dia 29 de novembro”.

O professor Attico Chassot é mestre e doutor em Educação pela UFRGS, e pós-doutor pela Universidade Complutense de Madri. Ele é autor de diversos livros, entre os quais citamos: Para que(m) é útil o ensino?. Canoas: ULBRA, 1995; e Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. Ijuí: Editora Unijuí: 2001. Chassot apresentou dois livros de sua autoria no evento Sala de Leitura, promovido pelo IHU, em 9 de dezembro de 2003. O título do segundo livro foi tema do IHU Idéias do dia 20 de agosto de 2003. O professor já concedeu entrevistas à IHU On-Line nas edições 87 e 154.
O evento acontece dia 29 de novembro, às 17h30, na sala 1G119.

“Por que os bebês choram ao nascer?”

IHU On-Line – Como a Ciência pode explicar as transformações da natureza?

Attico Chassot
- Vou me valer de uma metáfora kunhiana . A Ciência é apenas uma das maneiras de lermos o mundo, eis outras possibilidades. Talvez possamos identificar leituras marcadas pelo senso comum, pelos mitos, pelos saberes populares ou pelas religiões. Aqui e agora, é muito importante afirmarmos que qualquer uma destas leituras não recebe um aval, ou mesmo um rótulo, de que seja a mais certa ou mais adequada. Cada uma e cada um de nós pode se afiliar a uma destas leituras. Em minha fala II Ciclo de Estudos Desafios da Física para o Século XXI: um diálogo desde a Filosofia, na próxima quarta-feira, o convite é para pensarmos acerca de como a Ciência lê o mundo natural, antecipando que não estamos desqualificando qualquer uma das outras leituras e muito menos sugerindo que se abandone uma ou outra em favor desta que tem sido central durante todo o Seminário. Os epistemólogos dizem que podemos usar diferentes óculos para as nossas observações. Antes de mostrar quais podem ser esses óculos, vou propor uma questão: por que os bebês choram ao nascer? Esta me parece ser uma boa questão que se presta a uma excelente investigação. Muito provavelmente já nos fizemos esta pergunta e se a propusermos a pessoas com diferenciadas leituras do mundo obteremos respostas muito diferenciadas. No Programa de Aprendizagem: Conhecimento e Ciência , propus que alunas e alunos escolhessem uma pergunta , que usualmente seja objeto de curiosidade e primeiro buscassem respondê-la e após a formulassem a pessoas de diferentes estratos culturais.

Em investigação realizada por um dos estudantes , este propôs o seguinte questionamento: por que os bebês choram ao nascer? da qual foram trazidas leituras [das quais se apresenta uma pequena síntese em seguida] de uma parteira [... pedindo o sopro da vida que a parteira infunde quando assopra nas narinas...], de uma obstetra [... para estimular o funcionamento dos alvéolos e ativar o inicio da respiração...], de uma pessoa sem escolarização formal [... o nenê chora de saudade da vida boa que tinha na barriga da mãe...] e de um teólogo [... para pedir a Deus que lhe insufle a vida...].
Talvez possamos identificar leituras marcadas pelo senso comum, pelos mitos, pelas religiões ou pela Ciência. Vale repetir que não se está julgando e, muito menos, desqualificando qualquer uma das outras leituras diferentes daquela que se coloca como a proposta pela academia, que apenas fazemos central aqui, muito menos sugerindo que se abandone uma ou outra em favor desta leitura proposta pela Ciência.

Campos dicotômicos

Assim, as religiões afirmam a existência de uma verdade global, imanente, eterna, completa, que trata tanto da natureza como do homem. Esta verdade tem uma exigência fulcral para crê-la: a fé. Algumas vezes, a leitura de mundo com os óculos das religiões é bastante ingênua. Veja-se essa afirmação: “Admira meu filho, a sabedoria divina, que fez o rio passar perto das grandes cidades”. Há outras em que a leitura religiosa tem a marca do fundamentalismo. Todavia, fundamentalistas ainda os há, lamentavelmente, em todos as áreas do conhecimento, inclusive nas ciências. A propósito permito-me recomendar o primeiro volume da Coleção Aldus, da Editora Unisinos: O que é fundamentalismo? do professor Martin Dreher.

Quando se fala em Religião e Ciência se advoga a existência de campos dicotômicos. Mas cabe a pergunta: por que, por exemplo, a religião se faz tão fortemente presente em discussões como a que se propõe aqui? Houve um tempo, não tão curto e nem tão distante – aquele que medeia o entorno da virada do século XV para o XVI até o Século das Luzes – em que houve uma significativa interferência entre os dois campos. Interferências estas que ocorreram com disputas, ou pior, até com embates cruentos. Julgamentos como o de Galileu ou martírios como o de Bruno não foram atos isolados. Para a separação entre os dois campos, a contribuição do Iluminismo talvez tenha sido decisiva com a proclamação de Kant com o “liberta-te daqueles que querem pensar por ti, e pensa!”. Então a ciência não apenas adquiriu / adquire status independente, mas trouxe superações, chegando, há um século, a ser aceita como um sucedâneo à religião. Afortunadamente, essa interpretação, tida por alguns como um ápice ou refinamento, também parece superada.

Houve / há um aparente triunfo da Ciência. Os homens e as mulheres, com a Ciência, têm resolvido problemas significativos quanto à diminuição do trabalho físico, aumento da longevidade com novos remédios e alimentos e próteses de parte do corpo, que já começam a ser possível até por clonagem. Aqui me permito acenar que trarei na minha fala uma análise mais extensa desse assunto. Parece muito provável – e não se quer passar a idéia de que a Ciência seja uma fada benfazeja, até porque ela também se assemelha muito a um ogro –, o quanto ela melhorou a qualidade de vida dos humanos.
A respeito deste binarismo, há um tempo dicotomizava a Ciência como sendo ora uma fada benfazeja, ora uma bruxa; ao fazer outras leituras acerca da bruxaria, revisitados vários conceitos acerca das bruxas, tendo-as como pólo das disputas pelo conhecimento entre homens e mulheres, passei a falar que a Ciência era, ora uma fada benfazeja, ora um ogro maligno, ficando no eterno duelo entre o Bem e o Mal, que diferia da anterior apenas na personificação do Mal. Mais recentemente, abandonei essa dicotomia, e aderi a uma outra metáfora para a Ciência, que aprendi com Colins & Pinch . Mesmo que seja mais polêmica, me parece mais adequada, dizendo que a Ciência se parece mais ao Golem (Goilem), aquele ente da mitologia judaica que é descrito como um gigante de barro que desconhece sua verdadeira força e assemelha-se muito a um bobão, mas que tem ações, às vezes, de sábio e outras de sabido. Aqui sabido nas suas duas acepções quase antípodas: uma, conhecedor, sabedor, versado, perito; a outra: astuto, finório, velhaco, trapaceiro. Realmente, muitas vezes a Ciência, ou melhor, os homens e as mulheres que fazem Ciência aparentam desconhecer a força que têm e agem como Golem. Aliás, permito-me antecipar que minha fala desta quarta-feira, ao lado das contribuições de Kuhn que citei na abertura desta entrevista, tem marcas muito feyerabendianas.

Parece indiscutível que não tenhamos sabido administrar as conquistas da Ciência. Lamenta-se que, em 11 de Setembro de 2001, tenha havido cerca de 3.000 mortes inocentes no ataque às torres gêmeas do WTC, atualmente, a cada dia, morrem dez vezes mais pessoas devido à falta de água potável . Mesmo que os apregoadores dos transgênicos apresentem soluções para a produção de alimentos por menor custo, assistimos ao aumento da miséria, com mais homens e mulheres, e especialmente crianças, morrendo de fome. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman  refere-se à existência de “resíduos de humanos” e fala no crucial dilema que vive o Planeta diante de um fenômeno novo e sem precedentes que representa uma crise aguda, onde a “indústria do tratamento de resíduos humanos” se encontra sem condições de “efetuar as descargas e sem instrumentos de reciclagem. Ao mesmo tempo, a produção desses resíduos não diminui e aumenta rapidamente em volume.” Esse é um outro doloroso e cruento lado da moeda desta Ciência aparentemente triunfadora.

E aqui parece que se podia pensar em uma não dicotomia. Não seria aqui o espaço privilegiado das religiões para o chamamento à concórdia e à recordação de princípios éticos. Assim não se prognostica um choque entre o racionalismo científico e a autoridade da fé. Ao contrário, à Ciência estaria reservado o papel de explicar e transformar o mundo e às religiões, entre outras práticas que lhes são funções históricas, como a religação dos humanos ao divino, estaria destinado, juntamente com outros grupos organizados de movimentos sociais, garantir que essas transformações sejam para melhor. Parece pouco? Ao contrário, é muito. São utopias, mas...

IHU On-Line – Quais os desafios da alfabetização científica? O que vem sendo feito nesta área e quais os avanços que já aconteceram?

Attico Chassot
- Para responder a esta pergunta, desejo trazer uma questão preliminar: O que é Ciência? Não vou responder a essa questão aqui e agora. Esse interrogante é até título de um livro de Alan F. Chalmers – no original What Is This Thing Called Science? ou O que é essa coisa chamada Ciência? – que traz extensas tentativas de responder à questão, especialmente na discussão do assim chamado método científico. Logo se pode prever que desejar, aqui e agora, dar uma resposta a essa pergunta não é fácil. Mesmo que me proponha a ampliar a leitura feita pela Ciência, ou até fazer da Ciência um instrumental para ler o mundo, e discutir adiante as necessidades de alfabetização científica, trago aqui uma descrição de Ciência que talvez pareça reducionista. Asseguro que ela serve para os propósitos das discussões deste texto. Talvez pudesse antes acrescentar que a extensão de uma definição teórica ou mesmo a precisão matemática de um resultado dependem dos objetivos com que os usamos.

A Ciência pode ser considerada uma linguagem construída pelos homens e pelas mulheres para explicar o nosso mundo natural. Permito-me sublinhar alguns pontos nesta definição de Ciência: é um construto humano, isto é, foi construída pelos homens e pelas mulheres. Como conseqüência desta natureza humana, a Ciência não tem a verdade, mas aceita algumas verdades transitórias, provisórias em um cenário parcial onde os humanos não são o centro da natureza, mas elementos dela. O entendimento destas verdades – e, portanto, a não-crença nelas –, tem uma exigência: a razão. Aqui temos um primeiro alerta: diferentemente das religiões que admitem ter verdades reveladas, a Ciência não tem verdade.

Ao afirmar que a Ciência é uma construção dos homens e mulheres, abro um parêntesis para dizer que escrevi um livro: A Ciência é masculina? (Editora Unisinos, 2003, 2. ed.). Nele procuro mostrar que, não por acaso, a construção da Ciência, como também das Artes, da Filosofia, da Política, é uma construção predominantemente masculina. Aliás, as religiões também são construtos masculinos e têm responsabilidades muito grandes nesse enviezamento machista da sociedade. Aliás, ainda dentro dos parênteses, tenho uma gratidão ao Instituto Humanitas. Já fiz cerca de meia centena de palestras acerca desse livro, no Brasil e no exterior, resultante da primeira discussão que fiz, aqui, em 2002. Volto à tentativa de responder o que é Ciência.

Na definição, antes proposta, cabe algumas das descrições mais usuais  de Ciência, como: ‘conhecimento atento e aprofundado de alguma coisa’ ou ‘conhecimento amplo adquirido via reflexão ou experiência’, ou ainda, ‘conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e, possivelmente, orientar a natureza e as atividades humanas’, como também esta, que talvez mais se aproxime daquela que foi apresentada no parágrafo anterior, ‘processo racional usado pelos humanos para se relacionar com a natureza e assim obter resultados que lhe sejam úteis’. Usar a linguagem da Ciência para descrever o mundo tem também essa dimensão utilitarista. Não apenas se descreve o mundo natural, mas se busca obter proveitos com esta descrição. Poder-se-ia fazer aqui uma extensa listagem de proveitos por se conhecer a Ciência. Fiquemos em apenas um exemplo: fazer previsões meteorológicas.

Talvez valha ampliar um pouco comentários acerca do utilitarismo. Em geral, chama-se de útil a tudo que pode servir para algo. Assim, algo útil é algo instrumental, e por isso se chama de útil (aqui como substantivo) a um instrumento ou um utensílio. Objeto que tem utilidade como meio ou instrumento para alguma coisa: utensílios domésticos. Utensílio ou ferramenta ou instrumento é tudo aquilo de que o homem se serve para fazer, produzir ou plasmar algo. Esta noção desempenha papel importante em várias tendências filosóficas, como no marxismo, que prestou particular atenção ao trabalho, quando se mostra, por exemplo, como ferramentas, e aqui particularmente os talheres, são prolongamentos das mãos, como está mais detalhado no meu livro A ciência através dos tempos (Moderna, 18ed. 2006). Mais especificamente se diz ser útil tudo que serve para satisfazer necessidades humanas, individuais ou coletivas. Diz-se, por exemplo, de período reservado ao trabalho produtivo. Assim, há os dias úteis ou dias em que se produz ou dias de trabalho.

No entanto, uma definição de Ciência como esta: ‘conhecimento que, em constante interrogação de seu método, suas origens e seus fins, procura obedecer a princípios válidos e rigorosos, almejando esperada coerência interna e sistematicidade’ é muito mais refinada, ou mais complexa do que aquela que propus. Nessa resposta, à pergunta que abre esse segmento, temos mais que uma descrição, pois temos já uma postura epistemológica, que toma as Ciências como objeto de investigação. Aliás, talvez então fique fácil entender, por exemplo, por que Giles-Gaston Granger escreveu um livro no qual discute se devemos nos referir à Ciência ou às Ciências. Ou ainda qual a diferença de grafarmos Ciência ou ciência. Um bom exercício é olharmos criticamente certas definições e ver o quanto elas respondem nossas expectativas acerca do conceituado. Também o quando diferentes definições são ou não congruentes.

Quando se considera a Ciência uma linguagem, pode-se já antecipar que deter alfabetização científica é saber ler esta linguagem. É um analfabeto científico aquele que não sabe ler a linguagem em que está escrita a natureza.

Ao caracterizarmos a Ciência como uma linguagem, entendemos que compreendermos essa linguagem (da Ciência)  como entendemos algo escrito numa língua que conhecemos (por exemplo, quando se entende um texto escrito em português)  é podermos compreender a linguagem na qual está (sendo) escrita a natureza. Assim, também podemos considerar que nossas dificuldades diante de um texto em uma língua que não dominamos  mesmo para nós leitores de língua portuguesa, muitos textos são vez ou outra esotéricos  podem ser comparadas com as incompreensões para explicar muitos dos fenômenos que ocorrem na natureza. Por exemplo, é provável que alguns dos leitores deste texto não saibam distinguir se uma página de um livro ou de uma revista está escrita em sueco ou em norueguês, assim como deve haver nórdicos, que talvez não reconheçam a diferença entre um texto em português e um em espanhol. Essa é a analogia que busco quando falo na Ciência como uma linguagem. Há ainda naturais dificuldades que temos para ler um texto que está escrito no idioma que dominamos. Na minha fala, vou comentar isso mais extensamente.

Gostaria de ampliar aqui um pouco a discussão. Há necessidade de investirmos em alfabetização científica. Permito-me trazer uma argumentação. Leia o texto que está no quadro seguinte.

• ...คอเลสเตอรอล เป็นทั้งสารสเตอรอยด์ ไลปิด และแอลกอฮอล์ ซึ่งอาจแบ่งประเภทได้ตามไลโปโปรตีนที่คอเลสเตอรอลจับเพื่ออาศัยเคลื่อนย้ายไปในกระแสเลือด ซึ่งถ้าใครมีแอลดีแอล คอเลสเตอรอลสูง พบว่าจะมีโอกาสเกิดโรคหลอดเลือดตีบตันได้มาก ?
• ...ทะเลตาย เป็นทะเลสาบน้ำเค็มที่มีระดับน้ำต่ำที่สุด อยู่ระหว่างเขตประเทศจอร์แดนและประเทศอิสราเอล ?
• ...เชียงตุง เป็นจังหวัดหนึ่งในรัฐฉานของประเทศพม่า มีผู้อาศัยส่วนใหญ่เป็นชาวไทเขิน และ ชาวไทใหญ่ ?
• ...เกาะสุมาตรา เป็นเกาะที่ใหญ่เป็นอันดับ 6 ของโลก และเป็นเกาะที่ใหญ่ที่สุดของประเทศอินโดนีเซีย พื้นที่ส่วนใหญ่ปกคลุมด้วยป่าชื้นเขตร้อน แต่การพัฒนาทางเศรษฐกิจ ร่วมกับการคอร์รัปชั่น และการทำไม้ผิดกฎหมาย ทำให้พื้นที่ป่าลดลงอย่างน่าใจหาย ?
• ...ในเรื่องกามนิต กามนิตมีความปรารถนาที่จะเข้าเฝ้าสมเด็จพระสัมมาสัมพุทธเจ้าอย่างแรงกล้า โดยที่ไม่รู้เลยว่าพระภิกษุที่ตนสนทนาอยู่ด้วยทั้งคืนนั้นคือสมเด็จพระสัมมาสัมพุทธเจ้านั่นเอง ?
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Muito provavelmente nenhum dos meus leitores ou leitoras consegue saber o que há neste texto, escrito em taí, língua que se fala na Tailândia. Eu também não conheço esta língua que me parece ter os caracteres mais bonitos. Apenas sei que se trata de um texto acerca do colesterol, pois esse excerto foi retirado de um verbete onde identifiquei a fórmula do colesterol na Wikepedia.
Agora, admita a seguinte situação. Ganhas uma viagem à Tailândia por uma semana. Muito provavelmente vais aproveitar a viagem, mesmo não conhecendo a língua. Poderás ver os lindos templos budistas, o palácio real, os mercados flutuantes e as imensas e variadas estátuas de Buda. Claro que haverá limitações. Nos museus, ficarás a dever as explicações que estão nas legendas. Jornais e mesmo televisão, só para olhar figuras. Se no movimentado trânsito de Bancoc estiveres sentado ao lado de um monge budista, muito provavelmente a tua curiosidade em saber dele algo, vai se limitar a uma afável troca de sorrisos. Mas se tua estada na Tailândia se estendesse, por exemplo, por um ano? Provavelmente irias aprender taí, para superar muitas das limitações que tem alguém que não conhece a língua de outro país. Agora, uma questão: quanto tempo ainda viveremos no Planeta Terra? Dez, vinte ou mais anos... Não vale a pena então aprendermos a linguagem que descreve o mundo?

Entender a Ciência nos facilita, também, contribuir para controlar e prever as transformações que ocorrem na natureza. Assim, teremos condições de fazer estas transformações serem propostas, para que conduzam a uma melhor qualidade de vida, isto é, por sabermos Ciência, seremos mais capazes de colaborar para que as transformações que envolvem o nosso cotidiano sejam conduzidas a fim de que tenhamos melhores condições de vida. Homens e mulheres por conhecerem a Ciência se tornaram mais críticos e ajudaram nas tomadas de decisões para que as transformações que a Ciência promove no ambiente sejam para melhor. Só isso faz ser importante contribuirmos para uma eficiente alfabetização científica. Assim, estaremos ajudando a formar jardineiros para cuidar melhor do Planeta.

IHU On-Line – Como tornar essas explicações inteligíveis para o grande público? O senhor pode exemplificar?

Attico Chassot
- Talvez, uma das grandes tarefas dos envolvidos com a Educação nas Ciências é fazer a migração do esoterismo ao exoterismo. Esotérico é algo hermético, fechado acessível a poucos enquanto exotérico é algo aberto e ao alcance de muitos. Hoje existe uma caixa preta chamada Ciência. Uma das contribuições daqueles e daquelas envolvidos com a Educação nas Ciências é envolver-se em propostas curriculares para migrar do esoterismo ao exoterismo, isto é, abrir essa caixa preta que os cientistas fizeram da Ciência. Acredito que nas minhas respostas anteriores já tenho trazido alguns exemplos. Veja questões de nosso cotidiano, como Por que o leite derrama quando ferve e a água não? Por que o sabão faz espuma e remove a sujeira? Por que o xampu não faz espuma quando estamos molhados com água do mar ou suados? Há centenas de perguntas como estas que a Ciência como instrumento de leitura do mundo explica.

IHU On-Line – Para que(m) é útil o ensino de Ciências?

Attico Chassot
- Esta última pergunta me é muito grata, e mais, de resposta quase agônica. Escrevi um livro que tem como título Para que(m) é útil o ensino? (EdULBRA, 2. ed, 2005). Ele é resultado de minha tese de doutorado que teve como título Para que(m) é útil o ensino de Química?. Chego a uma dolorosa constatação. A maioria do que ensinamos não serve para nada, ou ainda mais trágico: serve para aumentar a dominação. Muito do que ensinamos serve até para fazer alunas e alunos mais reféns dos dominadores. Neste livro, mostro isso com o ensino de Química que se faz nos anos anteriores à Universidade, mas permito-me uma generalização a quase todo o ensino médio e também aos anos finais do ensino fundamental. No livro, faço frase capitular algo que colhi em uma escola de Assentamento do MST: Se a Escola que os ricos inventaram fosse boa de verdade, eles não davam dessa Escola pra gente.

Penso que trouxe algumas das perspectivas que trarei para o nosso encontro da próxima quarta-feira para narrar acerca de A ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza. Quero acrescentar que, dentre as muitas falas que tenho nesse novembro em diferentes Universidades e em outras situações, essa é aquela que mais me mobiliza. Falar na casa da gente é mais difícil. Quando somos alienígenas à tribo é muito mais fácil. Esse é um desafio para mim. Há muitas semanas, esse encontro povoa meu imaginário e também meus escritos.

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